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Edição de Moda 2014

Fui um Insider Trader, e Você Também Pode Ser

Todo mundo estava fazendo isso...

Ilustrações por Thomas Pitilli.

Eu estava trabalhando como operador de fundos de multimercados há pouco mais de um ano. Um dia, notei uma de nossas linhas externas tocando. "Galleon", atendi depois de um toque. A voz na linha estava abafada. "Galleon", eu disse de novo; e, dessa vez, ouvi um pouco melhor: "O Gary está?".

"Não", eu disse. "Ele não está no escritório." Um momento de silêncio se seguiu.

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Eu estava prestes a desligar quando ouvi a voz sussurrante de novo: "O Raj está?".

"Desculpe", eu respondi. "Ele não está na mesa dele. Posso ajudar?"

Eu conseguia ouvir a respiração dele. A voz me fez imaginar um cara de trench coat numa cabine telefônica.

Muito misterioso.

Finalmente, a voz do sr. Sussurro ficou um pouco mais compreensível. "A Jefferies vai atualizar a Amazon em seis minutos", ele afirmou. Aí ouvi um clique, ele tinha desligado. Eu não tinha um nome, um número de telefone, nem sabia se a informação estava correta. Olhei o relógio no meu computador: 12h59. Eu não sabia para quem contar aquilo – ou se devia contar. O sr. Sussurro podia ser um golpe ou outra das piadas doentes do meu chefe. Verifiquei o relógio de novo. Pensamentos começaram a rodopiar na minha cabeça. Talvez eu devesse comprar ações da AMZN e ver se eles atualizariam mesmo. Aí mudei de ideia rapidamente. Quem liga no meio do dia falando como se estivesse num romance de espionagem russo? Os minutos no meu computador passavam como segundos: 13h02. Mas… e se eu não comprasse nenhuma ação da AMZN e ele estivesse certo, será que o sr. Sussurro ia ligar para o Raj e o Gary depois, esperando só um tapinha nas costas? Porra. 13h03. Dois minutos para decidir. 13h04. Foda-se, pensei. Comprei 100 mil ações da Amazon e me inclinei na minha cadeira, esperando que o sr. Sussurro soubesse o que estava fazendo.

Exatamente às 13h06, as cotações AMZN começaram a subir. Inicialmente, foram 50 centavos; depois, segundos depois, a cotação já estava acima de US$ 2. A luz da linha da Jefferies começou a piscar e eu atendi. Disseram-me que eles estavam atualizando a AMZN. Eu queria dizer que já sabia, mas só agradeci e desliguei. Continuei assistindo às cotações subirem, e a ideia de que eu tinha feito algo ilegal começou a se infiltrar nos meus pensamentos. Mas só por um momento. É assim que fazemos, eu falei a mim mesmo. Todo dia, meus chefes martelavam na minha cabeça que eu precisava sair na frente. Era disso que eles estavam falando. Daquele dia em diante, sempre que a linha externa tocasse, eu ia atender. Eu queria falar com o sr. Sussurro. A cotação estava acima de US$ 5 e pensei comigo mesmo: se atendesse uma ligação assim todo dia, eu seria um grande operador.

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"Quando cheguei em Wall Street, em 1994, insider tranding era algo tão comum quanto atravessar fora da faixa."

Não lembro a primeira vez em que atravessei fora da faixa de pedestres, mas foi provavelmente em algum lugar de Cleveland no começo dos anos 70. Tenho certeza de que eu estava de mãos dadas com os meus pais e que olhamos para os dois lados da rua. Não procurando por autoridades, mas para ver se vinha vindo algum carro. Eu sei o que você está pensando: esse puto vai tentar comparar insider trading (negociar ações com informações privilegiadas) com o ato de se atravessar fora da faixa. Certo. Mas a verdade é que, quando cheguei em Wall Street, em 1994, insider trading era algo tão comum quanto atravessar fora da faixa. Algumas coisas podem ter parecido meio questionáveis para quem é de fora, mas isso era considerado parte do jogo. Chamávamos isso de sair na frente. Em dois anos, passei de uma renda de US$ 40 mil por ano como assistente de vendas da Morgan Stanley para US$ 300 mil como operador-chefe de um fundo de um bilhão de dólares na Galleon Group. Sair na frente foi o que me levou até lá. Talvez o final dos anos 90 possa ser comparado à era dos esteroides da Major League de basebol – se você quiser colocar um asterisco do lado das minhas estatísticas, tudo bem. Nunca vou entrar para o Hall da Fama de Wall Street mesmo. Era assim que as coisas eram, talvez ainda sejam. Saia na frente ou seja cortado da equipe.

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Não sei se eu conseguiria ter ficado no Galleon Group se não tivesse saído na frente sempre que a oportunidade surgia. Para mim, a paisagem mudou em agosto de 2000, quando a Comissão de Títulos e Câmbio dos EUA (SEC) introduziu a Regulation FD, que exigia que todas as empresas públicas divulgassem informação relevante para todos os investidores ao mesmo tempo. Foi um esforço para acabar com a divulgação seletiva. A mudança não aconteceu da noite para o dia. Levou anos para as empresas e investidores aderirem. O que sobrou era, no papel, um campo mais igualitário de não divulgação.

Mas alguém precisava começar a falar. Em Wall Street, começamos a ver o surgimento de "redes de especialistas". Digamos que uma velha fonte na Pfizer não quis te contar o estava acontecendo. Bom, nesse caso, você podia falar com um médico ou um advogado da família Pfizer. Depois você pagava uma taxa de consulta a eles, como faria com qualquer outro especialista contratado para ajudar a entender a empresa ou o setor. Aí usávamos a informação para fazer negócio. Era uma nova reformulação de um jogo antigo: esse tipo de coisa acontece em todo country club dos EUA e do mundo desde sempre. Outra fonte primária de informação privilegiada vinha de dentro das paredes de Wall Street. Analistas sabem das atualizações antes que elas se tornem públicas, banqueiros trabalham em acordos antes de eles serem anunciados e operadores veem ordens enormes de fluxo. Nem todo mundo está fazendo esse tipo de coisa, mas isso não é algo desconhecido também.

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"Vamos atualizar a XYZ em dez minutos" ou "Temos 17 milhões de ações da XYZ para comprar até o fechamento do dia": esse tipo de coisa não faz você se sentir o Charlie Sheen disfarçado de zelador roubando arquivos de uma firma de advocacia. É apenas sair na frente. E o resultado pode ser um tapinha nas costas, talvez um sorriso do seu gerente de portfólio (o que é muito difícil) e mais dinheiro. O cara do outro lado da linha ganha mais fluxo de pedidos, mais comissões e algumas estrelas douradas ao lado do nome dele.

Isso pode acontecer pessoalmente também. Eu me lembro de uma vez, no começo dos anos 2000, no Marquee, em Chelsea: o clube estava lotado, mas a área VIP era espaçosa. A iluminação era suave, perfeita. Meus pés vibravam com o baixo da música, as garrafas na minha frente refletiam a luz das velas e mulheres bonitas circulavam à minha volta. Éramos uma máfia de fundos multimercados ali, com alguns palhaços pontocom no meio. Lance estava sentado na minha frente. Como eu, ele era um operador de fundos multimercados. Ele tinha acesso a algumas butiques de pesquisa como a Avalon. Lance sempre recebia uma piscadela ou um aceno de cabeça antes de divulgar um relatório mordaz sobre uma empresa qualquer. No canto, estava o Michael – ele estava do lado das vendas e era bom com atualizações e desatualizações. Ele estava sentado do lado de seu cliente Pesto, que já sabia na quinta quem estaria na primeira página do Barron's no sábado. Algumas mesas mais adiante, estavam banqueiros com conhecimento sobre algumas aquisições iminentes. O cara tentando entrar na área VIP era um francês da UBS; Lance me contou que ele deixaria vazar tudo que sabia até o final da noite. Foi uma boa ideia. Se você sabe que um bilhão de dólares da S&P está entrando no mercado, você se ajusta de acordo. A host da área VIP estava na defensiva; então, fui até lá. "Ele está comigo", garanti. O francês sorriu e veio apertar minha mão. Geralmente não gosto de dividir minha cocaína, mas fiz uma exceção para ele. Passei o papelote para a mão dele com a habilidade de um batedor de carteiras profissional. "A gente devia conversar", frisei.

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Uma das muitas coisas que aprendi fazendo esse tipo de coisa para o Galleon Group foi como não ser pego. Se você quer entrar nesse jogo para ganhar, tem certas regras que você precisa respeitar:

- Nunca troque dicas de uma coisa garantida; esse é o primeiro lugar em que os federais vão checar;

- Sempre deixe uma trilha de papel (por exemplo, e-mails lançando a ideia com vários motivos), menos a informação privilegiada que você tem;

- Compre mais do que você quer e venda uma parte antes dos anúncios. Isso mostra uma percepção equivocada. Se você soubesse sobre o anúncio, por que venderia as ações logo antes disso?;

- Nunca tenha nada impresso. Use apenas telefones (mas isso está mudando);

- Encontre ações derivativas que vão ser beneficiadas com a notícia e invista pesado nessas. Sua informação vem da Exxon, mas também vai ajudar os fornecedores da Exxon? Jogue nos fornecedores;

- Esteja preparado para uma ligação da SEC. Faça-se de bobo, mas mantenha sua história;

- Discuta a ideia de negócio com outros funcionários, mas esconda o molho secreto;

- Recompense bem seu informante.

Mas esse é o problema em se atravessar fora da faixa. Dificilmente você vai levar uma multa: esse não é o risco. Mesmo se você for pego, provavelmente só vão te dizer para não fazer mais isso. O risco mesmo é ser atropelado por um caminhão. E, nos últimos cinco anos, esse risco aumentou dramaticamente. Isso começa com uma batida na porta quando você estiver arrumando as crianças para a escola ou um toque no ombro na fila da Starbucks – os federais vão querer saber tudo. E, mesmo se você não for preso, seu currículo vai valer tanto quanto um aviãozinho de papel. Gary deixou o Galleon alguns meses antes do indiciamento e, hoje, está no Texas participando de rodeios amadores. Raj está preso em Massachusetts. Então, se você planeja atravessar fora da faixa – é bom olhar para os dois lados.

Tradução: Marina Schnoor