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Desconstruindo gênero e consumismo com a icônica artista feminista Natalia LL

Uma entrevista com a polonesa pioneira na arte feminista.
Natalia LL, Postconsumer Art, 1975.

Esta matéria foi originalmente publicada na i-D Grã-Bretanha.

Natalia LL começou a tirar fotos em 1960 quando ainda era estudante da Academia de Artes na Breslávia, na Polônia. O que começou como uma matéria obrigatória logo se transformou numa carreira prolífica; uma carreira que se estende por mais de cinquenta anos. Uma verdadeira pioneira da arte feminista de vanguarda na Polônia, Natalia LL é celebrada no mundo todo por suas críticas divertidas à cultura de consumo, suas explorações profundas de sexualidade e gênero, e suas experimentações sistemáticas com as leis da probabilidade.

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Usando fotografia e filme para ilustrar pequenas ações cotidianas como comer, dormir, copular, descansar e falar, Natalia LL desafia a ideia da arte como algo separado da realidade. Para ela, arte é um processo que gera fases sucessivas da realidade. Sua obra mais significativa é um filme mudo de 16 minutos chamado Consumer Art, de 1972. Imitando o estilo dos filmes pornográficos, o vídeo mostra um grupo de modelos comendo sugestivamente uma variedade de alimentos fálicos — banana, sorvete, salsicha — como um tipo de desafio à mercantilização dos corpos femininos no pornô. Diferentemente das garotas da pornografia essas mulheres retêm um senso de controle através de seu olhar confrontador.

O filme, juntos com outros trabalhos seminais de sua obra, estão em exibição atualmente na galeria Roman Road em Hackney, uma exposição dedicada exclusivamente a uma das maiores artistas da Polônia.

Natalia LL, Consumer Art, 1972 (impressão de 2016).

VICE: Como era a cena das artes na Polônia quando você começou sua carreira?
Natalia LL: Quando terminei a faculdade nos anos 60, a cena de arte na Polônia era dominada por duas tendências: pintura abstrata e metafórica. Ao mesmo tempo, outros modelos de expressão artística estavam circulando pelo mundo. Coisa como land art, arte efêmera, arte performática, arte conceitual e arte corporal. Tive sorte porque, junto com Jerzy Ludwiński e alguns outros artistas, me tornei uma das precursoras da arte conceitual em Wrocław. Graças a contatos meus na Europa, me tornei parte do movimento que introduziu a arte corporal e a arte feminista na cena.

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Como seu trabalho evoluiu com o tempo?
Entendi bem cedo que pintura e desenho são métodos de abstração do mundo visual. Minhas primeiras fotografias de 61 são principalmente existenciais, do meu pátio em Bielsko-Biała. Fiz essas imagens com uma câmera Pilot-Super, em filme preto e branco. Era a simplicidade dessas imagens que davam riqueza de interpretação e atmosfera a elas. Os cenários visuais da minha primeira série fotográfica, EXISTENCES, geraram a série de retratos Face Geography. Esses eram estudos existencialistas importantes dos rostos da minha família e amigos, mostrando suas experiências e sofrimentos. Isso se tornou a base do meu interesse no corpo humano, suas dinâmicas e erotismo, e os mistérios únicos disso me levaram a desenvolver meus projetos subsequentes, incluindo meus registros documentais e minhas séries de "registros permanentes", como Intimate Sphere, Consumer Art e Post-Consumer Art. Meus registros subsequentes são continuações desse comportamento filosófico-existencial e visão comportamental da realidade, que não poderiam existir sem a fotografia.

Quais foram as primeiras reações ao seu trabalho?
No começo da minha carreira, minhas obras frequentemente eram censuradas e minhas exposições fechadas logo depois da abertura. Isso foi durante o período da República Popular Polonesa. Agora meus trabalhos estão sendo comprados e adicionados a coleções particulares.

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Natalia LL, Postconsumer Art, 1975.

O que há em capturar atividades cotidianas — comer, dormir, falar, fazer sexo — que te interessa tanto?
A arte está no processo de se tornar todo instante da realidade: para o indivíduo, cada fato, cada segundo é passageiro e único. É por isso que registro eventos comuns e triviais como comer, dormir, copular, descansar, falar… Além disso, cada atividade de uma pessoa como um componente de sua realidade evoca uma reação mental igual na pessoa que observa a notação. Por isso consigo transformar um registro de uma atividade em outra. Não são a substância e a aparência da forma que são essenciais, mas um efeito: esse é o significado.

O que te inspira hoje?
O corpo. O corpo está no centro de todos os problemas e buscas da minha arte. Durante minhas performances me tornou o tema e o objeto da minha arte ao mesmo tempo. O aspecto corporal permite que o espiritual e o intelectual apareçam. Me expresso pelos meios de me tornar um trabalho de arte.

Quando você começou, o que o feminismo significava para você?
Nos anos 70 eu me orientava pela arte, o que significava descobrir sua própria identidade, novos reinos visuais e mentais. Comecei a criar novos espaços para a fotografia erótica, tentando representar a impossibilidade de mostrar o contato erótico.

O movimento feminista dos anos 70 estava presente em todas as esferas da vida. Eu estava interessada na arte mais que tudo. Eu mantinha contato com artistas feministas como Valie Export, Verita Monselles, Gina Pane, Marina Abramovic, Annette Messager, e então decidi defender as ideias delas na Polônia. Dei minhas primeiras palestras sobre arte feminista em 1977.

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As feministas acreditavam que minha arte queria combater o culto fálico da masculinidade. Na exposição Frauen Kunst-Neue Tendenzen de 1975 em Innsbruck, minha obra intitulada Consumer Art foi reproduzida em cartazes como um símbolo do feminismo. Para mim, no entanto, a obra era simplesmente uma manifestação de vida e vitalidade.

Natalia LL, Consumer Art, 1972 (impressão de 2016).

O feminismo tem se tornado parte do diálogo mainstream agora.
Era de se esperar. Estamos atualmente no terceiro estado (se não mais além) do desenvolvimento da arte feminista. Problemas sociais eram a principal razão por trás dessa mudança tão significativa.

O que você acha da ideia do feminismo sendo uma tendência "cool", com marcas e celebridades explorando a ideia para vender alguma coisa?
Acho que essa tendência "cool" não vai prejudicar as verdadeiras ideias feministas em nada.

Por que é importante ter mais mulheres atrás das câmeras?
As mulheres têm uma intuição extraordinária. Estamos intelectualmente preparadas para fotografar, fazer filmes e outros registros, relacionados com a arte feminista ou não.

O que o olhar feminino significa para você?
Uma força poderosa que pode mudar muita coisa.

Que visão você gostaria que os espectadores tirassem de Natalia LL: Probabilities?
Estou muito feliz com a exposição. Espero que ela ajude meu trabalho a alcançar um público maior. A exposição explora meu trabalho com relação à lei das probabilidades, que tem sido um fator importante na minha obra. Na série Consumer Art, as fotografias são arranjadas num quadro, mas a posição das fotografias não é determinada com antecedência, levando a configurações únicas. Isso pode ser visto como uma extensão do meu interesse conhecido por gênero e sexualidade para um interesse mais profundo em singularidade e acaso. Através disso, a exposição oferece uma nova perspectiva do meu trabalho.

Probabilities fica em exposição na Roman Road até 14 de janeiro de 2017.

Tradução do inglês por Marina Schnoor.

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