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Estes Repórteres Suecos Passaram 438 Dias numa Prisão da Etiópia por seu Jornalismo 'Terrorista'

Os repórteres Martin Schibbye e o fotógrafo Johan Persson viajaram para a Ogaden, onde acabaram sendo baleados e sequestrados, além de sofrerem uma execução falsa e depois ficarem presos por mais de um ano.

Um still do vídeo de propaganda de Abdullahi Werar. Martin Schibbye e Johan Persson.

Em 2011, dois jornalistas suecos bateram de frente com a sombria realidade da geopolítica numa série de eventos aterrorizantes. Os repórteres Martin Schibbye e o fotógrafo Johan Persson viajaram para a Etiópia, onde acabaram sendo baleados e sequestrados, além de sofrerem uma execução falsa e depois ficarem presos por mais de um ano. O livro deles, 438 Days, um best-seller na Suécia, acabou de ser traduzido para o inglês.

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Do escritório deles em Estocolmo, Martin e Johan me contam que viajaram até a região de Ogaden, no leste da Etiópia, para investigar a presença da Africa Oil, uma companhia sueca ligada à Lundin Petroleum. A Lundin tinha, nas palavras de Johan, um "registro sujo quando se tratava de explorar petróleo em ambientes assim… a viagem era um grande risco, mas era importante, porque essa era uma empresa sueca e queríamos saber que efeito ela estava tendo lá".

Por anos, um conflito tem se arrastado impiedosamente no vasto deserto de Ogaden. Um grupo rebelde, o Fronte de Libertação Nacional Ogaden (FLNO), luta contra as forças etíopes para conseguir a independência. A Etiópia vê o FLNO como grupo terrorista.

Soldados do FLNO. Foto por Johan Persson.

"Ogaden é uma região fechada, o que significa que todos os jornalistas internacionais são expulsos", afirma Johan. "Há dois jeitos de se entrar na região como jornalista. Você pode ir com o exército etíope para uma tour de propaganda ou com os rebeldes que lutam pela independência." Dessas duas "opções ruins", os jornalistas escolheram o FLNO, que poderia os levar até os campos de petróleo.

Eles cruzaram a fronteira com um contrabandista e foram quase que imediatamente detectados pela polícia Liyu, uma força de segurança regional notoriamente imprevisível. O que se seguiu foi uma perseguição de carro pelo deserto, porém, segundo Martin, quando parecia que eles tinham se safado, "o contrabandista capotou o carro e fugiu. Encontramos um grupo do FLNO e começamos a correr".

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O grupo andou por três dias, mal dormindo ou comendo, tentando escapar de seus perseguidores. E, então, numa manhã, eles ouviram tiros. Os soldados etíopes estavam atacando o grupo, que se dividiu. Johan foi baleado no braço e Martin, no ombro. Eles gritaram que eram jornalistas e, enquanto viam os combatentes do FLNO desaparecerem no mato, foram presos pelos soldados etíopes. Martin pensou apenas: "Merda, perdemos a história".

Os suecos falaram sobre futebol com seus captores numa tentativa de estabelecer algum relacionamento. O nariz grande de Martin trouxe comparações com Zlatan Ibrahimovic. No entanto, as brincadeiras com Zlatan logo silenciaram. Martin e Johan não receberam atenção médica. O ferimento de Johan foi piorando. Eles não tiveram permissão para ligar para suas famílias ou para a embaixada.

Em vez disso, Abdullahi Werar, vice-presidente da região de Ogaden e leal ao governo, voou até lá para encontrá-los e disse que eles tinham de participar de um filme em que os suecos reencenariam sua "libertação" pelas forças etíopes. "Basicamente, eles estavam fabricando evidências nos mostrando como terroristas para usar no tribunal", ressaltou Johan.

Se os jornalistas não cooperassem, eles seriam executados e a culpa seria jogada no FLNO. "Essa gente é louca", me diz Johan. "São psicopatas que estão sendo usados por companhias estrangeiras como proteção."

Eles exigiram um médico e um advogado, porém nenhum apareceu. Naquele ponto, Martin foi obrigado a se ajoelhar e teve uma arma apontada para a cabeça. Ele achou que seria executado. Mas os tiros foram dados para o ar. Enquanto essa peça de propaganda elaborada acontecia, Abdullai Hussein, membro da equipe de filmagem, concluiu que o que estava vendo era errado. Ele escapou pelo Quênia e chegou à Suécia com a filmagem encenada, que depois foi exibida na TV sueca.

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Johan e Martin passaram dois meses e meio numa prisão para terroristas até serem transferidos para a notória Prisão Kaliti, em Addis Ababa. Eles receberam várias acusações de terrorismo. Ao se incorporarem ao FLNO, Matin e Johan se tornaram terroristas aos olhos das autoridades etíopes.

Kaliti era suja e superlotada, cheia de ratos e pulgas. Doenças eram abundantes, com muitos detentos sofrendo de tuberculose e HIV. Uma cena breve em 438 Days ilustra as péssimas condições. Um prisioneiro rastafári de Trindade olhou desesperado em volta e gritou que a prisão parecia as tripas lotadas de um navio negreiro. Ele perguntou a um guarda como eles podiam fazer isso com outros africanos. O guarda respondeu que não dava a mínima porque os etíopes eram os comerciantes de escravos, não escravos.

"Ouvimos outros prisioneiros serem torturados", lembra Martin. "Ouvimos os gritos e percebemos um padrão: no começo, os gritos eram muito altos e aí você ouve o contato corporal; no final, tudo ficava em silêncio. Se fôssemos jornalistas etíopes, teríamos sido torturados e executados no deserto."

No entanto, para Martin, "a pior coisa não era a falta de comida, a violência ou que as pessoas morriam e eram arrastadas pelos pés das celas – a pior coisa é que você tinha medo de falar. Toda noite, tínhamos de assistir à TV estatal etíope, e as pessoas que comentavam sobre política eram retiradas do recinto. Nossas conversas foram ficando cada vez mais rudimentares. Isso entra em você. Você acordava no meio da noite, coberto de suor, imaginando se tinha dito algo ruim sobre o governo".

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Essa internalização do totalitarismo ainda não saiu deles. "Mesmo falando com você, estou pensando em como você pode usar isso contra mim", frisou Johan.

Meses depois do começo do sofrimento, Johan e Martin foram finalmente levados ao tribunal. "Todo mundo sabia que o julgamento era uma farsa – aquilo era teatro. E tínhamos de atuar também, ou receberíamos sentenças maiores e seria difícil conseguir perdão", informa Johan. Ainda assim, eles foram sentenciados a 11 anos de prisão.

Depois da sentença, os jornalistas puderam se encontrar com mais frequência com o embaixador sueco Jens Odlander. "Ele foi muito franco sobre a real política do caso", pontua Martin. "Depois de sermos sentenciados, ele disse que tínhamos duas opções: apelar ou pedir perdão. Ele disse que, se apelássemos, deveríamos saber que nenhum país do mundo, nem mesmo a Suécia, arriscaria suas relações com a Etiópia por nossa causa e que seríamos sacrificados no altar da geopolítica."

Martin e Johan acabaram recebendo o perdão quando, segundo Martin, "a Etiópia percebeu que estava começando a não valer a pena ter dois jornalistas internacionais trancados em Kaliti". Quando foram libertados, eles deram uma entrevista para a TV estatal da Etiópia na qual tiveram de agradecer ao governo e admitir que tinham feito algo muito errado. "Para ser honesto, o governo etíope soube jogar muito bem conosco", resume Johan.

Quando voltaram à Suécia, Martin procurou um terapeuta. Johan, não. Ele ficou hospedado num hotel pelos primeiros três dias; depois, se mudou para a casa de Martin e sua esposa Linnea. Johan dormia no sofá. Depois de 438 dias juntos na prisão, os dois precisavam ficar juntos.

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No final do mês passado, Barack Obama visitou a Etiópia. Foi a primeira vez que um presidente norte-americano esteve no país. Na entrevista coletiva com o primeiro-ministro etíope, Hailemariam Desalegn, Obama disse que "o crescimento contínuo da Etiópia depende do fluxo livre de informação" e que os EUA "trariam continuamente" o assunto dos direitos humanos. Mas o presidente norte-americano também elogiou a natureza "democrática" das eleições recentes no país, na qual o partido no poder ficou com todos os 546 assentos do parlamento . Desde já, seu governo continuaria a trabalhar para "seguir com o progresso econômico da Etiópia" e "abrir os mercados americanos para produtos etíopes".

A Etiópia continua sendo um aliado-chave na Guerra ao Terror; então, a "preocupação" de Obama com os direitos humanos e a liberdade de imprensa no país pode ser apenas postura diplomática. Martin e Johan estão livres, mas o jornalismo honesto que eles estavam tentando fazer continua proibido na Etiópia.

438 Days foi publicado pela Offside Press.

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Tradução: Marina Schnoor