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Moradores do Morumbi não querem ser vizinhos da ocupação do MTST

O pessoal da ocupação Chico Mendes relata que ovos, pizza e lixo têm sido arremessados em seus barracos. Já os moradores do Paulistano Morumbi temem por sua segurança.

A cada reintegração de posse que acontece em São Paulo, surge uma nova ocupação em outro canto da cidade. Na sexta-feira dia 05, cerca de 600 pessoas orquestradas pelo MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto) ocuparam um terreno inativo no bairro do Morumbi, zona sul da cidade. Batizada de Chico Mendes em homenagem ao seringueiro ativista, a ocupação fica num terreno bastante íngreme, que, em 1989, abrigou a favela "Nova República", conhecida por sofrer um trágico soterramento que causou 14 mortes - 12 delas, crianças.

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Dessa vez, o embate não é só entre os sem-teto e a Prefeitura: boa parte dos moradores do entorno, que vivem em apartamentos de luxo, não curtiram a ideia de abrir a janela de casa, ver um monte de barracos de lona e ter de conviver com vizinhos pobres. Principalmente os condôminos do imponente complexo residencial Paulistano Morumbi, que abriga sete prédios e diversas casas.

Laura Cristina da Silva, umas das lideranças do MTST, conta que a hostilidade surgiu durante a primeira noite lá. "Quando ocupamos, os seguranças do condomínio receberam a gente à base de bala. Ouvimos de quatro a oito tiros. Em assembleia, decidimos abrir um boletim de ocorrência", fala.

Pergunto por que a ocupação incomoda tanto. Laura dispara: "É o povo da periferia, né, nega. É o povo que não tem onde morar, povo que sofre. Povo que fez cadastro no CDHU há 15 anos, até hoje não foi chamado e paga um aluguel absurdo".

Morador do condomínio de luxo, Ricardo de Souza estava saindo de casa apressado quando pedi para falar com ele, que acabou encostando o carro a fim de conversarmos. "É um pouquinho complicado, porque eles [ocupantes] não se preocupam muito em trabalhar. É uma questão muito complexa. E, além de tudo, tem o risco, porque ali existe um histórico de deslizamento, mortes, enfim. Óbvio que a Prefeitura precisa, de alguma forma, criar uma solução pra ajudá-los. Não dá pra deixá-los simplesmente na rua", frisou. O morador cita alguns "conflitos chatos" que vêm acontecendo. De acordo com os ocupantes, o terreno tem sido alvo de lixo, ovos e até pedaços de pizza vindos das janelas do Paulistano Morumbi. "Não sei se é verdade ou não. Acho um pouco difícil, porque é uma distância bem longa. Mas, de qualquer maneira, não é assim que se resolve as coisas", conta.

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Hernandes dos Santos veio da Bahia para São Paulo. Aqui, trabalha com construção civil e enxergou na ocupação uma maneira de finalmente conseguir uma casa para morar com a esposa, livrando-se do aluguel de R$ 430. "Acho que eles [os vizinhos] deviam ser mais humildes. Eles têm condição de morar num prédio desse. No momento, a gente não tem. Mas quem sabe daqui a um ano, dois anos, a gente pode estar igual a eles? Se Deus quiser. Sair do aluguel…"

Aparecida Paraes está passando uma temporada na casa de um familiar que vive no Paulistano Morumbi. Sua preocupação com os novos vizinhos é com relação à segurança. "A gente não conhece as pessoas, né? Não sabemos quem é. Se é gente direita, gente má. Dá uma insegurança", afirma.

Claudemir da Silva trabalha fazendo bicos como pintor. Quando o encontro na Chico Mendes, ele está pintando a palavra "Juraci" na lona de um dos barracos, já que todos trazem o nome de seu dono. "Me separei da minha mulher. Por isso moro de favor com a minha mãe", explica. Conforme conversamos, ele erra a grafia de "Juraci", mas diz que vai refazer. Seu grande objetivo é o mesmo que da maioria ali: ter um lugar definitivo para morar.

Com um cigarro na boca, Mayara Machado monta um barraco de lona; ao mesmo tempo em que ri e posa pra foto, esbraveja sobre a situação de quem está morando ali. "A gente é pobre, fodido, tem que levar bala de borracha mesmo. Com tanta terra que tem no Brasil, a gente não consegue ter uma moradia digna. E não temos que lutar só por moradia. Temos que lutar pela saúde, que está uma merda. Se não formos pra rua fazer um protesto, ninguém vai saber que estamos precisando. O mundo todo tem que saber da corrupção que tem aqui no Brasil, porque esses políticos fodem com nós [sic]. Esses políticos aí fodem com nós."

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Ligo para a Rossi, construtora responsável pelo Paulistano Morumbi, e falo com um dos corretores. Um apartamento padrão, de 141 metros quadrados, custa R$ 685 mil. Já uma cobertura chega a valer R$ 985 mil reais. Isso porque a vista dela é para o próprio condomínio. Uma cobertura com vista pra rua é mais barata: R$ 920 mil. Questiono-o sobre os novos vizinhos e ele me garante que "a Defesa Civil já está pra tirar todo mundo dali." Deve ser uma merda para a Rossi tentar vender um apê com vista para um monte de barraco. Procurada pela nossa reportagem, a Defesa Civil disse que é a Secretaria de Habitação quem está cuidado do caso.

Victor Moulito é estudante e mora no Paulistano há quatro meses. Sobre os ocupantes, ele acha que "se eles têm uma prioridade e buscam algo, têm que fazer mesmo, mas não se envolver com o pessoal do prédio". Conversamos sobre o arremesso de lixo em direção à ocupação. Ele confessa ter ouvido relato dos próprios moradores e repudia o ato. Ainda assim, tem suas desconfianças quanto à legitimidade da necessidade do MTST. "Tem uma coisa que eu achei engraçado. Vi muitas pessoas bem vestidas acampando lá. Não entendi. Muitas se vestem igual ao pessoal do próprio condomínio se veste."

De acordo com o MTST, a área ocupada é considerada ZEIS (Zona Especial de Interesse Social). Inclusive, a Secretaria de Habitação confirma a informação, mas reitera que "as ocupações prejudicam a política habitacional em curso, que prevê a entrega de 55 mil novas casas até 2016 para combater um déficit habitacional de 230 mil moradias".

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Segundo o Secovi (Sindicato da Habitação), a maioria das ações locatícias movidas no Estado de São Paulo em julho, o último mês analisado de 2014, corresponde à falta de pagamento. Isso denota a inegável dificuldade do paulistano em pagar em dia uma das principais contas do mês: o aluguel.

Enquanto isso, a Ocupação Chico Mendes está sujeita a acidentes graves - e ao lixo da caricata elite paulistana.

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