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Memórias dos Punks de Berlim

Nos últimos dez anos, os punks de Berlim teimam em não sumir das ruas da cidade. A grande maioria dos squats que costumavam servir de redes sociais e econômicas para os seus habitantes durante os anos 80 têm sido sistematicamente fechados pelo governo.

Nos últimos dez anos, os punks de Berlim teimam em não sumir das ruas da cidade. A grande maioria dos squats que costumavam servir de redes sociais e econômicas para os seus habitantes durante os anos 80 têm sido sistematicamente fechados pelo governo, que lucra com a venda dos terrenos para vários projetos de recuperação urbana.

As que sobraram, tem se afastado das suas origens Oi!, e cada vez mais se unem a facções pseudo-políticas, tentando ir contra a sua inevitável extinção. Nos piores casos, estes squats se transformaram em lugares cool para adolescentes que odeiam o mundo e turistas com camisetas do Green Day. Os punks que restam são uma mescla de membros dispersos da velha guarda, que vivem sem qualquer tipo de perspectivas de abandonar aquela vida, e de uma geração mais nova cujos pais estiveram de alguma forma envolvidos no movimento original.

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Estes dois grupos são redes fechadas de amigos que demonstram total solidariedade no que toca a defender aquilo em que acreditam, que basicamente consiste em beber, estar com os amigos e ficar completamente fodidos. O fato da polícia ver esse pessoal todos os dias nas ruas há vinte anos faz com que raramente haja confrontos. As únicas tretas que rolam — quando rolam — acontecem com neo-Nazis aborrecidos ou gangues de imigrantes turcos ou russos.

Roupas próprias.

Pólo Ben Sherman, casaco Lonsdale, botas Dr. Martens.

NOKIA, 25

Vice: O que faz um skinhead no meio dos punks?
Nokia: Bom, antes eu era um punk Oi! mas, assim como aconteceu com muita gente nos últimos anos, virei um skinhead Oi!. Somos diferentes dos outros punks porque a maioria de nós tem empregos. Eu sou cozinheiro. Ainda assim, costumamos andar todos juntos. É um por todos e todos por um, tá ligado?

Você tem problemas com outros skinheads?
Às vezes os neo-nazis enchem nossos sacos. Uma vez, estávamos num show e as coisas começaram a pegar. Voamos para um ônibus para vazar dali, mas um neo-nazi estava sentado bem na nossa frente. Ele começou a ligar para os amigos pra dizer onde nós estávamos, por isso os meus amigos arrancaram o celular dele levaram o cara pra traseira do autocarro. Ele começou a dar socos, e fomos expulsos do autocarro. Lá fora, a polícia estava à nossa espera e começou a porradaria: os punks, os nazis e a polícia.

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Como antigamente?
Sim, esse tipo de coisas acontecia muito. Tomei porrada por todos os lados e spray de pimenta na cara. Na manhã seguinte, acordei numa cela. Hoje em dia são os estrangeiros que implicam com a gente.

Camisa Ben Sherman.

ADOLF SCHMIDTLER, 45

Vice: Conte como é ser punk na Alemanha Oriental.
Adolf: Me meti no punk quando tinha 20 anos. Na época, era muito difícil arranjar música decente. Estava sempre ouvindo os mesmo discos repetidamente, e sabia que tinha de ser punk.

Ainda rola muita animosidade entre os neo-nazis e os punks?
Às vezes as coisas ficam tensas, mas é difícil prever quando isso vai acontecer. Quando parei de andar com eles, deu muita merda. Uma vez, estava num carro com alguns amigos e uma gangue de neo-nazis me reconheceu. Cercaram o carro e tacaram fogo. Ainda tenho uma cicatriz na bunda para o provar.

E a polícia?
Costumávamos ter problemas com a polícia direto. Também, a gente procurava. Agora já conhecemos os caras que trabalham nos lugares por onde andamos e paramos de fazer merda pelo simples prazer de fazer.

Então agora todo mundo se dá bem?
A gente cuida da nossa vida, eles cuidam das deles. Quando um amigo nosso morreu de overdose de heroína, fizemos o funeral em Alexanderplatz. Foi pra lá um bando de 30 punks, e a polícia ficou assustada. Vieram com três camburões lotados de policiais de choque e mandaram a gente se dispersar, mas o nosso policial no local disse para eles irem embora. A gente tava de luto.

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Já devem vir pra cá há muito tempo.
Já venho aqui todos os dias há quase vinte anos. Só parei durante uns anos, quando a minha ex-mulher teve o nosso filho.

Botas Dr. Martens.

UDO, 21

Vice: O que tem se passado com a cena punk em Berlim nos últimos anos?
Udo: Para ser honesto, o pessoal está ficando todo muito novo. Eu ainda costumo parar no Potse, mas antes era muito melhor. Agora aquilo parece uma matinê dos punks. Até acabaram com a salinha onde antes podíamos deixar nossos cachorros. Agora parece mais com um bar normal.

Então, onde os punks de verdade andam hoje?
Os punks britânicos não me dizem muito. São moles e não sabem cantar. Os melhores punks são os da Rússia. Fazem música ska a sério, coisas dançantes mesmo. O russo é uma língua bruta e vai bem com aquela ideia de que o punk é agressivo.

Agora que a maioria dos squats estão fechando, o você faz quando sai à noite?
A melhor coisa é mandar um pouco de speed, beber litros de cerveja barata e ir a um show de ska russo. A última vez que fui a um desses shows um amigo meu tinha um pouco de pó com ele e mandamos três carreiras cada um, antes do show. Quando a banda começou a tocar, ficamos lá parados, balançando de um lado para o outro. Nem sequer consegui beber a minha cerveja. A cocaína é uma merda, tá ligado? Nem dá para se dançar pogo com aquilo.

Udo é um nome estranho para um punk.
A minha mãe gostava do Udo Lindenberg, o cantor alemão, por isso me chamou assim. Meu pai odiava esse nome. Sou o único punk das redondezas com esse nome.

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Já teve problemas com a polícia?
Neste momento estou em liberdade condicional porque já fui pego várias vezes sem o passe do trem. Ah, e fui preso por posse de GHB. Se me meter mais vezes em confusões, vou em cana por um ano.

Roupas próprias.

BRAUNER, 23

Vice: Como começou a ser punk?
Brauner: A minha mãe era punk e foi ela que me meteu nisso tudo. Foi ela que me levou ao meu primeiro show do Toxoplasma, quando tinha 10 anos. Antes costumava ouvir bastante The Exploited, mas agora estou mais numa de The Business e The Casualties.

Começou cedo.
Sim, acho que sim. Fui preso pela primeira vez quando tinha 14 anos. Tive que passar dois meses na prisão. Agora já não me meto em tantos problemas com a polícia. Eles agora nos deixam de boa, fazendo nosso rolê, que basicamente é andar por aí, beber e nos divertir.

Mas o que mudou?
A cena punk em Berlim ficou bem mais calma nos últimos anos. Muitos dos punks mais velhos desistiram e os punks mais novos foram para outras cidades ou arranjaram empregos. Agora o que se vê por aí são impostores. Os piores são esses punkzinhos emo, sempre reclamando que a vida deles é difícil. Eu sou um punk Oi!, que significa perversidade e diversão.

Conta mais dessas tatuagens.
A maior parte delas fui eu que fiz em mim mesmo, com uma máquina que construí sozinho. A tatuagem na minha cabeça diz “brain fuck”.

Camisa American Apparel.

DAVE, 32

Vice: O que aconteceu com os squats de Berlim?
Dave: Estão sendo completamente extintos. O governo fecha, vende o terreno a uma empresa qualquer e ganha uma porrada de grana com isso. É assim que as coisas são.

Ainda é complicado entrar nos squats que restam?
Se você não conhecer ninguém de lá, pode ser bastante difícil entrar e, claro, se não tiver cara de que pertences àquilo, podes se meter em confusões. Mas a maior parte deles ainda tem os bares de antigamente, como a Köpi ou o Tommy Weissbecker Haus. São como qualquer outro bar punk, fora que nos ultimamente se tornaram muito mais políticos, desde que o governo meteu política à mistura.

Então por onde você anda atualmente?
A maioria dos jovens com cortes de cabelo “punk” agora vão para o Potse, um bar na área ocidental, por isso nós começamos a sair para outros lugares. Mas, pra ser sincero, continuo preferindo ficar aqui em Alexanderplatz. Temos o nosso canto e conhecemos todo mundo que por aqui passa.

Costumam se meter em problemas?
Nós não somos um grupo problemático, mas, se alguém enche o saco, não tenho problema nenhum em mostrar pra ele o gosto da minha bota, se é que me entende. A menos que seja uma mina. Não bato em mulheres, isso não é certo. Mas a minha cadela lutava por mim. Ela é como eu, também adora cerveja.

FOTO POR CHRISTOPH VOY
COORDENAÇÃO POR TOM LITTLEWOOD