FYI.

This story is over 5 years old.

Música

Músicos

Por trás das cenas dos reality shows, há uma pessoa chamada produtor de histórias. Seu trabalho é ser o braço direito do editor e transformar incontáveis horas de besteira cotidiana em dramas comoventes.

Por trás das cenas dos reality shows, há uma pessoa chamada produtor de histórias. Seu trabalho é ser o braço direito do editor e transformar incontáveis horas de besteira cotidiana em dramas comoventes, transformando lúmpens panacas, repentinamente arremessados em situações inusitadamente bizarras, em heróis e vilãos acidentais. O que fiz com essas pessoas aqui não foi diferente. São todas, obviamente, muito mais do que se pode vislumbrar em cinco minutos de interação ou descrever em 200 palavras e, na minha opinião, elas não são nada parecidas com essas caricaturas unidimensionais em que as transformei. Da primeira da lista, Shannon, nossa garota da capa, tentou oferecer o relato mais puro e exato possível. Tomei poucas notas, mas a conversa foi tão estranha, desconfortável e principalmente triste que dificilmente vou esquecer. Sou um merda. Sou um puta dum cretino que não merece ter uma língua. Vou dizer por quê.

Publicidade

SHANNON, 29


Comecei na Zona Norte, onde Santa Monica discretamente deteriora até virar Venice, e eu tinha andado em direção ao Sul até as quadras de tênis, entrevistando e fotografando os muitos músicos que encontrava no caminho, quando decidi que já tinha ido longe demais e voltei até a minha bicicleta para pedalar um longo caminho até minha casa. Eu estava queimado de sol pra caralho e exausto com os três quilômetros de encontrões com a multidão. A minha mente estava se esvaziando deliciosamente quando, além das quadras de basquete, a multidão à minha esquerda se tornou irregularmente rarefeita quando virei por acaso minha cabeça naquela direção, e fui imobilizado por uma presença estranha e arrebatadora. Shannon, em vestes de realeza, usava um banco de rua como suporte para seu teclado. Ela batia no teclado com um ou dois dedos de cada mão em um staccato simultâneo, arrítmico, uma versão maluca e atonal de “O Bife”. Ela era demais. Um “foda-se” glorioso e destemido para os normais que a cercavam, fofocando como moscas no pedaço de merda sinuoso que é Venice Beach. Catei a minha câmera e tirei algumas fotos. Ela olha de volta para mim, impassível e desafiadora, e um sorriso maníaco cheio de dentes se abriu em seu rosto. Tinha uma caixa de sapatos meio esmagada ao pé do banco, e era difícil dizer se era dela ou apenas parte do lixo jogado no entorno. Fui até ela e peguei a caixa. “Isso é para as gorjetas?”, perguntei. Ela pareceu indecisa por um segundo, e então assentiu com a cabeça. “Vou colocar aqui em cima para que as pessoas saibam que é para colocar dinheiro.” Coloquei a caixa no banco, amassei uma nota de um dólar e coloquei na caixa. Foi quando deixei escapar as palavras mais estúpidas e grosseiras. Eu disse, afobadamente, “Estou escrevendo um artigo para uma revista e gostaria de conversar com você. É para uma edição Antimúsica, e isso é perfeito, porque já é antimúsica”. Foi então que me dei conta de como havia interpretado horrivelmente mal a situação. A voz dela era mais profunda e grossa do que eu esperava que fosse e o rosto dela ficou sem expressão. Reparei no par de óculos sob a fantasia. “Por que é antimúsica?”, ela perguntou, soando estupidamente petulante. Ela não era a misantropa irônica e esperta que eu esperava que fosse. Ela estava tocando com sinceridade e eu a deixei chateada. Tentando apressadamente minimizar o insulto, acrescentei, “Sabe, é como arte performática”. Uma onda de vergonha calorosa atravessou o meu corpo e não tenho a menor lembrança do que aconteceu enquanto isso. A única nota que tomei durante esse interlúdio foi: “Apenas tocando música”. Não faço ideia do que isso signifique ou ao que se refere. Coloquei a cabeça no lugar e voltei ao roteiro padrão. Depois de anotar seu nome e idade, perguntei há quanto tempo ela tocava. Ela disse, “Praticamente a minha vida toda. Ninguém nunca me estimulou. As pessoas diziam que eu era maluca. Dizem que não é sensato, que eu tenho uma doença mental”. “Você tem alguma história favorita sobre música ou sobre o que a música fez por você?” “Ainda não.” Em seguida ela disse, “Eu gostaria de ser uma imitadora do Michael Jackson pra valer”. “Tem alguma coisa na música de que você não goste?” “Não gosto quando as pessoas dizem que sou louca, ou que não é sensato, ou quando dizem que tenho uma doença mental.” Agradeci pela atenção e desejei a ela boa sorte. Acho que apertei sua mão. Dei um passo para trás, tirei mais algumas fotos (que babaca!) e segui o meu caminho. Fiquei abalado com a nossa conversa e me senti um pouco enjoado. Claro, talvez eu tivesse sido enganado e virado vítima de uma pegadinha de foder a mente ao estilo de Andy Kaufman. Ou possivelmente havia acabado de testemunhar um ser humano tragicamente único cambaleando à beira do precipício da indiferença social. Provavelmente trata-se de uma terceira alternativa. O que quer que seja—gênio satírico, ingenuidade sombria, resultado de necessidades criativas irreprimíveis, ou uma última aposta—, essa mulher merece um abraço, uma salva de palmas e ser mais do que uma sombra numa alucinação de algumhipsteresgotado física e mentalmente.

Publicidade

WINSTON, 41


Winston estava num dia ruim. Ele teve o azar de chamar a atenção de Carl, um dos muitos agentes comunitários que percorrem o calçadão da Third Street, e certamente o mais entusiasmado deles. Ele estava fuçando nas coisas de Winston há uns 40 minutos. Doce, gentil e modesto, Winston apenas sorriu discretamente durante esse tempo, emanando uma aura de paciência monástica. Tudo começou nas primeiras músicas de seu show. O agente Carl entrou em cena, agachou na frente do alto-falante de Winston e o cutucou com o medidor de decibéis. Carl não gostou do que viu. Nem um pouco. Ele interrompeu Winston no meio de uma música e lhe mostrou o medidor, puxou Winston de lado discretamente para discutir o que ele havia descoberto. Eles conversaram amigavelmente por vários minutos e então o agente Carl puxou o talão de multas e educadamente emitiu uma intimação para Wilson. Daria para achar que acabaria ali. Um rude “Obrigado por me foder”, um meneio sutil de cabeça e o agente Carl seguiria seu caminho. Mas aquela transação paciente e educada tinha apenas começado. Tão duro quanto pode ser uma pessoa gentil, Carl exibia uma persistência incomum. Meticuloso como ele só. Winston voltou para o microfone e começou uma música. Um lance bem bacana, com certeza. Outra coisa sobre o Winston, ele tinha o melhor repertório de artista mambembe que já ouvi. Ele tocava XTC, seguido de Rush, talvez alguma coisa de Elvis Costello, ou do Clash, ou Lou Reed, Led Zeppelin, Neil Young, Ramones, Pink Floyd, Smiths, Jethro Tull, Talking Heads e por aí vai, apenas com sua voz e sua guitarra de 12 cordas. Ele tocava praticamente toda a trilha sonora da minha adolescência. Mas tanto faz o que ele estava tocando, porque, no meio do primeiro verso, o agente Carl mais uma vez se agachou diante do alto-falante e o inspecionou diligentemente e, com certeza, tinha algo de errado ali. Ele pediu para parar a música. Teve uma outra conversa com Winston, que começou a mexer nos cabos e fuçar nos botões de sua mesa de som. Essa cena se repetiu várias vezes. A certa altura, um colega de Carl se juntou a ele, e eles foram para um canto para conversar enquanto Winston tentava descobrir, mais uma vez, qual combinação mágica de regulagem finalmente satisfaria àquele homem. Eu fui até o agente e me apresentei. Foi quando fiquei sabendo o seu nome. Seu colega se chamava agente Titus. O agente Carl era evidentemente o líder, o mais habilidoso em lidar com os cidadãos. O agente Titus me olhou como se eu tivesse sujado as minhas fraldas. Batemos um breve papo. O agente Carl me contou que o livro de regras e regulamentações de condutas permissíveis na via pública era “assim de grande”, fazendo com as mãos o gesto de quem segura um quarteirão com queijo. Ele então passou a me contar as diversas regras que eu estava violando, com minhas câmeras e perguntas, mas me deixou tranquilo com um gesto magnânimo. Eles não dariam queixa. Um dos segredos profissionais que eles me contaram foi que, a cada hora par, todo artista de rua que está na via pública tinha que mudar de lugar, mudando para um local a certa distância do anterior. Entendeu? A cada duas horas, esse pessoal tem que juntar suas coisas, carregá-las pela rua, contar os passos e montar tudo de novo. Winston, para um sujeito que apenas cantava e tocava guitarra, tinha uma quantidade pouco comum de coisas para arrastar de um lado ao outro. Eu trabalhei com música por vários anos, e não conseguia entender por que aquela porrada de coisas. E ainda por cima, literalmente, ele tinha um cartaz enorme, que anunciava o Kiva.org. Essa era a outra coisa curiosa a respeito de Winston. Ele não estava lá se virando e rebolando como ganha-pão. Talvez ele conseguisse uma grana para a gasolina para ajudar a cobrir os custos de ir de van da Floresta Nacional Cleveland, nos rincões de Orange County, até Santa Monica. Mas o motivo pelo qual ele fazia essas viagens era para fazer esse show pré-fabricado para promover a Kiva. Com tanta gente exibindo desavergonhadamente sua renda extra, talvez algumas se dispusessem a jogar um osso para alguma costureira do Terceiro Mundo que está tentando abrir seu próprio negócio. Mas é claro que Winston também gosta da música. Ele adora quando alguém reconhece alguma canção obscura que ele está tocando, em especial os mais jovens. Isso lhe dá esperanças. O agente Carl no fim se cansou do jogo e deixou que Winston tocasse suas músicas. Faltavam oito minutos para as 16h.

Publicidade

„COWBOY”, 42


Dennis “Cowboy” Morgan disse que o pior golpe que a música lhe deu foi o fim de sua banda, Content Life. Quando cheguei em casa aquela noite, procurei a banda no Google, e o primeiro link que apareceu dava o nome de dois integrantes, nenhum deles era o Cowboy, e descrevia brevemente o resto da banda como “dois caras que pareciam moradores de rua. Um usava correntes nos tornozelos, que faziam barulho quando ele batia os pés no chão, e o outro tocava pandeiro”. O próximo link reduzia a formação a três e finalmente citava o Dennis, o nosso Cowboy, como sendo o tocador de pandeiro, e dizia que ele tinha perdido sua casa durante o furacão Katrina. Visto a distância, o Cowboy parecia uma estranha combinação de charme e ameaça de um funcionário de circo. Mas, quando a conversa começou, notei uma semelhança com Matthew McConaughey que, apesar de exageradamente açucarado nas comédias românticas, é enternecedor quando visto de perto. Ele cumprimentava os transeuntes com a cabeça e chamava as mulheres de “querida”. Ele me explicou que, apesar de estar vivendo na rua há cinco anos, foi por opção, por amor à música. Eu já tinha ouvido falar de histórias assim e ouviria novamente, mas antes de eu escutar o Cowboy tocar a primeira nota na guitarra que chamou minha atenção, Winston, seu dono, a pediu de volta. E agora sei que a vida pela qual ele largou tudo foi a de tocador de pandeiro. Não quero diminuir a importância do pandeiro para a música, ou o poder transformador da música em geral, ou o sentimento de sentido e pertencimento que fazer parte de uma banda pode trazer, mas me pareceu que tinha mais coisa em jogo nessa história do que o pandeiro. Talvez eu esteja projetando os meus próprios sentimentos (acho que realmente estou), mas eu também morava em Nova Orleans quando o Katrina atingiu a cidade, e aquilo alterou radicalmente o rumo que a minha vida tomaria, e me deixou uma profunda desconfiança da própria ideia de continuidade das coisas. Desde então não tenho mais raízes, e depois de vagar por uns dois anos também “optei” por uma carreira que oferecia uma falta completa de segurança e estabilidade e que garantiria essa total falta de raízes no futuro. Sei de outros que viveram o desastre e “optaram” por coisas parecidas, e tenho certeza de que existem muitas outras por aí. Quantos, como o Cowboy, não se encontram à margem da sociedade, ocupando o mesmo lugar que ocuparam os veteranos do Vietnã nas décadas de 70 e 80, feridos e ansiosos, à deriva numa cultura que zomba do significado das coisas e olha com desprezo e desconfiança para os fracos e vulneráveis. E esse nicho está ficando repleto de gente. Ainda assim, talvez eu esteja passando por uma crise de meia-idade, e talvez o Cowboy simplesmente goste de seu pandeiro. Eu não tinha certeza do tom que essa matéria teria, e pedi adiantadamente desculpas por qualquer tom de escárnio que os editores acrescentassem no meu texto. Ele respondeu solenemente, “Prevejo que, se eles quiserem zombar, eles falharão”. Um silêncio nos cercou, como em uma cena de um filme numa discoteca quando há um close repentino e dois personagens conversam em sussurros nervosos que de alguma forma podem ser ouvidos apesar de estarem a alguma distância um do outro e as demais pessoas ainda se mexem ao som da trilha sonora, agora abafada, mas certamente ensurdecedora. Na medida em que o barulho e confusão da rua pareciam diminuir, ele avisou, “Não toque no ungido”. Quando ele reparou que eu estava anotando o que ele disse, ele riu timidamente, como se percebesse que soara mais do que uma simples maluquice, uma besteira, transparente à luz do dia. Ele repetiu, dessa vez com um sorriso aberto e eu disse, “Legal, adorei”, e também sorri .

Publicidade

DARIUS MAXEY, 11


O momento “estrada de Damasco” de Darius Maxey aconteceu nos joelhos de sua avó. Cantora do coral de sua igreja, ela pedia a Darius que a ajudasse a ensaiar as músicas para a missa de domingo. Um dia, enquanto cantavam juntos, dando graças a Jesus e confessando seus pecados diante de Deus (imagino), sua avó baixou a voz e então parou de cantar. Seu neto continuou, assumindo o vocal principal, e naquele dia o jovem Darius, aos seis anos de idade e na primeira série, desapareceu, e Darius Maxey, garoto prodígio do gospel e artista de rua infantil, nasceu.

“Ao mesmo tempo”, me disse Darius recentemente, “comecei minha carreira de ator. Eu realmente não esperava que a música fosse ser tão importante na minha vida”. Ele soava como um cara vivido, como se estivesse fazendo essa confissão em algum fecha-nunca enfumaçado, acompanhado de uma dose, e não como se estivesse sentado no meio-fio do calçadão da Third Street em Santa Monica, escoltado por sua mãe, Dedra. O tom desencantado talvez fosse consequência do encontro que eu tinha acabado de testemunhar, que segundo ele foi a pior experiência musical da sua vida. “Aquela mulher é grosseira, grosseira, grosseira. Repito: grosseira!”. A mulher em questão, que aparece na foto acima à direita, é outra artista de rua, e Darius e ela estavam disputando território por pelo menos uma hora. A uma cuspida de distância um do outro, tocaram diversas músicas, até que Darius, talvez sem munição, ficou cheio daquilo e, depois de consultar sua mãe, fez uma declaração. “Me desculpem”, ele disse para as duas ou três pessoas que estavam assistindo ao seu show (o que não diminui o talento de Darius, ele é um ótimo cantor). “Sempre sou um artista respeitoso, mas estão nos desrespeitando muito aqui.” Ele desligou o equipamento. Não entendi o que aconteceu, então segui o exemplo de Darius e evitei fazer suposições. Ela não era uma má artista, e tenho certeza de que suas músicas sobre amores perdidos, lições aprendidas e seus gritos para o sentimento universal de assombro diante da grandeza dos mistérios profundos da vida tocarão fundo em corações jovens algum dia, mas, por enquanto, ela estava ali puta com um garoto de 11 anos. E não apenas um garoto de 11 anos, mas com um garoto cuja mãe bota tanta fé que comprou uma espécie de aparelho de karaokê, um par de óculos bacana, ajudou-o a fazer um cartaz e o levou a Santa Monica no seu dia de folga. E não ti-nham outros Darius no calçadão nesse dia. Por outro lado, tinham pelo menos quatro cantoras e compositoras atraentes, de 20 e poucos anos, com longos cabelos castanhos, à vista no espaço de três quarteirões. Encontrei a mesma distribuição desse tipo nos outros lugares que conferi, com exceção de Venice. Aparentemente, elas evitam ir a Venice. Mas, espere um pouco. Se algum repórter no futuro fizer outra pesquisa a respeito da marginália musical daqui a 20 anos, é provável que sejam morenas decadentes, uma após a outra, competindo com vendedores (anunciando receitas baratas e garantidas de heroína) pela atenção limitada de turistas esgotados.

Publicidade

MARK ANTHONY, 55


Uma amiga me disse que tinha uma loja de departamento de bairro que tinha um pianista que tocava na seção de lingerie, então me mandei pra lá e logo encontrei Mark Anthony. Ele se revelou sábio e um pouco amargurado, como se tivesse descoberto que a vida era tão sem sentido quanto assistir um filme de Sandra Bullock durante um voo transatlântico turbulento. Falei sobre a minha reportagem e ele se abriu de forma quase conspiratória. Quando me dei conta de que talvez os seguranças da loja criassem caso com minhas fotos, ele disse que diria que eram pessoais. Ele era um daqueles sujeitos meio bacana, meio esquisito, que a gente tem como vizinho quando temos 20 e poucos anos e com quem trocamos só algumas palavras por educação quando nos vemos no corredor, até que trombamos com ele num bar e ele te conta como, nos bons tempos, ele tinha sido o vocalista de uma banda com Yanni, no tempo em que Yanni era mais new wave do que New Age. Tirei algumas fotos do Mark, mas foram sessões apressadas e não consegui entrevistá-lo. Mas ele me deu seu cartão, e um dia antes de entregar a matéria decidi que queria saber mais a seu respeito. Então liguei para ele. Adivinha com quem ele já teve uma banda? O Chameleon era uma banda do caralho de Minneapolis no fim dos anos 70 e começo dos anos 80. Eles faziam um som que era uma mistura de Tommy Tutone, Styx e Vangelis. Além de Yanni (que já exibia sinais de megalomania e cujas excursões metidas a besta, na minha opinião, eram a única coisa que os impedia de entrar no topo das paradas), Charlie Adams também tocava com eles. Ele foi o cara que começou com os lances acrobáticos de bateria que Tommy Lee copiaria mais tarde. Os vocais de Mark tinham uma energia nervosa, propulsora, típica das viagens de Ícaro decadente cheias de cocaína em que osboomersmaltratados entraram na época. Mas a banda teve azar, e Yanni quis levar as coisas para outra direção. Desde então o Mark encara cruzeiros e lojas de departamento, mas isso não o deixou nem um pouco amargo. Entre as muitas pessoas com quem conversei, Mark talvez seja a que mais possa alegar glórias passadas. Ele morou com Nicolette Larson, porra. O fato dele ser só um pouquinho cínico hoje em dia é uma prova de sua bondade. O Mark, que também é ator, recebeu uma ligação do Screen Actors Guild alguns anos atrás. O representante disse a ele que tinha um garoto latino novo na cena que provavelmente estouraria na mídia. Ele queria saber se Mark poderia ceder seu nome a ele. Não sei como o superstar Marc Anthony assinava seu nome antes de entrar para a SAG, mas eu sei como ele não o escreve agora.

J.B. WILLIT, 54


“Se escreve w-i-l-l-i-t”. James Bartholomew “J.B.” Willit tinha acabado de voltar de Varsóvia. Ele tinha passado cinco anos no Leste Europeu e agora tocava por todos os EUA, esperando juntar dinheiro suficiente para trazer sua mulher da Lituânia. Com um rosto enigmático, sua postura normal era de desafio, e eu podia pressentir que ele me olhava com desconfiança por trás de seus óculos escuros. Tive a impressão de que, para ele, boa parte da humanidade entraria na categoria “O Cara”. E talvez ele tivesse boas razões para isso. Como um cartão de melhoras para um doente, em um grunhido grave, J. B. me contou sua pior história e sua melhor lembrança relacionada à música. O estilo anti-folk de J.B., seus blues latidos, cheios de punk, desmente seu passado hippie. Ele era próximo da Rainbow Family, um grupo magro e indefinido de ciganos ecoanarquistas, que chegou a dezenas de milhares de membros que vivem em parques estaduais e nacionais durante semanas a fio, assustando os habitantes da região e veranistas, e cavando fossas de baixo impacto. Eu tinha cruzado com essa família quando viajei de carona e clandestino em trens na adolescência e, por alguns meses, provavelmente me considerei parte do grupo. Na verdade, J.B. e eu conhecíamos algumas pessoas em comum daquela época. Mas, como ele tinha deixado os Rainbows décadas atrás, dizendo que eram vendidos, senti que isso não era motivo para que ele deixasse de desconfiar de mim. Uma noite, em 1989, J.B. tinha acabado de sair de Irving Meadows, em Orange County, onde tinha ido ver uns shows do Grateful Dead. Ele caminhava pela rua quando uns policiais pararam para dar uma geral nele. Preso por causa das leis antidrogas draconianas de outra época, ele foi enviado para o Norte do estado da Califórnia, para San Luis Obispo, um lugar com um nome tão esquisito, tão anacrônico, que parece ter sido tirado das páginas dePapillon.