Quando morou em Nova York no ano passado, a fotógrafa portuguesa Ana Brigida Moreira Mendes passou alguns meses em bairros como Bronx, Harlem e Lower East Side fotografando o interior de alguns conjuntos habitacionais dilapidados. E não porque ela fosse xereta, ela estava tentando fazer o estado prestar alguma atenção no fato de que o abandono dos prédios estava se manifestando na forma de mofo nas paredes das casas dos moradores e, em alguns casos, nos próprios corpos deles. Claro, isso é muito grave e angustiante, algo que os responsáveis por essas habitações precisam mesmo resolver.
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Conversei com a Ana sobre seu projeto, Bloomberg's Legacy, enquanto ela estava em casa de cama por causa de um acidente de bicicleta.VICE: Você pode começar contando como o projeto surgiu, de onde veio a ideia?
Ana Brigida Moreira Mendes: Consegui um estágio na Magnum em Nova York ano passado, então saí de Portugal e acabei morando no Bronx, do outro lado da rua desse grande bloco de apartamentos. As paredes exteriores estavam cobertas de marcas de tiro, o que me deixou curiosa, então comecei a perguntar sobre isso na vizinhança. No final, Michael Kamber, do Centro de Documentação do Bronx, me apresentou ao pároco local que me contou sobre essa organização, a Manhattan Together, aí entramos em contato com a Marielys Divanne, que trabalha com eles. E foi assim que tudo começou.O que a Manhattan Together faz exatamente?
É uma organização que trabalha para melhorar as comunidades de Manhattan para seus residentes. Algum tempo atrás eles perceberam que esse conjunto habitacional em particular estava tão decadente que isso começou a realmente afetar a saúde dos moradores. Eles foram de porta em porta tentando saber mais detalhes com cada inquilino, tentando descobrir se o problema era o mofo ou a infiltração e identificar os problemas respiratórios derivados disso que atingiam os moradores, mas não conseguiam ter uma escala geral da questão. Foi aí que entrei, fazendo esses retratos das pessoas e dos danos em seus apartamentos. Essas fotos funcionaram como prova quando eles processaram a Autoridade de Habitação da Cidade de Nova York em dezembro passado.
Ana Brigida Moreira Mendes: Consegui um estágio na Magnum em Nova York ano passado, então saí de Portugal e acabei morando no Bronx, do outro lado da rua desse grande bloco de apartamentos. As paredes exteriores estavam cobertas de marcas de tiro, o que me deixou curiosa, então comecei a perguntar sobre isso na vizinhança. No final, Michael Kamber, do Centro de Documentação do Bronx, me apresentou ao pároco local que me contou sobre essa organização, a Manhattan Together, aí entramos em contato com a Marielys Divanne, que trabalha com eles. E foi assim que tudo começou.O que a Manhattan Together faz exatamente?
É uma organização que trabalha para melhorar as comunidades de Manhattan para seus residentes. Algum tempo atrás eles perceberam que esse conjunto habitacional em particular estava tão decadente que isso começou a realmente afetar a saúde dos moradores. Eles foram de porta em porta tentando saber mais detalhes com cada inquilino, tentando descobrir se o problema era o mofo ou a infiltração e identificar os problemas respiratórios derivados disso que atingiam os moradores, mas não conseguiam ter uma escala geral da questão. Foi aí que entrei, fazendo esses retratos das pessoas e dos danos em seus apartamentos. Essas fotos funcionaram como prova quando eles processaram a Autoridade de Habitação da Cidade de Nova York em dezembro passado.
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Susana é uma asmática de 16 anos que convive com o mofo em seu banheiro, cozinha e quarto há mais de dez anos. Melrose Houses, Bronx, Nova York, 2012.Quão negligente tem sido a AHCNY?
Bom, quando se lida com moradias populares, o principal problema é a burocracia. Quando você informa um problema – digamos que tem uma goteira no seu teto –, pode demorar mais de dois anos para que isso seja consertado. Imagine uma pessoa doente cercada por mofo por dois anos.Quais são as doenças mais comuns com as quais você se deparou?
Principalmente asma, mas também conheci uma pessoa que foi diagnosticada com mofo na pele. Nem sei como isso é possível, e ela também não sabia que isso era possível.Por que a maioria das pessoas nas fotos são mulheres?
Ah, isso é puramente circunstancial. Fiz as visitas durante o dia, quando os homens estão trabalhando. E as crianças também são frequentes porque, em alguns casos, elas estão muito doentes para ir à escola. O que, por sua vez, piora ainda mais sua doença. Os pais não sabem o que fazer.
Bom, quando se lida com moradias populares, o principal problema é a burocracia. Quando você informa um problema – digamos que tem uma goteira no seu teto –, pode demorar mais de dois anos para que isso seja consertado. Imagine uma pessoa doente cercada por mofo por dois anos.Quais são as doenças mais comuns com as quais você se deparou?
Principalmente asma, mas também conheci uma pessoa que foi diagnosticada com mofo na pele. Nem sei como isso é possível, e ela também não sabia que isso era possível.Por que a maioria das pessoas nas fotos são mulheres?
Ah, isso é puramente circunstancial. Fiz as visitas durante o dia, quando os homens estão trabalhando. E as crianças também são frequentes porque, em alguns casos, elas estão muito doentes para ir à escola. O que, por sua vez, piora ainda mais sua doença. Os pais não sabem o que fazer.
Maribette Cortes e mais três membros de sua família sofrem de asma. O mofo está no seu banheiro. Melrose Houses, Bronx, Nova York, 2012.Como você conseguiu que as pessoas te deixassem entrar nas casas delas?
No começo, Marielys Divanne ia comigo, me apresentava para todo mundo e eu fazia algumas fotos, mas logo percebi que, se queria saber a história completa, teria que passar mais tempo com essas pessoas. Muita gente me disse que eu não deveria ir para lá sozinha por causa das gangues, houve até alguns casos de estupro. Como dá para imaginar, para uma estranha com uma câmera a situação pode não parecer das mais acolhedoras, mas as pessoas eram. Foi ótimo, não tive nenhum problema.
No começo, Marielys Divanne ia comigo, me apresentava para todo mundo e eu fazia algumas fotos, mas logo percebi que, se queria saber a história completa, teria que passar mais tempo com essas pessoas. Muita gente me disse que eu não deveria ir para lá sozinha por causa das gangues, houve até alguns casos de estupro. Como dá para imaginar, para uma estranha com uma câmera a situação pode não parecer das mais acolhedoras, mas as pessoas eram. Foi ótimo, não tive nenhum problema.
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Em que estágio o projeto está agora?
Bom, a Manhattan Together veio a público com o processo em dezembro, e a última informação que tive era que eles estavam tentando transferir os piores casos para outro lugar, mas que a AHCNY não estava fazendo nada.
Bom, a Manhattan Together veio a público com o processo em dezembro, e a última informação que tive era que eles estavam tentando transferir os piores casos para outro lugar, mas que a AHCNY não estava fazendo nada.
Oscar Cruz vive nessas condições há mais de dez anos. Oscar e a maioria dos membros de sua família que vivem na casa sofrem de asma e outras alergias respiratórias. Webster Houses, Bronx, Nova York, 2012.Isso significa que não é mais possível reparar os danos nos apartamentos?
Na minha opinião, seria preciso muito trabalho para colocar esses lugares em ordem. Em alguns casos, eu não conseguia entender como era possível uma pessoa morar ali – algumas viviam sob tetos completamente abertos. Tem uma foto desse homem na sala de seu apartamento. Ele cobriu parte da parede com um saco de lixo e, quando ele tirava o plástico, um rio começava a escorrer. Dava para ver toda a fiação se você olhasse pelo buraco. É terrível e muito perigoso.Você expôs essas fotografias?
Sim, montamos uma exposição no Centro de Documentação do Bronx em Nova York. Uma coisa engraçada foi que, quando eu aparecia pela primeira vez em cada apartamento, as pessoas ficavam um pouco tímidas sobre a questão e envergonhadas com o estado de suas casas. Mas todas foram à exposição. As pessoas apontavam para suas fotos e as mostravam para os amigos. Foi incrível porque aproximou todo mundo. Isso criou um senso de comunidade e agora eles podem realmente lutar por sua causa.
Na minha opinião, seria preciso muito trabalho para colocar esses lugares em ordem. Em alguns casos, eu não conseguia entender como era possível uma pessoa morar ali – algumas viviam sob tetos completamente abertos. Tem uma foto desse homem na sala de seu apartamento. Ele cobriu parte da parede com um saco de lixo e, quando ele tirava o plástico, um rio começava a escorrer. Dava para ver toda a fiação se você olhasse pelo buraco. É terrível e muito perigoso.Você expôs essas fotografias?
Sim, montamos uma exposição no Centro de Documentação do Bronx em Nova York. Uma coisa engraçada foi que, quando eu aparecia pela primeira vez em cada apartamento, as pessoas ficavam um pouco tímidas sobre a questão e envergonhadas com o estado de suas casas. Mas todas foram à exposição. As pessoas apontavam para suas fotos e as mostravam para os amigos. Foi incrível porque aproximou todo mundo. Isso criou um senso de comunidade e agora eles podem realmente lutar por sua causa.
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Isso é inspirador. Obrigada, Ana.Veja mais do trabalho da Ana aqui.Siga a Elektra no Twitter: @elektrakotsoniAnteriormente:Fotografando as Crianças Romenas dos Conjuntos Habitacionais ComunistasSelva de PedraA Cidade Subterrânea do Presidente Mao