Quem a transfobia matou no Brasil em 2016?
Ilustração: Juliana Lucato/ VICE

FYI.

This story is over 5 years old.

Noticias

Quem a transfobia matou no Brasil em 2016?

Sem dados oficiais, a VICE se debruça sobre meios alternativos para levantar números.

"Como desistir de quem você é? Isso não significa a própria morte? E quantas vezes nós morremos esse mês?", escreveu no Facebook a trans não-binária Kayla Lucas França, que, minutos depois da publicação, em fevereiro deste ano, se jogou pela janela do apartamento em que vivia na cidade de São Paulo.

A jovem, que havia participado de um ato contra a transfobia dias antes, morreu. Procurar informações sobre mortes de pessoas T (transgêneros, transexuais e travestis) no Brasil é lidar com um enigma. Os órgãos competentes falham em não ter números atualizados disponíveis. Por e-mail, a Secretaria Especial de Direitos Humanos informou que não dispõe deste levantamento. De acordo com a ONG gringa Transgender Europe, vivemos no país que mais mata transexuais no mundo. Ainda assim, o último Relatório de Violência Homofóbica publicado é de 2013. Por isso, é preciso encontrar meios alternativos para investigar essas estatísticas — ainda que elas passem longe de realidade.

Publicidade

Procurar informações sobre mortes de pessoas T (transgêneros, transexuais e travestis) no Brasil é lidar com um enigma.

Desde 2015, o site Quem a Homotransfobia Matou? compila mortes de LGBTs que ocorrem em todo o país. Só neste ano, o projeto contabilizou 289 homicídios. Desse total, 127 eram T. A maioria dos casos trazem causas mortis cruéis, como asfixia, pauladas, facadas, tiros e pedradas.

Responsável por publicar esses casos está o cientista social Eduardo Michels, administrador do banco de dados do Grupo Gay da Bahia (GGB), associação que atua na defesa dos direitos humanos de LGBTs em todo o país e alimenta o site. "Recebemos informações de todos os estados e municípios brasileiros", explica o organizador. São pessoas anônimas e voluntárias que entram em contato com o GGB para denunciar as mortes. Rolar a barra lateral da publicação é lidar com fotos estarrecedoras e histórias pouco apuradas. Muitas vezes, a imprensa local e blogs sensacionalistas tratam as vítimas com desrespeito.

PESSOAS T (TRANSGÊNEROS, TRANSEXUAIS E TRAVESTIS) MORTAS EM 2016

Travestis - 75
Mulheres trans - 50
Homens trans - 12
TOTAL - 127 pessoas

Fonte: Site Quem a Homotransfobia Matou Hoje?

A dificuldade em obter números oficiais de mortes entre LGBTs brasileiros parte também da falta de suporte jurídico encontrado por essa população. "A homofobia ainda não é tipificada no Código Penal Brasileiro como crime", justifica Eduardo.

Publicidade

A quantidade de suicídios mostra-se relevante. De acordo com o site, foram 19 este ano. Mais uma vez, é importante frisar: é impossível saber se o número corresponde a realidade.

A maioria dos casos trazem causas mortis cruéis, como asfixia, pauladas, facadas, tiros e pedradas.

Colaboradora do Processo Transexualizador do Sistema Único de Saúde (SUS), a psicóloga e psicanalista Maya Foigel ressalta que, além das questões individuais de cada uma dessas pessoas que tirou a própria vida, pode-se apontar a violência, a discriminação e o preconceito como elementos agravantes.

DENÚNCIAS DE LGBTS NOS ÚLTIMOS ANOS

Abaixo, números de denúncias que foram recebidas pela Secretaria de Direitos Humanos nos últimos anos através do Disque 100.

2013 - 1.695 denúncias
(72% discriminação, 80% violência psicológica, 28% violência física, entre outros)

2014 - 1.013 denúncias
(85% discriminação, 77% violência psicológica, 28% violência física, entre outros)

2015 - 1.983 denúncias
(42% discriminação, 39% violência psicológica, 17% violência física, entre outros)

Fonte: Secretaria Especial de Direitos Humanos

É comum amigos e parentes muitas vezes não lidarem bem com uma pessoa trans ou uma travesti na família. "Precisamos urgentemente aprender a respeitar o lugar de fala, escutar o sofrimento, vencer preconceitos e superar diferenças", ressalta a profissional, que também é professora do curso de Sexualidade da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP).

"A postura fundamentalista de muitos líderes encoraja a violência contra essa população", afirma a psicóloga e psicanalista Maya Foigel

Para Foigel, outro fato que interfere não só na falta de políticas públicas como também no preconceito são representantes religiosos e do governo de vertentes conservadoras que se opõem à liberação de direitos à essa população, como a tentativa de impedir que transexuais e travestis usem o nome social ou a questão sempre polêmica sobre a utilização de banheiros públicos.

"A postura fundamentalista de muitos líderes encoraja a violência contra essa população – o que miseravelmente já faz parte do cotidiano no nosso país –, juntamente com a falta de conhecimento da sociedade em geral acerca das pessoas trans", finaliza.

Siga a VICE Brasil no Facebook, Twitter e Instagram.