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Ricardo Lísias

Ricardo Lísias não gosta de quem se omite, de quem não diz nada.

Ricardo Lísias não gosta de quem se omite, de quem não diz nada. Não se interessa pela ficção que é apenas entretenimento, nem pelos eventos permeados de vaidade que tanto abundam no meio literário. Não acredita em inspiração, em intuição ou pose. A literatura, para esse jovem paulistano, ou ao menos sua própria, é compromisso. Ele acredita em pesquisa e num intenso empenho de reescrita, em busca de uma linguagem que dê conta de alguma coisa, que em alguma medida impossível reflita o mundo que ele estuda a fundo, que possa esgotar seu imenso arsenal de críticas. Se alguém entender como fantástica a literatura de Lísias, será apenas naquilo que o fantástico tem de real, muito diferente da fantasia e do sobrenatural puramente inofensivos tão frequentes nas livrarias.

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O maior e mais recente exemplo do importante trabalho de Lísias está em O Livro dos Mandarins, um dos melhores romances brasileiros recentes. Conta a história de Paulo, um executivo do setor financeiro totalmente obcecado com sua carreira, querendo ser promovido para ir trabalhar em Pequim. O destino reservado pelo banco para o tão focado e aparentemente tão eficiente Paulo será muito mais surpreendente do que aquilo que ele tinha planejado. Trata-se de uma viagem pelo mundo através das ideias estreitas e dos vastos devaneios desse personagem, com direito a um passeio pela estrutura e pela estranha linguagem do (sub)mundo corporativo.

O Livro dos Mandarins encarna em sua escrita a disfunção do sistema capitalista, incomodando e inquietando como a boa literatura pode fazer. Segundo Lísias, foi isso o que aborreceu uma parte específica do meio literário brasileiro—é para São Paulo que ele aponta sua metralhadora de juízos, que preferiu criticar a obra dele a sair de sua zona de conforto. Diferentemente de Duas Praças, terceiro lugar no Portugal Telecom de 2006, este último não ganhou nenhum prêmio na temporada primavera/verão de regalias literárias, amplamente dominadas por celebridades/escritores ou escritores/celebridades. Como seria de se esperar, nem na entrevista Lísias se omite. Responde sem medo de nome e desde a primeira frase não poupa provocação.

Ricardo Lísias: Vamos lá. Põe aí que eu acho o MST um negócio legal.

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Vice: Certo, você quer falar de temas polêmicos…
A última campanha achei uma droga. Pode pôr que eu odeio o PSDB. O PSDB é uma bosta.

Ao menos pela postura em entrevistas, você é um escritor diferente de outros, que, quando se expressam publicamente, parecem não querer falar sobre questões difíceis, sobre política, sobre causas coletivas.
Essa é a postura dos brasileiros. Leio vários autores estrangeiros dando entrevistas e se posicionando, mas no Brasil virou isso. Na última eleição acompanhei os abaixo-assinados dos artistas, uma lista defendendo cada candidato e, em ambas, o gênero artístico que menos aparecia era a literatura. Eu contei. Havia bastante gente do cinema, da música, alguns artistas plásticos e muito pouca gente da literatura. E sempre nomes menos conhecidos, com exceção do Ferreira Gullar. Parece haver uma intenção absoluta de não tomar partido, em nada. Quanto menos partido um escritor toma, menor é o risco de desagradar o júri de um prêmio, que não se sabe qual vai ser. Quanto menos você fala, melhor fica com o maior número de pessoas. E como o círculo literário é muito pequeno, constituído por pouquíssimas pessoas, os escritores acabam preferindo não se colocar, para não correr o risco de desagradar uns ou outros. Nos últimos dez anos foram sempre as mesmas quatro, cinco pessoas que ganharam todos os prêmios. É uma entidade abstrata que se torna muito concreta. Se você não desagrada ninguém, suas chances de sobrevivência são maiores.

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Você não se sente retaliado, então.
Me sinto um pouco, mas não 100%. Já fui finalista de prêmio, já ganhei alguma coisa… Para mim não vem muito ao caso, é algo muito pequeno. Isso não me incomoda, não me prejudica. Mas acho, sim, que O Livro dos Mandarins foi mal-lido por razões ideológicas. Se a recepção tivesse sido igual em todo lugar, como no caso dos outros livros, tudo bem. Mas ter sido malrecebido só em São Paulo me leva a crer que seja mesmo por motivações ideológicas. De qualquer modo, como autor, nunca pergunto diretamente o que as pessoas acham sobre o que eu escrevo. Não tenho vontade de saber. As pessoas tomam liberdade de dizer para o autor coisas absolutamente bestas, de uma tolice insuportável.

Você defende uma literatura que tenha um posicionamento político mais evidente?
Não, essa é a minha literatura. Há coisas ótimas que não se posicionam. O que acho constrangedor é essa história de os autores no Brasil serem tão covardes. Querer aparecer tanto, mas por nada que importe. Pegue os últimos vencedores de prêmios, em vários anos. Digite o nome deles no Google para ver se você os encontra tomando alguma posição que desagrade alguém. A impressão que dá é que, no Brasil, os escritores não pensam, porque eles não declaram o que pensam. A ideia é que você se comporte bem, porque aqui o grupo é pequeno. Agora, vai ver o Houellebecq na França, o Philip Roth, o Saramago, o Antonio Lobo Antunes, o Ricardo Piglia. Não parecem pessoas preocupadas em nunca dizer nada.

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São escritores que lhe agradam, esses?
Não, não gosto do Philip Roth. Não acho ruim, mas não acho grandes coisas. Dos outros eu gosto.

Você já falou dos brasileiros e dos estrangeiros…
Que eu leio muito mais. Gosto do Emmanuel Carrère, dos franceses, de literatura latino-americana, em geral. Tem uma consistência de linguagem literária muito maior, do ofício. Mas acho que o Brasil tem uma nova geração, melhor. Acho que a gente pode ter esperança. É só São Paulo mudar. O Rio é meio ruim também, mas é colorido, é mais engraçado, mais divertido. Tem muita editora, eles fazem novela. Mas não sou bom para dizer do panorama brasileiro em geral. Vou na livraria e começo a ler. Se gosto, compro. Tenho comprado mais coisas, mas ainda tem muita besteira. Um dia comecei um que era um monólogo de uma boneca inflável. Aí não dá. Não vou gastar 40 reais, aí não dá.

Você costuma mostrar certa rejeição ao mundo dos eventos literários.
Me sinto mal em eventos onde o aspecto mercadológico é muito óbvio. Por exemplo, como pode vir aqui 2.000 pessoas e um autor de muito sucesso vender 40 livros? E os outros 1.960 que não compraram, mas acharam o máximo. É um público consumidor, ou que quer apenas um banho de cultura no mês de junho? É muito constrangedor perguntar isso. Como é de muita visibilidade, corre o risco do autor ficar em posição muito forte em relação ao livro, e prefiro que o livro fique em primeiro lugar. Já fui em alguns, de universidades, mas quando tem muita mídia em volta, de onde vem o dinheiro, pouca coisa relevante é discutida. Não que diminua a obra de quem vai, claro que não, mas minha opção é não ir. O caso é que o Brasil, embora esteja melhorando, tem mais facilidade de ler o texto do que o autor. E se você questiona um grande evento como esse, tem boa chance de você estar criticando metade do júri de um prêmio literário. Como são as mesmas pessoas, aí você já se prejudicou.

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Mas os prêmios literários são mesmo fundamentais para o escritor?
Para mim é uma questão de dinheiro. Facilita a vida você ganhar um prêmio de 200 mil reais. Ajuda a escrever o próximo romance, que exige tempo. Levei mais de quatro anos para escrever O Livro dos Mandarins. É difícil ter condições de escrever um livro com essa dedicação. Tenho que batalhar, tenho que ir atrás, dar aulas de português, ficar com saldo devedor. Fazer a minha parte… Mas normalmente os livros premiados são os que já chamavam a atenção do mercado. Não vejo literatura como entretenimento mesmo. Nem para mim, não é algo que me entretém, nem faço para ser. Nem gosto muito da literatura voltada para isso. Não tenho essa intenção nem como autor nem como leitor, mas prefiro deixar isso claro nos próprios textos.

Mas você também não encara a literatura como algo só formal.
Encaro como uma questão formal e política. Mas política no sentido amplo de relacionamento com um meio exterior a ela. Como algo que foge também das questões formais, mas são questões que também acho bem importantes. Esse texto foi feito dessa forma porque eu não conseguia falar da questão que eu queria tratar de outra forma. Essa questão formal é decisiva.

O livro tem de fato essa intenção de ser uma crítica ao sistema capitalista?
Totalmente. É exatamente isso. 100% isso. É uma crítica ao mundo das grandes corporações, dos executivos. É curioso que o livro tenha sido muito elogiado fora do estado de São Paulo, enquanto aqui ele não foi bem lido. Claro, houve quem gostou, mas vieram daqui as críticas mais duras. Longe de mim achar que não há críticas justas, que o livro não tem defeitos, mas não eram essas que essas pessoas afirmavam. Por exemplo, disseram que o livro tem problemas de verossimilhança. Essa nem é uma discussão válida porque o livro não tem a intenção de ser verossímil, mas ainda assim dá para responder. Sobre puteiros que se fingem de empresas de consultoria, por exemplo, disseram que era absurdo, que não existem. Só em São Paulo existem três. É real. Conversei com três vice-presidentes de bancos diferentes e eles confirmam.

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A realidade pode ser mais inverossímil que a ficção.
Provavelmente é. Essa foi uma crítica levantada no estado governado pelo mesmo partido faz 16 anos que em outros lugares nem se colocou. Acho que leitores paulistas se incomodarem com esse tipo de coisa é um sintoma. Fui até ofendido por isso—não pessoalmente, o pessoal tem medo, tenho fama de louco—, mas indiretamente, por críticos. Já os executivos adoraram. O livro teve excelente recepção no Valor Econômico, o jornal que assinei por dois anos e de onde tirei várias informações.

Sua pesquisa corroborou a imagem que você tinha desse universo específico?
Só piorou. Os caras são filhos da puta mesmo. É muita grana, gente que se vende, de uma arrogância, de uma grosseria. É péssimo. Ser secretária de um cara desses é um inferno na terra. Presenciei uma bronca numa secretária totalmente desproporcional. “Ela é burra mesmo, ela fica aqui porque tem uma bunda legal e precisa mostrar”, o cara falou. Era inacreditável mesmo.

Você parece ter criado uma poética própria, constante e uniforme, com mecanismos que se repetem. Dá a impressão de que você está sempre tentando escrever o mesmo livro, aprimorando para chegar a algum que te agrade.
É provável, concordo. Ou pelo menos tentando chegar em algum lugar, em alguma questão. Se os livros se repetem é porque nunca chego nesse lugar. Se chegasse, talvez bastasse e eu resolvesse fazer outra coisa.

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A literatura seria esse processo?
Talvez só haja o processo mesmo, nunca se possa chegar ao resultado desejado. O resultado final nunca é o que eu procurava originalmente. Mas é próximo. Quando dou para publicar é porque está perto, ou pelo menos satisfatório para o que eu queria. Em algum momento cheguei a achar que O Livro dos Mandarins era menor do que a crítica que eu queria fazer, mas acho que esse era um problema meu, e não do livro.

Quando você escreveu o Duas Praças, houve também uma reação negativa em função das críticas à universidade, ao mundo acadêmico, não?
Sim, teve gente que se identificou, que acreditou estar sendo retratado injustamente, mas desta vez fui ainda mais agredido pelo establishment paulistano, que fez as críticas mais descabidas. É justamente o cenário onde as coisas descritas acontecem, onde o livro se passa. Na Berrini, na Paulista. No Sul e no Nordeste o livro foi muito bem lido. O caso é que o mainstream literário de São Paulo é peessedebista. Vai ter dificuldade de gostar do livro, mesmo. E de ler.

Ao escrever, você parece ter inimigos. Contra quem você escreve?
Não tenha dúvida, eu tenho inimigos, mas não é algo pessoal. O Livro dos Mandarins é contra esse mundo das grandes empresas, do capitalismo destrutivo. De tudo nele, da subjetividade, da interioridade das pessoas. O Paulo, o personagem principal, é ao mesmo tempo vítima e cúmplice desse sistema. O negócio vai dando errado e ele vai seguindo em frente. Ele parece vítima, mas é também meio culpado, tem consciência. Alguns leitores pensaram que ele enlouqueceu, mas não acho que ele enlouqueça. Tem um enlouquecimento geral nessa sociedade, ele não é mais louco que os outros. Contra esses caras é que o livro se coloca, contra os caras de salários altíssimos que fazem qualquer coisa por eles próprios. A ideia é que linguagem instável compartilhe essa realidade, ou que ela a construa. É uma coisa consciente. O que acontece de inconsciente é erro. Não gosto de coisas intuitivas, esse negócio de intuição é besteira. Escrever um livro é trabalho, é preciso ter controle. O livro é uma construção, tem método.

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Ao escrever, então, você age como um executivo?
Os executivos são competentes. Para escrever o livro, comecei a estudar chinês e tive um monte de executivos na turma. Todo mundo aprendeu, menos eu. Na prática, eu ficava anotando o que os caras falavam, não o que a professora falava. Foi legal a pesquisa. Tudo fofoqueiro, um querendo queimar o outro. Teve até um cara que pediu que eu falasse mal de um diretor dele no livro…

Você leu auto-ajuda empresarial?
Claro. Vários. Insuportável. Só da série Pai Rico, Pai Pobre li uns cinco, li O Monge e o Executivo. Tem um monte de besteira, sobre como perder o emprego e agir de maneira elegante, como ser legal com seu chefe que te explora. A pessoa fica circunscrita a como agir para que ela receba seus rendimentos da melhor maneira possível. O salário é mais importante do que qualquer outra coisa. Queria atingir esse meio, criticar esse ambiente social. A maior parte das pessoas do meio corporativo que leu adorou o livro. Não sei como tratar essa questão. Descobri um fenômeno curioso. Ao contrário do Duas Praças, onde as pessoas se reconheciam, o meio corporativo gera na própria pessoa um mecanismo de defesa. É uma racionalização parecida com quem é alcoólatra, que sempre pode sair daquilo. No meio corporativo, é sempre o colega, ou eu não sou bem assim, ou mereço realmente o salário que ganho, as concessões foram necessárias naquele momento. Nunca é ele. Quando são todos eles.

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O que faltaria para uma ampliação do meio literário? Um crescimento de mercado seria a solução?
A literatura tinha que ter mais espaço, mas é difícil responder por que não tem como saber qual é a razão. O Brasil ainda está começando em uma série de coisas. Mas está melhorando, inclusive na qualidade dos textos produzidos. São Paulo é que ainda se mantém muito provinciano, voltado para si mesmo. As revistas literárias são produzidas por um instituto de banco, ligado à especulação financeira, portanto. São Paulo, como cultura, está ficando para trás.

Mas São Paulo teve um papel literário importante em décadas passadas.
Sim, no Modernismo, mas isso foi um fenômeno localizado. Existem outros centros onde as pessoas estão fazendo coisas importantes, mas daqui não se percebe isso porque o paulistano fica muito centrado em si mesmo.

Tanta raiva de São Paulo… Você nasceu aqui, não?
Nasci e cresci em São Paulo, com exceção de um tempo em que vivi em Campinas. Tudo normal na minha infância, família de imigrantes, classe média, minha mãe era diretora de escola. Nunca passei fome, nunca tive dificuldade para estudar. Até o momento, meus personagens não eram eu de nenhuma maneira, mas agora talvez venham a ser. No próximo romance um deles vai se chamar Ricardo Lísias, mas não sei bem o que vai acontecer.

Você parece se interessar por sistemas de poder e de linguagem mais até do que por personagens.
Me interesso por sistemas. Tenho uma ideia, vou atrás, e os personagens acabam surgindo depois da pesquisa. O novo romance que estou escrevendo é sobre um especialista em coleções. Não é um colecionador, mas sabe tudo sobre coleções. Não sou um especialista nisso, mas estou estudando, e até criando algumas coleções, modestamente, para conseguir entender. Primeiro vem essa ordem geral da questão, depois é que aparecem os personagens. O colecionador tem um amigo que se suicidou, o que é uma história verdadeira, de um amigo meu. Ele se suicidou há dois anos, foi uma história muito confusa, muito dura. Ele estava na minha casa cinco dias antes de se matar, estava péssimo, quebrou a casa inteira. Ele queria escrever para o Lula sobre os direitos dos deficientes físicos, e o cabeçalho dessa primeira carta ele esqueceu na minha casa. Nunca escrevi de maneira pessoal. As minhas questões pessoais eu sempre tinha deixado de lado nos textos, até aqui. Comecei agora com esse projeto, não exatamente autobiográfico. Curiosamente as pessoas gostam mais disso. Na minha percepção de recepção das pessoas, elas têm mais facilidade com uma coisa menos coletiva.

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Então você acha que o tempo da literatura ainda está por vir?
Da brasileira, está. A nossa literatura é grande, historicamente é uma literatura de respeito, mas não me atraía até alguns anos atrás. Hoje vejo livros poderosos, talvez exista um bom futuro próximo. Gosto de um livro que se chama Galileia, do Ronaldo Correia de Brito, achei ótimo. Mas, no geral, a literatura brasileira parecia não andar muito bem. Apesar de tanto espetáculo, tanta farra, publicidade…

O que você acha desses grandes projetos de encomenda, com um norte sugerido desde antes, como a série Amores Expressos?
Acho que qualquer tema pode gerar um excelente livro. Fazer um livro sobre os supermercados de Pinheiros, sei lá, pode dar um excelente texto. Não importa, é o que o autor vai fazer com aquilo. A questão é que, quando se envolve um grupo grande em um projeto, aumenta a chance de não dar certo. Porque a maioria das pessoas está muito menos preocupada com o literário do que com o aspecto pessoal.

Você não parece se render muito ao diálogo com a cultura pop, tão frequente na literatura brasileira atual.
Disso não gosto mesmo, me cansa um pouco, talvez porque me falte a referência que as outras pessoas têm. No final, se a linguagem me interessasse, eu não veria problema. O caso é que é tão malfeito, tão superficial.

Como você define sobre o que escrever?
Surge em primeiro lugar uma questão relevante, a questão a ser discutida. A partir daí faço todo o tipo de pesquisa necessária para a narrativa. Às vezes não dá certo e deixo o tema de lado. O Livro dos Mandarins deve ter tido umas dez versões, dos tamanhos mais variados. Mas essa imprevisibilidade eu acho legal. A única parte do processo literário que realmente me incomoda são as recepções que tiram a importância do texto e a deslocam para a figura do autor. Você acaba sendo obrigado a realizar certas tarefas que não fazem nenhuma diferença para o texto.

Em termos de extensão, você sempre acaba fugindo dos formatos tradicionais. Seus textos são sempre ou muito curtos ou muito longos para os critérios de mercado.
Se o romancista for se preocupar com o mercado, ele está perdido. O mercado é essa coisa gigantesca que as pessoas aceitam como um amigo. Como é que pode? É uma coisa totalmente tolhedora, desagradável, sempre contrária, e as pessoas acham legal. O Livro dos Mandarins é extenso porque precisava que o tempo passasse para mostrar como o protagonista se transforma, como sofre várias metamorfoses.

Sempre li o Samuel Beckett. Não é quem mais me influenciou, mas sempre foi o que mais gostei. E tende a extensões mais curtas, e acabei escrevendo alguns livros assim. Há uns dois anos, no entanto, comecei a ficar mais interessado em livros muito extensos, sobretudo contemporâneos. Os clássicos eu já tinha lido na universidade, todos os clássicos do primeiro escalão, o Proust, o Dostoievski, o Joyce. Mas agora comecei a ler os livros longos contemporâneos.

Você pensa em algum dia poder viver de literatura?
Todas as coisas que me dão sustento hoje são relacionadas à linguagem. Mas não penso em viver com o rendimento das vendas do meu livro. Provavelmente nunca vão ser suficientes. Para viver de literatura, você precisa conceder e, no caso brasileiro, se tornar uma pessoa domesticada.

E de onde o escritor pode tirar sua autonomia, hoje?
Ah, ele tem que trabalhar. Fazer tradução, dar aula…

Por que esse meio, a literatura?
Porque é o que eu acho que faço melhor, o que acho possível.