FYI.

This story is over 5 years old.

Outros

Fui a uma Conferência Bizarra sobre como o Aborto Afeta os Homens

De acordo com a Alliance for Life Ontario, se um cara recentemente comprou um carro esporte, ou é gay, talvez seja porque a parceira dele fez um aborto.

A propaganda da conferência da Aliança pela Vida Ontário. Screenshot.

Você conhece algum cara que está sempre nervoso, bebe muito ou comprou um carro esportivo caro do nada? Um cara muito imaturo e ruim de cama? Ou até um cara gay?

Bom, acontece que ele pode ser assim porque a mulher que ele engravidou fez um aborto – isso de acordo com as bizarras palestras da primeira conferência do Canadá sobre homens e aborto realizada pela Aliança pela Vida Ontário no final de semana passado.

Publicidade

Cruzei com o cartaz do evento e fiquei intrigada com a foto do cara cabisbaixo com a mão na testa enquadrada pelo título: "Homens & Aborto: Reclamando a Paternidade e Encontrando Paz".

Mesmo sendo uma defensora ferrenha do direito de escolha das mulheres, fiquei me sentindo mal pelo cara e queria saber qual era a do evento. Assim, fui a Niagara Falls na sexta passada e me sentei no meio de centenas de pessoas pró-vida, uma multidão formada principalmente de brancos de meia-idade; divididos igualmente entre homens e mulheres, eles estavam enfiados numa sala de conferência do Crowne Plaza. Jakki Jeffs, diretora executiva da Aliança pela Vida Ontário, começou os trabalhos dizendo que o evento não era voltado para nenhuma religião, mas logo depois partiu para uma oração em nome de Jesus.

"Ajude-nos a ser pacientes, a sair dessa conferência com a coragem e a integridade absolutas de sermos capazes de compartilhar a verdade sobre o outro lado da história do aborto", ela pediu.

Depois do "Amém", a mulher do meu lado se remexeu na cadeia, ansiosa pela primeira palestra: "Homens também se machucam. As razões podem te surpreender".

"Mal posso esperar para absorver tudo e ouvir as histórias desses pobres coitados. Esperei a semana inteira por isso", ela falou para ninguém em particular.

Brad Mattes, presidente da Federação Internacional Direito à Vida de Ohio e conselheiro "pós-aborto" para homens, pegou o microfone e enumerou todos os sintomas que os homens experimentam quando suas parceiras fazem um aborto.

Publicidade

Segundo ele, isso inclui insônia, ataques de pânico, vício em pornografia e masturbação, além de impotência e até tendências misóginas, ele acrescentou.

Atiçando o público. Foto cortesia da autora.

O homem pode se sentir tão frustrado com a oportunidade perdida de ser pai que pode desenvolver uma atitude destrutiva, resultando em "um ódio geral" em relação às mulheres.

Ele pode até tentar a "homossexualidade", porque isso oferece "gratificação sexual sem o medo de gravidez" e, portanto, sem medo de abortos, ele frisou.

"Imagine a carnificina humana apenas do ponto de vista do homem, o que muitos de nós nem paramos para pensar", declarou Mattes. "Quando o aborto acontece, isso pode prejudicar ou até mesmo destruir aspectos do desenvolvimento dos homens."

Ele colocou um slide com uma citação de uma ex-vice-presidente de assuntos médicos do Planejamento Familiar do Canadá: "Não importa quanto os homens reclamem de que estão sendo deixados de lado. Há coisas que eles nunca vão poder experimentar completamente. Azar", ela teria dito.

"Estão vendo? O Planejamento Familiar não liga para os caras", afirmou Mattes.

Ele realmente sabia como atiçar o público.

"QUE VACA!", gritou outra mulher da minha mesa, que depois me contou que era de um grupo de mulheres de uma igreja. Outros na sala murmuraram coisas piores. Mas Mattes rapidamente confortou todo mundo, assegurando que nem tudo estava perdido.

Há muitas maneiras de ajudar esses homens a passarem pelo trauma do aborto. "O que eles precisam é de um ambiente de aconselhamento com colegas homens", ele sentenciou antes de listar as maneiras como esse aconselhamento deveria ser feito. Isso pode incluir ajudar o homem a dar um nome para o filho não nascido e criar um certificado de vida para pendurar na parede.

Publicidade

Todo mundo tomou nota.

"Ele também precisa de um ambiente de gênero neutro onde [possa] compartilhar sua história", ensinou Mattes. Isso quer dizer: nada de cortinas com babados, estofados floridos ou quadros nas paredes que mostrem qualquer coisa feminina, coisas geralmente encontradas em centros de apoio à gravidez, o que pode assustar esses homens.

"Um homem chega ali e foge, porque acha que, se entrar naquela sala, seu pênis vai cair!", ele gritou.

"A resposta é muito fácil: coloque uma TV de tela grande e um controle remoto… se você quiser colocar um sofá de couro preto, vai ser a cereja do bolo."

Uma mulher perto de mim concordou plenamente. "Isso mesmo, isso vai fazê-los falarem."

Mattes sinalizou que sua apresentação tinha quase terminado; em seguida, clicou num slide com uma foto de estoque de um homem sorrindo de orelha a orelha.

"Aborto é um câncer", continuou Mattes para um mar de cabeças que concordavam. "Isso mutila e mata tudo em seu caminho. Isso não escolhe os pobres, não ataca exclusivamente os ricos. Não importa se você é branco, preto, marrom ou qualquer coisa no meio."

Na rodada da tarde, Linda e Chuck, um casal (eles são namorados desde o colegial em St. Louis, Missouri), subiu ao palco para falar do aborto que fizeram em 1976, quando tinham 17 anos, e ecoaram muitos dos sintomas discutidos por Mattes naquele dia.

Depois do aborto, eles falaram que se sentiram deprimidos e nervosos. Linda disse que acabou numa ala psiquiátrica porque não conseguia lidar com isso. Chuck reiterou que se sentiu emasculado e acabou se tornando viciado em trabalho. Linda descreveu como tentou supercompensar isso na criação de seus dois outros filhos e, como resultado do aborto, se tornou uma "mãe helicóptero".

Publicidade

Porém, depois de muitos anos de aconselhamento, eles conseguiram superar a experiência e tornaram sua missão na vida dizer aos outros como isso os prejudicou e quase destruiu seu casamento.

Depois da conferência, fiquei imaginando se tudo isso não era apenas outra interação do movimento dos direitos dos homens – que insiste que os homens também se magoam –, que, às vezes, até recebe apoio de feministas. Mas feministas podem defender o direito das mulheres de escolher e também aceitar que os homens podem ficar traumatizados com um aborto?

Conversei com Kelly Gordon, professora da Universidade de Ottawa que pesquisa movimentos antiaborto no Canadá e EUA. Ela afirmou que conferências como essa representam uma tendência do movimento antiaborto, que está tentando mudar sua identidade e se afastar do ataque a mulheres que escolhem abortar.

"Isso está passando por um rebranding, tentando se tornar um movimento que não vilifica necessariamente as pessoas, mas que as ajuda a se curarem", ela disse.

No entanto, ela acrescentou, essa é uma tendência com pouca chance de ter um impacto real no movimento antiaborto, ou pró-vida, no Canadá e que devemos ser críticos para com os estudos que ligam problemas comportamentais masculinos e aborto.

"Pelo que minha pesquisa descobriu, o movimento antiaborto está se afastando dos argumentos religiosos contra o aborto", ela explicou. "Eles estão tentando usar pesquisas científicas que geralmente não são tão científicas assim, mas que podem reafirmar estereótipos de gênero prejudiciais."

Publicidade

"Tenho certeza de que pode haver um espaço terapêutico para homens e mulheres falarem sobre essas questões. Mas não acho que essas conferências oferecem isso. Essas discussões precisam ser centradas na experiência das mulheres."

Para Jeffs, esse é exatamente o problema.

Falei com ela depois da conferência para discutir o que ela esperava alcançar. "Estamos plantando a semente para fazer conselheiros e terapeutas do Canadá olharem para a outra parte do drama do aborto", ela me contou.

"Estou envolvida no movimento pró-vida há 30 anos, e geralmente não pensávamos que os homens também são afetados por isso. Só olhávamos para as mulheres e como elas se sentiam. Foi uma falha da minha parte, e é assim que isso muda."

Siga a Rachel Browne no Twitter.

Tradução: Marina Schnoor