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Me Encontrando no Concurso de Mister Brasil

Meu homônimo era um Mister, enfim, de idênticos nome e sobrenome--um xará ao quadrado. Mister Minas Gerais, vencedor de um concurso em Pato de Minas e desde então o representante por direito do DDD 31 em eventos de cunho social, cultural, empresarial...

Fotos por Giovanna Rouvier

Modelava sim, e curtia muito. Eu me lembro bem de cada hormonudo.

Começou quando um amigo resolveu, por qualquer carência ou motivo, checar minha graça no Google Images. O resultado foi um monte de fotos deste que depois descobri ter sido eleito epítome do primor genético masculino de todo um Estado brasileiro. Meu homônimo era um Mister, enfim, de idênticos nome e sobrenome—um xará ao quadrado. Mister Minas Gerais, vencedor de um concurso em Pato de Minas e desde então o representante por direito do DDD 31 em eventos de cunho social, cultural, empresarial, filantrópico. E de louvor à beleza masculina, como o concurso Mister Brasil, tocado durante a primeira semana de maio no Hotel do Frade, em Angra dos Reis, previsão de sol e pensão completa (suco não incluso). Fui até lá dar uma força pra ele, que se da possível genética em comum não sintetizei beleza a merecer faixa, humanizei carinho. Acabou numa festa de sábado na casa do Bebeto, em Angra dos Reis. Que Bebeto? O jogador, de quem a filha embalada em 1994 cresceu (e tá gata). Mas entre os atos.

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Havia lá mais tônus entre um créu e um fio terra do que sonha qualquer fantasia. Mas transar, só o visual. O vencedor não só ganharia uma bolsa de estudos e um contrato publicitário como também a chancela de galantear ostentando um Brasil no Mister Mundo—e para isso acontecer, por contrato, eles eram obrigados a “manter a decência e o decoro dentro dos costumes morais e sociais aceitáveis”, o que significava que eles não podiam levar ninguém para o quarto. Fora que também mal tinha mulher por ali além da fotógrafa da VICE, e a maioria se dizia heterossexual—registrou ela. “Gay assumido a gente só tem um”, contou o organizador Henrique Fontes, ainda que, segundo esse um (na verdade fora do armário só pra quem perguntasse), pelo menos “uns onze” eram suspeitos. O tema do concurso era “Diga Não à Intolerância” e tal, mas, né, Mister Brasil não é Mister Diversidade.  Concorriam 39 galãs, mesmo o Brasil tendo só 27 estados fora o Distrito Federal. É que disputavam tipos como Mister Ilhas do Delta do Jacuí, Ilha dos Lobos, Ilha dos Marinheiros e Atol das Rocas—“biônicos”, que não tendo se classificado via etapas regionais, ali figuravam por indicação de alguma agência de modelos. Foi o que explicaram. Fontes: “Claro que ele não nasceu em Atol das Rocas. Só se ele fosse uma lagosta. Fazemos isso só pra divulgar mais o Brasil”. Então que o Ilha de Búzios era de Juiz de Fora, o Goiás de São Paulo e o Roraima… O Roraima: “Atualmente ponho como residência o México, que é onde eu já tenho dois anos de mercado. Mas sou paranaense. Nunca estive em Roraima, mas me sinto superfeliz por estar representando esse Estado, que tem uma história muito grande no Brasil”.  A toada segue semelhante à das copas de Miss, sendo os candidatos avaliados em diversas provas até serem ou não apurados para as finais. Provas como “Best Body”, “Esportiva” (eles nadaram no mar, remaram, jogaram vôlei e definiram no golfe, afinal era um resort), “Popularidade” (votação pela internet), “Best Model”, “Beleza com Propósito” (vulgo projeto social). E o show de talentos. Era a primeira vez que o concurso masculino sediava um enclave de virtuoses, e todos estavam ansiosos para ver o que iria acontecer. E o que aconteceu, em resumo, foi a seguinte “diversidade de artes”: duas imitações (de Sílvio Santos, qual outro?), duas capoeiras, uma sketch sonorizada (sobre um cara com diarreia-que-derrubou-o-celular-na-privada-e-depois-tentou-recuperar-só-que-ele-já-tinha-cagado-daí-a-privada-tava-cheia-de-bosta-então-ele-vomitou-mas-conseguiu-resgatar-o-telefone-mas-aí-veio-um-assaltante-e-tomou-o-celular-dele—todos riram), uma aula de vôlei (“Isso é uma manchete… Isso é um saque…”) e algumas apresentações musicais—incluindo aí um Edson & Hudson tocado e sonorizado pelo 90% deficiente auditivo Mato Grosso do Sul (que comoveu graças à dificuldade e superação—e se materializou em quase nenhum voto), um pop rock incitando o proativismo composto, em inglês, pelo bonitão do Distrito Federal apelidado Jackie Chan, que fala seis idiomas, inclusive o tagalo e o “punk rock Millencolin” de Sergipe. Mas ganhou o Espírito Santo, que encantou a todos com sua flauta transversal poutpourrindo Brasileirinho e o escambau.

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Gordos não usam listras pra não passar a impressão de que são maiores do que a realidade. Ilusão de ótica, e a ciência explica. 

“Estou muito emocionado por ter ganhado, porque eu sempre quis ser artista, e sou músico antes de ser modelo”, desabafou o capixaba logo depois de o São Paulo culpar o som pelo fracasso da sua versão de Andrea Bocelli um pouco antes da festa de encerramento do dia, que fez relaxar as feições ao sabor de sucos e frutas junto do calor da comunhão de hormônios, danças e ode à barata da vizinha ao redor de uma fogueira acesa à beira mar. Tudo encerrado não muito tarde, que não só o luau excedia em homens, como faltava em bebida (além de prejudicar o físico, tinham as cláusulas, como a de nunca ter sido “fotografado ou filmado em qualquer situação que configure pornografia, excluída qualquer interpretação subjetiva do tema”). Isso era quinta-feira à noite.  Foi nessa noite que o Bruno veio puxar conversa. “Porra, você é Bruno também? Só tem Bruno nesse mundo!”, foi como ele me abordou pela primeira vez durante a festa na praia em seguida ao show de talentos. Mal sabia ele que Brunos Soraggis, só ali, tinham dois (e tem quem ache isso sensual sim). Daí soube que ele estudava Engenharia, que não tinha avisado aos professores que faltaria por uma semana por estar participando do concurso—apesar de os colegas de faculdade saberem e o chamarem carinhosamente de Miss Bixa—, que era famoso com gatinhas e gays pelo interior de Minas Gerais, que torcia pro Cruzeiro, que era de Sagitário, que estava naquela vida pela grana e assim poder pagar por um curso de inglês, que não tem passaporte italiano.  Na sexta de manhã, estavam todos bem dispostos, sem camisa e de sunga, suados, à beira da piscina. Puxou conversa o Rio de Janeiro (“Vice? Vocês são da revista do Vasco, é? [risos]”), o Itaparica (“Me sinto capaz para representar a cultura baiana.”), o Alagoas (“Tenho 2,2 m”—de altura), São Paulo (“Olá! Bom dia!”), o Espírito Santo (“Me adiciona no Facebook”). Entre as atividades obrigatórias, como ensaios para os desfiles (foram mais de um), competições e entrevistas (também por cláusula, todos os candidatos deveriam estar disponíveis para a imprensa, sempre muito gentis), o como ocupar o tempo ocioso ficava a cargo de cada um, podendo o gatão jogar vôlei ou futebol, malhar ou curtir a sauna, ou tomar sol. E a cena seria aquela até a hora do almoço. Nessa noite rolou o desfile “Beleza com Propósito”, vencido pelo São Paulo, e também mais festa, só que agora sem o forró e com discotecagem.  Foi então que sai do armário. Não (só) dominado pela carência bêbada potencializada em um ambiente com 39 saudosos, mas porque era imprescindível deixar claro que alguém estava ali por ele. Na quinta já tinha me comovido quando o Bruno me disse que ninguém da família tinha vindo torcer. Então liguei pro seu quarto falando que tinha uma surpresa e mandei um “Estou aqui só por sua causa” de sopetão assim que nos vimos na recepção. Levei até o passaporte para provar (o RG me roubaram). Deu pra ver na cara dele a decepção. Acho que ele esperava qualquer outra coisa (mesmo). “Espera aí, quer dizer que se não fosse pelo nome vocês não estariam aqui?” “Não!” “Vixi, sô, dá um gole dessa cerveja aí. Que história estranha”. Foi a primeira vez que vi um Mister beber. E foi assim, sem trilha sonora emocionante, que concurso de Mister não é Hollywood e sim uma espécie de Projac da Record. Pouco importava, o laço afetivo já estava ali afirmado para todo o sempre.  Aí amanheceu o sábado. A mesma coisa de ontem, só que na praia. Apesar de o desfile final do qual apenas uma de todas aquelas barrigas torneadas e bronzeadas se tornaria oficialmente a metonímia da beleza e carisma e espontaneidade e versatilidade, o clima era de curtição. A atração era a Bom Bom, que seria uma das 13 juradas da noite e apareceu mais cedo para umas filmagens. Estavam terminantemente proibidos de malhar a partir das 16h, hora de cabelo e maquiagem.  E então chegou o desfile. Clima de formatura, na vestimenta e música. Aconteceria em duas partes, a final. Os 20 finalistas desfilariam em duplas, das quais apenas um seguiria adiante. E, por seguir adiante, entenda correr para a sala de trocas e vestir o traje formal. No final das contas, quem venceu foi o Ilha de Búzios, vindo de Juiz de Fora. Em segundo ficou o Roraima e, em terceiro, o Distrito Federal. Se o resultado final agradou? “Pelo menos não foi o Roraima”, se ouviu mais de uma vez. Daí teve o troféu e tal, e começou a festa. Se é que pode se chamar de festa um bar que fecha às duas e, bom, já falamos sobre as mulheres. Restou tocar pra casa do “Bebeto”, eu e o Alagoas. Sem fotos. Sobre o Bruno que não eu. Ele ficou em um honroso sétimo lugar. Aliás, o fato de ter chegado tão longe não agradou muita gente. “Porra, o mineiro? Ele desfila todo estranho!”, ousaram clamar durante a picuinha dos derrotados. Mas vitória vai além disso. Bruno Soraggi ficou bem na foto—fez seu filme, como registrou a fotógrafa. E tá mais que joia, mesmo porque acho ser essa a posição de maior destaque que um Soraggi já alcançou ou almeja alcançar num concurso de beleza e simpatia e trejeitos e elegância masculina. O que não é pouca bosta, afinal de contas. E eu? Eu só escrevo.

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O encantador de rinocerontes (ou Espírito Santo afina a flauta para o Ilha Anchieta).

Um, dois, três, VAI!

Senhor Bruno Soraggi posa para foto de rede social.

Tão todos no Facebook da fotógrafa. Se curtiu algum é só chegar lá e cutucar. 

Espelho, espelho meu. Existe outro Bruno Soraggi que não eu?

Esse foi o mais próximo que o Bruno Soraggi (Mister) chegou da faixa. Já eu depois cheguei a vesti-la pra uma foto, mas logo me reprimiram aos berros dizendo que isso poderia anular o título do vencedor. Juro que não foi por sacanagem. Só um pouquinho.