Por que americanos e europeus de direita estão indo para a guerra na Ucrânia

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Por que americanos e europeus de direita estão indo para a guerra na Ucrânia

O que o Estado Islâmico é para jovens ocidentais descontentes de inclinação islâmica, o Sector Direito se tornou para jovens europeus e americanos de direita apaixonados por nacionalismo — menos o nacionalismo russo, claro.

Ilustrações por Skipp Sterling.

Esta matéria foi originalmente publicada na edição impressa de junho VICE US.

Quando Ben Fischer saltou de seu jipe no quartel do Grupo Tático Voloveka em Donetsk, na Ucrânia, em maio último, ele era um mercenário veterano chegando ao trabalho em seu terceiro continente. A cena no quartel-general de uma unidade do grupo nacionalista ucraniano Sector Direita oscilava entre o caos completo e uma disciplina maníaca. Vira-latas sujos de pó de antracite vadiavam entre obstáculos antitanque. Artilharia antiaérea brilhava da caçamba de picapes. Alguns grupos de ucranianos estavam limpando armamentos. Outros cortavam lenha. Outros faziam flexões. Muitos estavam bêbados. Uma grande faixa vermelha pendurada entre as barracas de frente para o leste dizia: MORTE AOS INVASORES DO KREMLIN.

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Em uma planície árida de minas de carvão e lodo preto, Fischer encontrou o que estava procurando: uma experiência cheia de violência e aventura. O que o Estado Islâmico é para jovens ocidentais descontentes de inclinação islâmica, o Sector Direito se tornou para jovens europeus e americanos de direita apaixonados por nacionalismo — qualquer nacionalismo, menos o nacionalismo russo, claro. O Sector Direito está decidido a expulsar os separatistas russos do solo ucraniano. Três meses antes de Fischer chegar ao quartel Voloveka, Ucrânia, Rússia e líderes ocidentais tinham assinado um cessar-fogo conhecido como Minsk II. Grandes combates se tornaram raros. Oficiais europeus começaram a fazer inspeções de rotina nos equipamentos da linha de frente. Mas uma sombra de conflito ainda avança no leste, uma sombra que Kiev secretamente terceirizou para grupos nacionalistas que já tinha rejeitado publicamente. O Voloveka, um contingente do Sector Direito formado por 27 homens, tinha estabelecido uma base avançada a cerca de 10 quilômetros da autoproclamada República Popular Donetsk. Mas quando Fischer chegou, o grupo tinha se tornado uma força anárquica que não respondia à nenhuma autoridade oficial.

Fischer tem uma barba grossa preta que enrola com os dedos calosos. Duas espadas tatuadas em seu ombro direito convertem num capacete de batalha. MOLON LABE — uma antiga expressão grega para "Venha pegar", a resposta do Rei Leônidas quando os persas exigiram que os espartanos entregassem as armas em Termópilas — decora seu antebraço direito. Sua mãe, uma tunisiana, foi para a Áustria 30 anos atrás, onde conheceu seu pai, um engenheiro, numa vila de esqui nos arredores de Innsbruck. Fischer foi mandado para uma escola vocacional em Bregenz aos 14 anos. Em seu primeiro ano, ele falsificou as assinaturas dos pais para poder se alistar mais cedo nas Forças Armadas Austríacas. "Os austríacos vivem trancados em casa", me disse ele. "É a vida fechada do carteiro, do prefeito, do professor. As discussões acontecem entre quatro paredes. Os sentimentos acontecem entre quatro paredes. E uma coisa que eu sempre soube, desde muito cedo, é que eu não poderia viver trancado em casa." O exército austríaco não proporcionou a Fischer uma vida muito interessante. Por seis meses, ele dirigiu uma van por Pristina, Kosovo, onde seus camaradas entregavam mantimentos e ensinavam os locais a usarem armas. Fischer então decidiu tirar uma licença indefinida; seis meses depois, ele estava no Mar Vermelho, onde encontrou trabalho cuidando da segurança num navio de contêineres. Em sua primeira parada em Mogadixo, autoridades portuárias dissolveram sua equipe porque eles não tinham licença. Com um pequeno pagamento de dispensa, ele comprou uma passagem para Marselha, onde a Legião Estrangeira francesa não o aceitou. Nos meses seguintes, ele trabalhou como segurança em Viena.

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Em setembro de 2014, Fischer pegou um trem de Viena para Kiev, onde o exército ucraniano estava liderando grandes ofensivas para recuperar Donbas. Na Praça Maidan, ele encontrou um recrutador do Azov, um batalhão supremacista branco e uma das poucas milícias voluntárias a aceitar estrangeiros na época. Assim que ele entrou, porém, um comandante do Azov achou que ele parecia muito árabe e o expulsou. Fischer se transferiu para o Batalhão Donbas — "um bando de alcoólatras e gente com transtorno de estresse pós-traumático" — mas viu pouca luta quando foi mandado de ônibus para Donetsk; o primeiro Protocolo de Minsk, que mediou um cessar-fogo, foi assinado apenas dois dias depois de sua chegada.

Pensando em seu próximo passo, Fischer usou o Facebook para contatar um americano que tinha se juntado às Unidades de Proteção Popular Curdas, em Suleimânia, no Iraque. Uma gangue de motoqueiros holandeses-curdos levaram os dois para as linhas de frente perto de Kirkuk, onde viram alguma ação contra o ISIS. "Gosto dos curdos e respeito a luta deles, mas esse pessoal tem um problema: eles acham que todo mundo vai traí-los", disse Fisher. Os curdos fizeram de tudo para separar os grupos de combatentes estrangeiros, fazendo muçulmanos não-praticantes rezarem com eles e tirando os celulares dos voluntários estrangeiros. O comandante de Fischer sofreu "lavagem cerebral". Uma entrevista que ele deu a um canal de notícias local acabou chegando à TV austríaca, e seus pais mandaram e-mails desesperados, que ele ignorou. Uma noite, um helicóptero Black Hawk aterrissou num acampamento perto de Mossul. Um soldado emergiu dele e disse aos curdos para dispensar os estrangeiros de suas fileiras ou se arriscavam a perder a cooperação com os EUA. Comparados com os curtos, os estrangeiros eram muito mais ativos nas redes sociais. Eles podiam acabar vazando segredos operacionais e aumentando a tensão com a Turquia.

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De volta a Áustria, Fischer descobriu que tinha sido colocado na lista de terroristas por ter lutado com as guerrilhas curdas associadas ao PKK. O governo mandou ele permanecer no país, mas ele foi para a Tunísia, onde a família da mãe ainda morava. "Não há guerra na Tunísia", ele disse. "Ninguém mexe com você. Você pode relaxar." Em Sousse, ele recebeu uma mensagem pelo Facebook de Alex Kirschbaum, um camarada do exército austríaco que ele não via desde Kosovo. "Alex me disse que tinha acabado de desertar do exército", contou Fischer. "Ele não aguentava mais a Áustria. Ele estava indo para a Ucrânia." No dia seguinte, Fischer começou o caminho de volta para a Ucrânia. "Você começa nessa vida por um tipo de orgulho, se recusando a ser como os outros", ele me disse. "Mas continua nessa porque chega uma hora em que você não consegue mais voltar atrás e aceitar que a única existência possível é a de civil."

Kirschbaum recebeu Fischer quando ele chegou ao quartel. "Claro, éramos amigos na Áustria, sempre saíamos para beber, mas ver ele chegando aqui, no meio da porra de Donetsk – uau", disse Kirschbaum. Kirschbaum tem uma construção magra e uma barba preta rala. Seus olhos castanhos brilham quando ele fala sobre armamentos. Para Kirschbaum e Fischer, a Ucrânia se tornou um escape de nacionalismo que eles consideram em falta no resto da Europa. "Na Áustria, nossas unidades antifascistas são maiores que as contraterroristas", me disse Kirschbaum. Para ele, a Áustria é uma nação "castrada". O único nacionalismo que o país produz são holligans de futebol e fanáticos do Eurovision. Mas o pessoal do Sector Direito não assiste futebol nem o Eurovision. Numa formulação conveniente de verdadeiros patriotas e extremistas nacionalistas, eles dizem desprezar o governo mas amar seu país. Nem Fischer nem Kirschbaum comentaram a estranheza de transferir sua paixão nacionalista de um país para outro.

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Segundo o Sector Direito, a revolução Maidan ainda não acabou. O grupo é proibido legalmente de usar armas, mas o Voloveka e unidades do tipo não vão abaixar as suas até que a Ucrânia seja um estado soberano. Com isso, os membros do grupo querem uma Ucrânia completamente livre da Rússia — um "império putinista" — e da União Europeia, uma "ditadura homoliberal". "O mundo tem que saber que a Ucrânia não está à sua disposição", me disse Prut, comandante do Sector Direito em Mukachevo. (Os combatentes ucranianos do Voloveka são conhecidos apenas por seus nomes de guerra.) Como exemplo de sua Ucrânia modelo, alguns membros do Sector Direito apontam para os séculos de acidentado domínio cossaco. Outros citam a República Popular Ucraniana criada por Stepan Bandera, o herói da resistência ucraniana contra os soviéticos. A breve colaboração de Bandera com os nazistas leva alguns membros do Sector Direito a fundirem seu nacionalismo com um conhecimento raso do nazismo. Vários que conheci fizeram a saudação nazista e elogiaram Hitler. Alguns admitiram que faziam isso só porque sabem que Putin odeia, e vão fazer qualquer coisa para irritá-lo.

O Sector Direito diz lutar pela vasta e ignorante população ucraniana que vai abraçar a liberação quando ela vier, mas que não tem coragem de persegui-la. A organização aglutinou um punhado de partidos políticos de extrema-direita e as unidades de defesa da Maidan em 2014. O grupo diz não ser racista ou xenofóbico porque entende o nacionalismo ucraniano em "termos cívicos, não étnicos". As instituições governamentais devem ser fortes. As fronteiras nacionais devem ser asseguradas. Quem pensa assim, mesmo não sendo ucraniano, é encorajado a se juntar ao grupo. Dmitry Yarosh, o fundador do Sector Direito, é um ex-professor de língua estrangeira da região central da Ucrânia. Cerca de metade dos membros se identifica como falante de russo.

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O Sector Direito é um grupo desorganizado. Seus mais de 10 mil membros não são afiliados a partidos, não participam de reuniões e nem recrutam de maneira sistemática. Os membros politizados do Sector Direito se esforçam para controlar um ramo militar de talvez três mil combatentes. Muitos passaram semanas treinando em acampamentos do Sector Direito, onde aprenderam os rudimentos da guerrilha de rua, e foram enviados para protestos contra o governo de Kiev, feriados nacionais russos e os gays. Os combatentes do Sector Direito caem em 26 divisões. Cada uma é designada para um oblast (província) ucraniana; dois batalhões adicionais montam guarda nas linhas de frente. Nenhuma recebe ordens de um comando centralizado. Eles raramente trocam armamentos ou contato com o governo.

"Nós do Sector Direito somos partes dos 20% restantes da população, que acredita em resolver os problemas com as próprias mãos na Ucrânia. Só podemos consertar o país quando nos consertarmos individualmente."

Dois anos de brigas internas e repressão do governo fragmentaram o Sector Direito em dezenas de unidades menores, a maioria operando sem muita consciência das outras. O Grupo Tático Voloveka — batizado em homenagem a um membro morto por uma mina terrestre em Donetsk — é um desses. Em guerra contra a Ucrânia ocidental, Kiev e metade do Sector Direito que se submeteu à supervisão do governo em novembro passado, seus combatentes moram num prédio de cimento que alojava mineiros de carvão antes da guerra. Os homens do Voloveka chegaram um dia no outono passado e despejaram os mineiros sub a mira de armas. Eles cavaram um fosso ao redor do edifício e um poço para prisioneiros. Eles ergueram cercas de arame farpado. Colocaram minas e obstáculos antitanque na horta local. No telhado, eles colocaram bandeiras pretas e vermelhas, o símbolo da resistência ucraniana sob a ocupação alemã, e bandeiras da Ucrânia de cabeça para baixo, o símbolo da breve República Independente da Ucrânia de 1918. Em certo momento, eles confiscaram um ônibus amarelo da escola fundamental local para fazer viagens semanais à linha de frente, onde os membros passam vários dias disparando lança-foguetes contra o aeroporto de Donetsk, tomado pelos separatistas. Uma pequena estrada de terra leva ao quartel guardado por duas torres de segurança de madeira. Há sempre um combatente de guarda nelas a qualquer hora do dia. Os moradores de Novogrodovka, o vilarejo mais próximo, se comunicam irregularmente com os batalhões em Donbas. Um ataque pode ser esperado a qualquer momento.

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O comandante do Voloveka era Simeon, o primeiro civil a roubar um fuzil de um policial na Maidan e disparar contra a polícia. Ele era um nome familiar na Ucrânia e uma lenda dentro do Sector Direito. Depois de Maidan, ele sobreviveu ao desastroso cerco do exército ucraniano a Ilovaisk. Ele estava entre os thekyborgs, os soldados e voluntários ucranianos em menor número que defenderam o aeroporto de Donetsk do sítio dos rebeldes, antes do Minsk II ser assinado. Simeon era um artista e tinha uma arma chamada TOW, um míssil ligado a um arame de 3,3 quilômetros que ele levou até o território inimigo. No final de 2015, o estado ucraniano o declarou um terrorista. Seu rosto foi parar em cartazes de alerta em Kiev. O Sector Direito tinha convertido a casa dele em Ivano-Frankivsh num arsenal. Eles instalaram minas sob a entrada da casa e instruíram seu filho adolescente a ativar o dispositivo se a polícia aparecesse.

A presença de Simeon no quartel era descomunal. Ele começava a beber logo depois que emergia de seu quarto de cimento, decorado com algumas fotos da família e vários capacetes do exército russo. "Brothers", ele gritava imitando sotaque americano. Ele não tinha roupas de civil; seu uniforme ficou tão sujo de lama seca e graxa de motor que endureceu até a consistência de papelão. Para Simeon, a guerra em Donetsk era mais sobre provar alguma coisa aos ucranianos de Kiev do que combater os russos. "Sessenta por cento dos ucranianos querem se juntar a Europa", ele me disse uma noite enquanto estava de guarda. Barulhos de artilharia vinham ocasionalmente do leste. "A principal preocupação deles é se o WiFi funciona. Os outros 20%, bom, esses são o lixo pró-Rússia. Para eles, a União Soviética foi algo bom. Esses tipos não são um problema tão grande quanto você imaginaria. Eles podem ser mortos. Nós do Sector Direito somos partes dos 20% restantes da população, que acredita em resolver os problemas com as próprias mãos na Ucrânia. Só podemos consertar o país quando nos consertarmos individualmente."

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Apesar de Simeon criticar a falta de comprometimento de seus compatriotas à causa da nação, a maioria dos ucranianos do Voloveka não têm um entendimento muito bom da política do Sector Direito. Muitos foram declarados terroristas pelo estado e ficaram no quartel Voloveka principalmente para não encarar um julgamento em Kiev. Colibian, o comandante assistente, era o único ucraniano realmente fazendo um sacrifício para estar em Novogrodovka; em Kiev, ele tinha uma concessionária de carros.

Assim, muitos dos mercenários estrangeiros lutando no Voloveka não são diferentes de seus companheiros ucranianos. Enquanto Ben Fischer combatia o ISIS, Craig Lang estava sendo demitido da petroleira onde trabalhava em Dakota do Norte. "O boom lá está secando", ele me disse em seu quarto no quartel, onde ele pendurou uma bandeira americana sobre a cama. Lang é magro, com um rosto anguloso escondido atrás de uma barba ocre desgrenhada. Uma tatuagem de Molon Labe também decora seu antebraço direito. Ele tem uma boca longa e fina, olhos profundos e um sotaque sulista forte. Donetsk é Dawntesk. Quando serviu no Afeganistão, uma bomba na estrada atingiu o Humvee onde Lang estava, o deixando surdo do ouvido direito e cortando vários nervos que ligavam sua íris ao cérebro: agora ele não consegue olhar os outros exatamente nos olhos.

Quando ele tinha 12 anos, o pai de Lang tentou matar sua madrasta num acesso de fúria bêbada. Lang Pai foi para a cadeia, o Júnior teve que morar com a madrasta. Nesse ponto, ele decidiu que se alistar seria a melhor saída; com 17, ele terminou a escola para poder fazer exatamente isso. Aos 22, ele já tinha servido dois turnos no Iraque e um no Afeganistão. Lang falava alegremente da vida militar. Em Novogrodovka, ele saía do quartel imitando a postura de ataque da OTAN — recarregado enquanto corria, olhando para os prédios em volta — e lia obsessivamente manuais do Exército Americano em seu celular por diversão.

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Dois anos atrás, Lang virou manchete depois de desertar do Fort Bliss em El Paso quando sua mulher, grávida, mandou vídeos dela dormindo com outro homem. Lang colocou seu colete à prova de balas, óculos de visão noturna e dois fuzis em seu carro, e dirigiu sem parar até a Carolina do Norte, onde instalou um perímetro de minas em volta do prédio dela numa tentativa de se vingar. Ele pegou apenas alguns meses de cadeia porque, segundo ele, o exército sabia que ele tinha problemas mentais e não queria ter que lidar com isso. "Eu disse várias vezes ao meu comandante que ia matá-la", ele disse. "Os filhos da puta acharam que eu estava blefando." Lang recebeu dispensa desonrosa, perdendo todos os benefícios de veterano, seguro de saúde e porte de armas. A dívida da pensão dos filhos foi acumulando — atualmente ele deve $92 mil [cerca de R$ 300 mil] — e um trabalho consistente nunca apareceu. Ele tem algumas passagens pela cadeia. Sua ex-esposa ficou com sua caminhonete e sua casa, e pediu uma medida cautelar contra ele. Lang não via os filhos há quase três anos.

"Todos os impulsos humanos eram exagerados em Voloveka. Quando alguém não achava suas chaves, a porta era explodida com TNT. Nozes eram quebradas com granadas."

Lang se sentia traído pelo exército. "Se você tem a ficha suja, não consegue um trabalho bem pago, não consegue pagar a pensão dos filhos e eles te mandam para a cadeia. Repeat." Mas ele ainda adora o combate. O Blackwater o rejeitou por seus problemas de visão, ele disse. (Ele não mencionou se sua ficha criminal afetou sua inscrição.) Em fevereiro, depois de ler sobre a Batalha de Ilovaisk, quando os separatistas russos emboscaram os soldados ucranianos que estavam recuando, Lang teve a ideia de vir para a Ucrânia. Ele ouviu falar que veteranos da OTAN eram altamente valorizados nas linhas de frente, onde os soldados ucranianos não tinham treinamento básico. Ele me disse que escolheu a Ucrânia em vez da Síria por duas razões. Primeiro, ver a Maidan nas notícias convenceu Lang de que os ucranianos estavam falando sério sobre sua guerra pela libertação. "Essas pessoas querem mudança, porra." Depois de servir no Iraque, ele acredita que os iraquianos não ligam muito para sua soberania. "Os iraquianos não estão nem aí", ele disse. Segundo, ele acha que Putin é comunista. Lang, que se descreve como um constitucionalista, odeia o comunismo.

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Três semanas antes da minha visita a Novogrodovka, conheci dois americanos em Kiev. Quinn Rickert de Illinois e Sani Pirtle da Califórnia tinham 20 e poucos anos e estavam hospedados no Delil Hostel, onde ouvi os dois conversando sobre seus planos de se juntar ao Sector Direito. Eles não sabiam nada sobre o grupo a não ser que ele tinha uma má reputação. Mas esse era o único batalhão na Ucrânia ainda aceitando estrangeiros, e Lang, que Rickert conhecia do Facebook, disse a eles que trens deveriam pegar para chegar a Novogrodovka. Rickert conheceu Pirtle semanas antes em Paris, onde a Legião Estrangeira rejeitou os dois. "A Legião não aceita criminosos, mas achei que eles respeitariam minha sinceridade", me disse Rickert. Quando tinha 18 anos, Rickert se alistou no Exército Americano, mas nunca teve chance de lutar e fez principalmente trabalhos de escritório em bases da Georgia e Virginia. Durante uma licença, Rickert e amigos foram pegos roubando peças de carro de uma revendedora num subúrbio de Chicago. Ele ficou um ano preso e escapou da condicional para vir para a Ucrânia. "Se um dia voltar para os EUA, vou pegar sete anos de cadeia", ele disse.

"Esse é o problema com o sistema prisional privatizado", acrescentou Pirtle. Ele é meio filipino, meio negro, usa óculos e uma barbicha preta. "Eles tentam manter as pessoas presas para ganhar dinheiro." Pirtle estava na Ucrânia porque desprezava a cultura americana, que ele considera frívola e escravizada pelas celebridades. De Paris, Pirtle e Rickert consideraram viajar para a Síria, mas não tinham dinheiro para a passagem de avião. O trem de Paris a Kiev custou o resto das economias deles.

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Os ucranianos falavam efusivamente sobre as leis de porte americanas para a dupla — "Todo mundo no seu país tem uma arma de fogo. Incrível!" — mas aqui a fantasia tinha que encarar a realidade. A conversa passou pelos jeitos favoritos de matar separatistas. Um texano chamado Russel Bentley era conhecido por estar lutando ao lado de um dos batalhões de Donetsk.

"Ele não é do Texas", disse Lang. "Ele é um maldito comunista de Austin."

"Matá-lo te traria problemas com a lei americana?", perguntou Rickert.

"Não", ele respondeu.

O almoço em Voloveka geralmente consistia de pedaços grandes de banha de porco crua. Batatas eram servidas no jantar; sacos de cadáveres cheios delas formavam um monte embaixo de uma escada. Todas as provisões — casacos, gaze, garrafões de água — vinham de voluntários de Kiev ou eram "requisitadas" dos locais. Carvão roubado e lenha eram misturados com lixo numa fornalha que expelia nuvens venenosas pretas. A fumaça se acumulava na pele como verrugas. O Voloveka pagava seus cigarros e a internet cozinhando essa mistura de carvão e lixo em tijolos, depois os vendendo para o resto da Ucrânia.

Todos os impulsos humanos eram exagerados em Voloveka. Quando alguém não achava suas chaves, a porta era explodida com TNT. Nozes eram quebradas com granadas. Gatos vira-latas se perseguiam pelos corredores do quartel, a maioria atulhados com bombas de 27 quilos normalmente usadas para destruir pontes. Os membros do batalhão gostavam de despejar os gatos os jogando do segundo andar do prédio, como se estivessem numa competição de arremesso de peso. Eles caíam no chão soltando gemidos terríveis. Algumas semanas antes da minha chegada, um ucraniano chamado Geronimo tinha decapitado um gato que mijou na sua cama. Temendo um surto de TEPT, Simeon tentou, sem sucesso, confiscar as armas de todo mundo. O Voloveka também tinha um cachorro, Fly, cujo dono original tinha morrido numa explosão de mina. Fly tinha espasmos bizarros sempre que alguém levantava uma arma.

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Os membros do Voloveka viviam se gabando de que tinham explosivos suficientes para apagar um pequeno oblast ucraniano do mapa. O batalhão tinha contrabandeado tudo — os veículos blindados, os capacetes e kits médicos, centenas de caixas de munição — incansavelmente do resto da Ucrânia. Os homens usaram doações da diáspora ucraniana no Canadá para "suprimentos médicos" para comprar Kalashnikovs de traficantes de armas chechenos em Viena, que foram contrabandeados pelos Cárpatos por membros do Voloveka que vão para a Ucrânia ocidental regularmente nas picapes do batalhão. Eles também ficavam com as armas de separatistas mortos. Uma tarde, Fischer me levou para o arsenal da companhia — seis recantos sem janela no segundo andar. O ar fedia a urina de gato. Mísseis antiaéreos e lançadores de foguete estavam perigosamente empilhados por todo lado como tábuas de compensado. Fischer pegou dois morteiros enferrujados de uma caixa de papelão mofada. "Um museu da guerra em Lviv nos deu esses aqui", ele disse, os girando na palma da mão. "Armas do Exército Vermelho da Segunda Guerra Mundial. Muita gente que faz encenações das batalhas ucranianas admiram o trabalho que fazemos aqui. Eles mandam essas antiguidades o tempo todo", ele disse, jogando os morteiros de volta na caixa. "O único problema é que eles podem detonar se você passar muito rápido por um buraco com o ônibus."

O SBU, o Serviço de Segurança Ucraniano, poderia aparecer a qualquer momento e prender todo mundo do Voloveka, já que a presença deles na linha de frente é ilegal. Mas o Sector Direito me garantiu que isso nunca vai acontecer. Quando precisam de ajuda para perseguir caminhões suspeitos de estarem contrabandeando suprimentos para Donetsk, o SBU pede reforço ao quartel. A maioria do oblast é pró-Rússia, então para ajudar a dar impressão de uma ocupação, as autoridades locais encorajam o Sector Direito a dirigir seus veículos blindados pelos vilarejos próximos e andar pelas ruas armados. (Apesar dos moradores de Novogrodovka desprezarem o Sector Direito, eles não tinham vergonha de aparecer no quartel à noite implorando por comida, que os combatentes sempre davam. Os bêbados geralmente caiam no fosso.)

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O exército ucraniano também é tecnicamente obrigado a prender membros do Sector Direito nas linhas de frente, mas nunca fez isso. Durante a noite, oficiais simpatizantes da causa do Sector Direito carregam o ônibus escolar do Voloveka com foguetes e outras balas de calibre pesado proibidas pelos monitores europeus. O Sector Direito foi o jeito como o exército ucraniano contornou o Minsk II e continuou atacando os separatistas, que se recusam a receber as organizações internacionais em suas trincheiras: o Sector Direito, a Ucrânia disse aos inspetores, estava fora de controle. A polícia local também não prende os membros do Voloveka, para quem eles repassaram seu terrorismo. Claro, quando questionados sobre sua ligação com o Sector Direito, o SBU, o exército e a polícia negaram vigorosamente. Mas o que vi nas linhas de frente não foi muito diferente de cooperação ativa. Os combatentes do Voloveka, da parte deles, também desprezavam qualquer cooperação com Kiev. A luta só pode se voltar para a Ucrânia quando a ameaça mais imediata em Donbas for destruída.

Várias semanas depois que visitei o Voloveka, um homem foi pego vagando pelas ruas de Novogrodovka à noite, bêbado. A polícia confiscou seu celular e encontrou fotos dele posando com os tanques de Donetsk no VK, uma rede social popular entre falantes de russo. Eles o levaram para o Sector Direito, que trancou o cara num cubículo de chuveiro onde ele só podia ficar em pé. As luzes do cômodo não foram apagadas por uma semana. Eles o espancaram com uma meia cheia de pedras afiadas. Arrancaram as roupas deles e o fizeram limpar o quartel de joelhos. Um interrogatório envolvendo ameaças repetidas de deportação para Guantánamo revelou apenas que o homem vinha de um vilarejo local, ele não sabia nada sobre a movimentação das tropas rebeldes. Depois de uma semana, a polícia buscou o homem e o levou para Kiev — provavelmente para ser preso, apesar de ninguém saber me responder o que realmente aconteceu com ele. "Me dá pena bater nessa gente", disse Kirschbaum. "Mas eu teria mais simpatia por eles se tivéssemos um tratamento similar em Donetsk. Lá eles cortam o nariz e as orelhas dos membros do Sector Direito que capturam."

Um barulho alto chacoalhou a entrada do quartel uma noite, seguido por gritos. "Separatistas!", alguém gritou. Fischer apagou seu cigarro, depois pegou um lança-foguetes que estava pendurado na parede e o colocou no ombro direito num movimento ininterrupto. Lang saiu correndo de seu quarto com uma granada em cada mão. No corredor, uma dúzia de ucranianos alarmados formou uma fila pesadamente armada. Um deles estava olhando por uma espia de franco-atirador.

Na porta, quando a fumaça de uma granada lentamente se dissipou, vimos Simeon deitado numa grande poça de sangue. Mangueiras roxas e pretas — os intestinos dele — estavam coladas nas paredes. Uma palma sem dedos foi jogada contra uma pilha próxima de pneus. Saindo do quartel para ir a Novobrodovka, onde ele planejava jogar algumas granadas na praça da cidade para comemorar seus dois anos na guerra, Simeon escorregou num degrau e acidentalmente se detonou. Virando a cabeça para nós, ele soltou seus últimos suspiros e morreu.

Na noite seguinte, fizemos um funeral para Simeon. Sua mãe, filho e esposa chegaram num carro de Ivano-Frankivsk. Dois membros do Sector Direito os escoltaram por uma porta lateral, longe da entrada onde Simeon se desmaterializou. "Duas minas terrestres explodiram Simeon quando ele avançava para o aeroporto de Donetsk", disse Colibian, declarado o novo comandante do Voloveka naquela manhã, à família de Simeon. Eles choraram. "Depois disso, eles ainda precisaram disparar com metralhadoras para derrubá-lo. Conseguímos pegá-lo e trazê-lo de volta para nossas trincheiras. Ele ainda estava respirando. Ele se recusava a morrer." Colibinam colocou sua mão direita no ombro da mãe de Simeon. A maioria dos membros do Sector Direito estavam bêbados. O resto do suprimento de vodca de Simeon foi terminado naquela tarde.

Em seguida, o Padre Pavel chegou de Krasnoarmiisk, uma capela local. Ele era um homem grande com óculos de arame e cachos pretos ensebados por baixo de um chapéu astrakhan. Pavel se movimentou rapidamente pelo quartel, balançando um incensário dourado cravejado de pedras âmbar, cantando uma oração. O cheiro das tripas de Simeon gradualmente foi disfarçado pelo incenso. "Meu Deus, meu Deus."

Simeon foi o último a chegar. Seis membros do Sector Direito tiraram seu corpo de um caminhão frigorífico que serviu de necrotério para ele naquela noite. Ele foi colocado por cima de um tecido branco dentro de um caixão roxo. Uma imitação de mão, feita com uma luva cheia de terra, foi colocada cuidadosamente no cotoco de seu braço. Na bochecha esquerda de Simeon ainda era possível ver alguns estilhaços. O legista achou que ia danificar ainda mais o rosto dele se tentasse extrai-los.

Os membros do Sector Direito carregaram Simeon para a cantina no segundo andar e o colocaram sobre a mesa de jantar. Eles tinham tirado todos os potes de banha de porco antes. Todo mundo cercou o caixão. "Simeon, você é realmente um cão de guerra", disse Pavel. "Um filho leal do Dnieper." "Slava Ukraina!", chorava a mãe de Simeon. "Geroyam slava!" Responderam os companheiros de Simeon. "Glória a Ucrânia! Glória aos heróis!" Depois de devolverem o caixão de Simeon ao caminhão frigorífico, os agora 26 homens do Voloveka formaram uma fileira e dispararam suas AKs para cima com balas de rastreamento, que cortavam o ar com linhas vermelhas antes de cair lá longe em Novogrodovka.

Tradução: Marina Schnoor

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