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Guardas envolvidos em morte de criança de 11 anos descumpriram decreto municipal

O acusado de realizar o disparo fatal foi preso, mas, após pagar fiança de R$ 5 mil, foi liberado para responder ao processo em liberdade.
Foto: Felipe Larozza/ VICE

Os três Guardas Civis Metropolitanas (GCM) ocupantes de uma viatura usada na perseguição que culminou na morte de um menino de 11 anos, no último dia 25, teriam descumprido um decreto municipal de 5 de fevereiro deste ano. Segundo o 1ª parágrafo do artigo III do referido documento, somente GCMs a partir da patente "classe distinta" podem ser encarregados de viaturas da corporação.

O presidente do Sindicato dos Guardas Civis Metropolitanos (Sindguardas) Clóvis Roberto Pereira afirmou que a viatura envolvida na perseguição era ocupada por um GCM "classe especial" e dois de "terceira classe" – a mais baixa hierarquicamente da corporação. "Por que dentro do veículo havia três guardas que não são encarregados de viatura? É necessário que haja ao menos um GCM (patente) classe distinta para cima para a viatura rodar." Ainda ponderou que a morte da criança pode ter resultado de uma "conjunção de inexperiências".

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Questionado sobre a letalidade da corporação em São Paulo, Pereira afirmou que "sem precisão", mas com "bastante tranquilidade não é alta. Em 30 anos de corporação, devem ter ocorrido no máximo 50 mortes".

A VICE questionou a Prefeitura de São Paulo sobre o número de pessoas mortas pela GCM entre 2012 e os cinco primeiros meses deste ano na Capital. Porém, o governo encaminhou e-mail sem responder à pergunta.

Morte de menino

Na noite do último dia 25, Waldic Gabriel Silva Chagas, 11 anos, foi morto por um GCM na Zona Leste de São Paulo.

Três guardas faziam ronda pela Cidade Tiradentes, momento em que foram abordados por motoqueiros, os quais afirmaram que teriam sido vítimas de um assalto. Os suspeitos estariam em um Chevette prata.

A GCM encontrou o referido carro e uma perseguição foi iniciada. A polícia afirmou que os ocupantes do Chevette teriam atirado contra os guardas, que revidaram. Um dos disparos atingiu a criança, que ocupava o banco traseiro do carro.

Na Rua Regresso Feliz, os dois suspeitos pararam o veículo, por volta das 22h30, e fugiram correndo. O menino de 11 anos foi abandonado, ferido com um tiro na nuca, dentro do automóvel. Ele chegou a ser encaminhado ao Hospital Tiradentes, onde chegou morto.

A Prefeitura encaminhou nota afirmando colaborar com as investigações da Polícia Civil. Acrescentou que um processo administrativo interno foi instaurado para apurar a atuação dos guardas. "Não se justificava a perseguição e muito menos os disparos", disse o prefeito Fernando Haddad.

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Os guardas envolvidos na ocorrência foram afastados. O acusado de realizar o disparo fatal foi preso, mas, após pagar fiança de R$ 5 mil, foi liberado para responder ao processo em liberdade. O caso é investigado pelo Departamento de Homicídios de Proteção à Pessoa (DHPP), da Polícia Civil.

GCM ganhou 'poder de polícia' em 2014

Em 8 de agosto de 2014, a presidente Dilma Rousseff sancionou a Lei 13.022, a qual prevê "poder de polícia" às GCMs. A decisão regulamentou o parágrafo 8º do artigo 144 da Constituição Federal. A Lei se originou do Projeto de Lei Complementar 39/2014, de autoria do deputado federal Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP).

GCM de Caieiras, grande São Paulo realiza apreensão de caça níqueis. Foto: Felipe Larozza/VICE

Por causa da nova lei, os guardas deixaram de somente proteger patrimônios públicos. Ganharam o direito de proteger vidas, usando armas de fogo. Outras atribuições previstas pela lei são: ajudar órgãos de trânsito, tanto do estado como do município, e também expedir multas.

Com relação ao uso de armas de fogo, os GCMs podem ter o direito suspenso em casos de restrição médica, decisão judicial ou ainda por determinação da própria corporação.

Treinamento dos guardas

O presidente do Sindguardas afirmou que, após a mudança das atribuições da GCM em 2014, o treinamento dos membros da corporação "não mudou muito". "Todos fazem um curso com aulas de procedimentos operacionais, com todos os tipos de abordagem possíveis", disse sem especificar quais tipos de procedimentos são praticados pelos guardas em formação.

Base da GCM em Guarulhos. Foto: Felipe Larozza/ VICE

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Sobre a morte do garoto de 11 anos, preferiu não comentar. "Não posso falar de uma coisa que não presenciei. Sei pelo que li em jornais e ouviu de colegas. Sou representante dos trabalhadores, falar sobre o procedimento é (de responsabilidade) da Secretaria (Municipal de Segurança Urbana). Ela que precisa falar (sobre) os procedimentos que a corporação adota para isso. Não será de mim que vai ouvir sobre o assunto."

"Não sou favorável em atirar para carro parar", afirma especialista

O especialista em segurança pública e privada Jorge Lordello afirmou que são necessárias "algumas cautelas" durante uma perseguição. "O acompanhamento (do carro suspeito) normalmente deve ser feito a certa distância. Enquanto isso, outras viaturas devem ser acionadas para apoiar e fazer o cerco ao veículo suspeito. Não há necessidade de atirar. Não sou favorável em atirar para carro parar."

O ex-secretário de Segurança Pública de Guarulhos, João Dárcio Ribamar Sacchi, que ocupou o cargo por quase oito anos, afirmou que o procedimento adotado pelos guardas de São Paulo "não é o adequado". "Até sacar a arma, há uma série de ações a serem feitas. O disparo também não pode ser efetuado para tirar vidas, mas para imobilizar (suspeitos). É um caso isolado (do menino morto) e tenho certeza que será acompanhado pela corregedoria".

Inquérito na Grande São Paulo

O 2º DP de Guarulhos (Grande São Paulo) instaurou nesta segunda-feira (27) um inquérito para investigar uma ocorrência em que o Guarda Civil Metropolitana Edson Nascimento Santos, 36 anos, teria atirado quatro vezes contra o capô do carro do também GCM F.E.L., 46. O lance rolou na madrugada de sábado (25) dentro da base onde fica a o grupo musical da corporação, no bairro Torres Tibagy. Até a publicação desta reportagem, o autor dos tiros não havia sido localizado pela polícia.

Foto: Felipe Larozza/ VICE

Segundo relatado pela vítima, ela e o acusado se desentenderam durante uma confraternização, após a conclusão de um curso na Escola de Formação e Aperfeiçoamento da Guarda, na Vila Tijuco. No entanto, ao final do evento, Santos teria se aproximado da vítima, a abraçado, beijado no rosto e afirmado que "estava tudo bem" entre eles.

A vítima, que mora na Capital, rumou então para a base da banda da GCM, onde iria pegar pertences. Ficou hospedado no local por causa do curso que fez em Guarulhos. Afirmou ainda em depoimento que, após chegar à base e ir ao banheiro, ouviu quatro disparos. Quando chegou à entrada do local, viu o acusado, com uma arma dentro de uma sacola. O GCM que fazia a segurança do prédio apontou uma pistola calibre 380 para Santos, que saiu do local.

A VICE apurou que o acusado teria usado uma arma particular, pois estaria proibido de circular armado com a pistola da corporação fora do horário de serviço.