Férias frustradas no mundo de Tibia

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Férias frustradas no mundo de Tibia

Contra todo o restinho de bom senso que ainda me resta, entro sóbrio no site www.tibia.com e dou uma banda pelo MMORPG que mora no coração de toda uma geração de nerds brasileiros.

Nos idos de 1997, algo começava a tomar forma no horizonte das diversões eletrônicas. Podia ser uma forma feia, ainda meio desajeitada, mas ela trazia consigo a sombra de algo imenso, avassalador. Foi o ano que o primeiro MMORPG de sucesso o Ultima Online, apareceu no mercado. Foi também o ano em que foi lançado Tibia, um jogo que muito ouvi dizer, mas nada joguei. Até agora. A história a seguir é um breve relato de minhas experiências, descobertas e frustrações neste mundo chato, repetitivo, colorido e sem graça. Eu faço isso como um alerta, dou esse passo para que você, caro leitor, não precise dá-lo.

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DIA 1º

Quarta-feira, 14 de agosto do ano de nosso senhor de 2013. Contra todo o restinho de bom senso que ainda me resta, entro sóbrio no site www.tibia.com e faço uma conta. Crio um personagem com o inspirador nome de Arrua Eh Nois e entro neste mundo mágico. Vale ressaltar que apesar de saber da existência desta pérola há anos, eu nunca joguei Tibia. Sei apenas que este jogo foi muito caro a mais de uma geração de nerds brasileiros. Um dos motivos pelos quais ele sempre fez sucesso com brazucas é que, bem, ele é de graça. Farei relatórios diários contando minhas descobertas e observações deste mundo que tanto fez para matar o tempo de inúmeros adolescentes gordinhos. Essa é para vocês, meus queridos.

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“BEM VINDO AO MUNDO DE TIBIA.” Sem indicação do por quê, eu aparentemente acabo de sair daquele navio viçoso à esquerda, será possível que eu seja só mais um imigrante deserdado de sua pátria natal? Um prisioneiro fugindo de seu passado tenebroso? Um turista desavisado pronto para mil e uma trapalhadas? Só o tempo dirá. Talvez não, provavelmente não, se for ver.

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Ao voltar para meu amigãozão, reparo em uma coisa. Um porão com um piano, um barril imenso de cerveja e infestado de baratas. Meu amigo Santiago é claramente um ARTISTA!

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Vejo que os visitantes do local fizeram oferendas curiosas no telhado da velhota, talvez uma prática pagã deste estranho lugar, e eu me pergunto se entenderei essas dinâmicas todas mais tarde.

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Prontamente, ele me mostra como mudar as cores das minhas roupas e eu mostro imediatamente que não tenho medo de usar as cores dos anos 1980.

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OBAAAAA, vou seguir em frente para o vilarejo de Rookgaard, finalmente civilização.

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Infelizmente, logo ao tentar entrar no bagulho, eu sou DO NADA transportado para uma caverna maléfica onde um malandraço fica aparecendo dentro de uma nuvem de chamas e xingando minha mãe. Bom, tento seguir em frente enquanto aguento estoicamente as ofensas e ataques à minha autoestima. :(

Eis que surge um demônio gigante e sem cerimônia alguma me manda para a terra dos pés juntos.

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Meu primeiro contato com um ser humano! Humano no sentido de não ser uma representação de um humano feita em código, mas uma representação de um ser humano controlada por um nerd que escolheu colocar este nome ridículo em seu personagem. Como na vida real, penso em interagir, mas fujo dele como quem foge da peste bubônica.

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Bom, o gato ao menos está vivo. Do lado de fora? Mais carnificina.

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Olha, o gatinho está me seguindo, OLÁ GATINHO! Que fofo, o chamarei de Sr. Felpudinho.

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Tentei interagir com as cadeiras. Sem sucesso. Pelo visto, elas não gostam de pessoas com as cores dos anos 1980 por aqui. Vamos sair de perto desses burgueses, Sr. Felpudinho.

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OLHA, UM LIVRO! Amo livros, adoro cultura.

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Eles me mandaram falar com este sodomita, vamos falar com este sodomita.

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Mais de uma hora de jogo, hora de trocar de roupa! Estou me sentindo aquele cara que usa pijama combinando com os óculos combinando com as calças combinando com a bolsa que fica flanando na região da Rua Augusta.

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Mais sangue espalhado pelo chão no meio do vilarejo. O que há de errado com essas pessoas?

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O Sr. Sodomita me dá outra missão, ir aos esgotos matar ratos com uma espada de madeira.

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O Sr. Sodomita acha que foi razoável eu ter matado cinco unidades de roedor e fala que devo estar pronto para seguir em frente para fora do vilarejo. Até nunca mais, Sr. Sodomita! Olha, outro jogador! Contagem: três.

STATUS DO PRIMEIRO DIA: A interface deste jogo é um lixo absoluto, felizmente, não tive contato humano com os outros jogadores, fiquei somente falando “Hi”, “Yes”, “Yes”, “Quest”, “Yes”, “Help”, “Yes”, “Yes”, “Bye” com os inócuos NPCs. Como era de se esperar, ele parece ser uma eterna e tediosa tarefa como todos os MMORPGs com os quais tive contato, mas nunca se sabe!

Dia 2

Da última vez que jogamos Tibia, frequentamos praias elitistas, carregamos pedra, matamos baratas, ratos e coelhinhos, e finalmente parece que fomos liberados no mundão para sair dessa cidade Rookgaard.

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De volta à essa palhaçada, continuo com meus pijamas de cores berrantes, vamos mudar isso. Pronto, sei que você sempre sonhou em ser um roqueiro loiro natural.

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No meio do caminho, achei este livro em branco, então, achei que estava na hora de começar o romance que sempre sonhei em escrever… Pensando bem, foda-se a literatura, sou um roqueiro agora!

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O vovô me mandou de volta adivinha para quem? Sim, para o Sr. Sodomita, que eu achei que não veria mais. Francamente, eu devia ter imaginado isso tendo jogado outros 3.487.237 RPGs eletrônicos. No caminho, sou atacado por aranhas. Blá, blá, blá, “Yes”, “Yes”, “Yes”, “Help”, “Yes”, “Yes”, “Quest”, “Sua mãe”, “Yes”, “Yes”. Ele me mandou pegar a teia de uma aranha mítica com o originalíssimo nome de Tarantula. Bom, vamos lá.

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Entrando na caverna da Tarantula. Sério que esses caras não poderiam ter pensado em outro nome? Vasculhando um pouco, encontro alguns cadáveres que parecem uma mistura de alien do filme Alien com algumas interpretações do chupacabra, mas são Trolls. Também aranhas, como era de se esperar.

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Descendo as escadas, encontro um Troll vivo e agressivo, vamos resolver essa parada.

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Com a confiança inflada de ter encarado dois Trolls ao mesmo tempo e saído por cima, sou golpeado por um inimigo que não tinha previsto: o temível servidor cagado, desde os tempos imemoriais estragando sua experiência de jogo.

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Resignado da derrota para o servidor, sigo em frente no lar da mítica aranha TARANTULA. Há muitas aranhas por aqui de tipos diferentes, aliás, tantas aranhas que elas resolvem me convidar para um gang bang, sem avisar que eu seria o prato principal, e acabo tomando bem no meio da bunda. :(

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O jogo me lembra que estou velho demais para ainda não saber o que quero fazer de minha vida.

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Desesperançoso, vou dar uma volta na floresta para pensar um pouco, entender o que estou fazendo da vida, sabe? Até que, sem qualquer provocação, uma horda de besouros aliados a uma cobra me descem o cacete e eu morro!

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Talvez, apenas talvez… Eu esteja cansado de me negarem até o doce descanso da morte.

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Talvez, e talvez sim… Eu queira mudar algo, mudar algo fora de mim…

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Eu me visto com as roupas e as armas do anarquismo primevo, e tento fazer uma diferença.

Qual é o propósito da revolta em um mundo em trilhos?

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Eu estou perdido. Eu estou nu. Eu volto à praia…

Tento voltar à ilha de Rookgard onde o jogo começou, na vã esperança de poder pegar de volta o navio que me trouxe para esta terra de psicopatas. Estou trancado para fora da ilha.

Existe algo de saudável em jovens machinhos ficarem se perseguindo em um ambiente virtual enquanto atiram uns nos outros, é como um esporte. Não acredito na bobagem de responsabilizar os jogos violentos por esses doidinhos que saem por aí atirando em todo mundo que conhecem. Agora, se tem algum jogo que faz os meninos ficarem malucos, talvez seja o tipo de jogo como o Tibia. Ele não trabalha com as pulsões básicas de um adolescente saudável e a falsa noção de que algo como Tibia é um jogo social me soa muito mais aterradora. A breve e triste visita que fiz ao mundo de Tibia me fez pensar em como os adolescentes, os verdadeiramente nerds, têm essa capacidade monomaníaca de gastar horas e horas e horas de seu tempo dando level up em um bonequinho xexelento somente para aumentar os números que aparecem na tela. Eu nunca tive muita paciência para jogar RPGs on-line e, sim, isso me classifica como um péssimo nerd, mas gastar tanto tempo tendo que falar “Yes”, “Yes”, “Yes”, “No”, “Help”, “Yes”, “Yes”, “Quest”, “No”, “Yes”, “YES” para um personagem dentro do jogo, para poder interagir com ele? Isso beira à doença, meus amigos, e o mais doentio disso é que essa repetição mecânica foi feita para simular uma interação social. Isso sim, meus amigos, isso é uma fábrica de sociopatas.

Siga o Pedro Moreira no Twitter: @pedrograca

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