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Drogas

A corrupção policial é inevitável na guerra às drogas?

O mercado ilegal das drogas é cheio de incentivos escusos pra agentes da lei.
Cash seized by the Drug Enforcement Administration. Photo via DEA

Semana passada, a polícia da Pensilvânia parou um carro levando três homens e, aparentemente, maconha no valor de dois milhões de dólares. Dentre os 113 kg da erva e dos 11.000 dólares em dinheiro no veículo, os investigadores também encontraram um distintivo de cumprimento da lei e armas de serviço pertencentes ao subdelegado da Califórnia Christopher Heath, investigador de drogas do norte da Califórnia, que foi preso. Agora, os superiores de Heath precisam descobrir se os casos de tráfico que ele conduziu serão suspensos na justiça, considerando-se que um de seus investigadores foi desmascarado como um policial corrupto.

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Levando em consideração a quantidade de dinheiro em jogo no negócio das drogas, o fato de que a polícia pode ser influenciada a se juntar aos distribuidores os quais ela geralmente prende não é surpresa. Ainda assim, a corrupção policial na guerra das drogas é frequentemente descrita pela mídia como um fenômeno estrangeiro, restrita aos países com cartéis notoriamente poderosos, como México e Colômbia – apesar de termos décadas de exemplos bem conhecidos nos EUA de autoridades agindo mal.

De um lado, a corrupção dos responsáveis pelo cumprimento das antidrogas parece inevitável, porque as drogas ainda garantem recompensas generosas do mercado negro, mantendo as margens de lucro altíssimas em uma campanha fútil que falhou em reduzir seu consumo. Entretanto, outras pessoas nos setores do cumprimento das leis antidrogas e na criminologia creem que temos opções para garantir que os policiais permaneçam corretos e honestos no cumprimento das leis antidrogas. A VICE conversou com Sanja Kutnjak Ivkovic, professora da faculdade estadual de justiça criminal de Michigan e autora de diversos livros e estudos sobre a integridade policial. Ela oferece alguns pontos de vista nas ferramentas disponíveis para que as agências de cumprimento das leis antidrogas policiem-se a si mesmas.

VICE: Quão predominantes são os incidentes de corrupção no cumprimento das leis antidrogas, como no exemplo em questão?
Sanja Kutnjak Ivkovic: Uma resposta simples é que: não sabemos. Alguns anos atrás escrevi um artigo discutindo os motivos por que isso acontece. Resumindo, não temos um banco de dados de abrangência nacional capaz de medir o nível real da corrupção policial. Dispomos de algumas fontes de dados, porém, as respostas que eles oferecem são limitadas.

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Levando em consideração a natureza quase invisível da corrupção policial na guerra às drogas, você afirmaria que é possível que isso seja mais comum do que as pessoas imaginam?
A pesquisa criminológica nos ensina que, por diversos motivos, há mais crimes reais (medidos, por exemplo, por meio de taxas de vitimização) do que é registrado oficialmente (medido por meio de crimes conhecidos pela polícia, ou esclarecidos por meio de prisões). Quão grandes esses números obscuros são depende de uma série de fatores, incluindo a natureza do crime; por exemplo, casos de estupro e violência doméstica têm números muito mais obscuros do que assaltos e furtos. Usando um pouco de lógica, podemos esperar, racionalmente, que haja mais casos reais de corrupção policial do que já foi registrado nas estatísticas oficiais.

Entretanto, devemos ser cuidadosos com esse tipo de interpretação, porque as percepções públicas e o nível de crime real podem não estar necessariamente em acordo. Por exemplo, na sequência do incidente Rodney King, as pesquisas de opinião pública demonstraram que as pessoas acreditavam que incidentes como esses aconteciam o tempo todo pelo país. Por outro lado, a pesquisa criminológica – com base em pesquisas de amostras representativas da população norte-americana – documentou que, comparados ao número total de contatos com o público, os oficiais de polícia raramente usam a força e a força excessiva.

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Quais os tipos de ferramentas de vigilância e política existem para combater a corrupção dos agentes de cumprimento das leis antidrogas? Quão eficazes eles são em dissuadir a corrupção?
A resposta depende muito de uma agência policial específica. Em um país com um sistema policial amplamente descentralizado, composto de quase 18.500 agências policiais diferentes, os policiais de uma agência podem trabalhar sob um sistema de controle diferente dos agentes policiais de outra agência em uma mesma cidade ou do outro lado do país.

Mecanismos de controle podem ser internos, como treinamentos, sistemas de alerta, investigação reativa; externos, como promotores, a justiça e a mídia; e mistos, como a revisão pelos cidadãos. Discuti isso em detalhes em meu livro e no capítulo de um livro publicado recentemente.

Se utilizarmos a revisão pelos cidadãos como exemplo, o estudo de Walker [Samuel E. Walker, professor da Universidade de Nebraska] descobriu que a eficácia das revisões pelos cidadãos depende grandemente de um número de fatores, tais como o tipo da revista, os poderes dados aos agentes, a capacidade e educação das pessoas etc. Ele descobriu que auditores [a revisão Classe I] são mais eficazes na promoção de mudanças em longo prazo do que qualquer outro tipo de revisão.

Com a publicação recente de casos sobre o uso questionável de força por oficiais de polícia, revisão pelo cidadão da polícia tem sido exigido mais amplamente. Entretanto, com relação ao cumprimento da lei antidrogas, é difícil imaginar como a revisão pelos cidadãos pode deter a corrupção dos responsáveis pelo cumprimento da lei antidrogas, já que sua natureza é muito secreta se comparada ao uso público da força. Como você acredita que o revisão pelos cidadãos pode deter a corrupção na guerra às drogas?Quando as pessoas pensam na revisão pelos cidadãos (sigla em inglês, CR), elas costumam pensar em um grupo independente de cidadãos sentados como um conselho de cidadãos e investigando casos individuais de má conduta policial [a Classe I na classificação de Walker]. Entretanto, Walker argumenta que os tipos de CRs mais eficazes não são as Classes I, mas a Classe IV: os auditores. Os auditores trabalham como agências [permanentes, em tempo integral] juntamente com o diretor.

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Há exemplos eficazes de auditores, como o Auditor de Polícia Independente de San Jose e o Conselho Especial do Departamento de Delegados de Los Angeles. Do ponto de vista da corrupção, os auditores têm a capacidade de auditar operações policiais e expedir documentos, tais como relatórios do uso de força ou formulários de ataques evidentes e apreensões. Eles também se ocupam em revisões às políticas e podem identificar problemas, fazer recomendações e monitorar a implantação. Dessa forma, os monitores podem identificar dificuldade de gerenciamento, problemas com a supervisão e treinamento inadequado; e tudo isso pode estar relacionado à corrupção policial. Walker e Archbold [coautora Carol A. Archbold, professora da faculdade estadual de Dakota] dispõem de vários exemplos de como esses dois auditores mudaram os departamentos de polícia em seu livro.

Nesse caso mais recente, do subdelegado da Califórnia pego por traficar maconha à Pensilvânia, parece que, enquanto uma investigação reativa era necessária, esse oficial estava provavelmente envolvido em casos anteriores de corrupção que não foram detectados e os casos nos quais ele trabalhou podem estar comprometidos. Como controles internos preventivos podem ser implantados para impedir que corrupções desse tipo aconteçam?
Existem diversos controles internos que podem ser instaurados para prevenir a corrupção, desde o estabelecimento de regras oficiais e cumprindo-as, fornecendo treinamento de integridade a policiais, criando uma cultura policial da integridade (uma que não suporte a corrupção séria), ao fortalecimento da supervisão e empregando mecanismos de investigação proativos. Cada um desses é descrito em meu livro. A ferramenta mais recente no arsenal é o sistema de alerta, que vem sendo implantado em diversas agências policiais ao longo do país.

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Você poderia falar mais sobre os 'sistemas de alerta'? Como eles funcionam e como poderiam prevenir, de maneira específica, a corrupção no cumprimento das leis antidrogas?
Os sistemas de alerta (sigla em inglês, EWS), ou sistemas de intervenção são sistemas computacionais que permitem aos supervisores e administradores policiais identificar policiais problemáticos em potencial e lidar com esses problemas antes que eles se agravem. Espera-se que eles os "peguem" antes. Logo, esses sistemas EWS não fazem parte do sistema de disciplina oficial.

As informações inseridas no sistema podem incluir o uso de incidentes de força, reclamações, acidentes de tráfego e outros indicadores. Alguns sistemas usam poucos indicadores, enquanto outros dependem de um número muito maior. Assim que um indício é reportado, ocorre uma intervenção. Esta pode envolver aconselhamento, retreinamento ou outras medidas. Após a intervenção, o oficial é monitorado ao longo de determinado período de tempo (em geral de seis meses a dois anos).

O Departamento de Justiça recomendou o uso de EWS em seus "Princípios para a Promoção da Integridade Policial" em 2001. Eles foram introduzidos sob nomes diferentes, como Índice de Desempenho Pessoal no Departamento de Delegados de Los Angeles, Sistema de Avaliação de Pessoal no departamento de polícia de Phoenix e o Sistema de Gerenciamento de Risco em Cincinnati.

O incentivo principal à corrupção no cumprimento das leis antidrogas parece ser o financeiro, levando-se em consideração quão lucrativas são as drogas ilícitas. Legalizar e regulamentar as drogas como a maconha diminui consideravelmente qualquer iniciativa à corrupção, assim como desencorajaria muitos traficantes a continuar os negócios em razão da ausência de lucro?
Observe que não estou tomando uma posição contra ou a favor da legalização da maconha. Do ponto de vista econômico, eliminar as oportunidades de corrupção funciona muito bem como uma ferramenta de controle da corrupção. As comissões independentes que investigam alegações de corrupção policial nos 1970 relataram sobre as oportunidades para a corrupção policial criada pelo cumprimento de leis "problemáticas". Enquanto policiais em Nova York foram acusados de cumprir leis "problemáticas" (jogos de aposta, construções), as leis foram modificadas como consequência da Comissão Knapp, e essas oportunidades ilegais deixaram de existir. Entretanto, conforme o caso do Departamento de Polícia de Nova York ilustra, a não ser que novas oportunidades para a corrupção sejam monitoradas, e que as mudanças que afetam as oportunidades de corrupção sejam feitas em uma base contínua, os policiais com grandes níveis de propensão à corrupção encontrarão meio alternativos de obter ganhos ilícitos.

O que você acha que casos como o do subdelegado da Califórnia dizem sobre a guerra às drogas como um todo? Que lições você acha que os líderes políticos e as autoridades deveriam tirar desses casos?
Uma das lições mais importantes é que a integridade policial não é algo inerente. O trabalho de tratar a falha de conduta geral e a corrupção policial em particular deve ser contínuo, não esporádico.

Esta entrevista foi editada por motivos de clareza e extensão.

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Tradução: Amanda Guizzo Zampieri.