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Entretenimento

O Chupacabra do Mar Negro no Mangue Negro do Espírito Santo

O Rodrigo Aragão pode ser chamado de mestre, principalmente por se destacar em um gênero praticamente morto no Brasil: o cinema fantástico.

Fotos: Divulgação

O Rodrigo Aragão pode ser chamado de mestre, principalmente por se destacar em um gênero praticamente morto no Brasil: o cinema fantástico. Ainda mais desenvolvendo seus filmes em um limbo do mercado cinematográfico chamado Espírito Santo. São dele o Mangue Negro, A Noite do Chupacabras e o desativado Museu dos Monstros.

Filho de um mágico e dono de cinema, aos sete anos, após ver um documentário que mostrava os bastidores do processo de produção e efeitos especiais de Star Wars: O Império Contra-Ataca, Rodrigo decidiu entrar no ramo. Depois de aprender técnicas baratas de maquiagens horrendas com farinha de trigo – por influência do irmão artista plástico –, começou a usar suas habilidades para assustar seus vizinhos e tias. "O efeito especial acabou surgindo por ser uma função que era a única da área do cinema que eu podia fazer com as coisas que tinha em casa", dispara.

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Em 1994 ele foi maquiador do curta A Lenda de Proitner e depois do curta Vampicida, de 1996. Quatro anos depois ele finalmente sentaria a bunda na cadeira de diretor, com a peça e casa de terror Mausoléu, um projeto altamente experimental que misturava narrativas visuais, falas grotescas e cenários trabalhados e interativos. O espetáculo era apresentado para uma plateia de sete pessoas por vez, e em dois anos de apresentações teve um público de mais de 30 mil corajosos.

Depois começou a produção de filmes próprios. Uma espécie de "Robert Rodriguez do terror", faz um pouco de tudo: desde a direção e roteiro, até a maquiagem e "morte" - uma alusão aos momentos em que ele ensina os atores a morrerem de forma estilosa. De um projeto de curta-metragem mais simples e impactante, se iniciaram as filmagens de Chupacabra, todo em preto-e-branco, sem diálogos, só com dois atores, tudo feito da forma mais simples possível, com R$ 300 de orçamento. As gravações duraram dois dias, a edição saiu em um computador emprestado, mas acabou por jogar cinco prêmios no colo de Aragão, o que foi animador o suficiente para fazê-lo querer ir fundo nesse lance de rodar os próprios filmes de terror.

O primeiro filme pós-prêmios foi Mangue Negro, que surgiu desse espírito louco de fazer tudo com as próprias mãos. "Mangue Negro foi um trabalho que começou numa construção de um barraco no fundo do quintal de casa. Eram basicamente dois rapazes que queriam aprender maquiagem, aí fizemos o acordo que eles iriam me ajudar a construir um barraco e eu ensinaria. Levamos sete meses juntando madeira velha pra fazer um barraco e levamos quase um ano pra fazer 15 minutos de filme, com verba nenhuma mesmo." Logo depois desse parto, ele mostrou os 15 minutos de filme para Herman, um antigo sócio no Mausoléu, que gostou do material e sugeriu produzirem um longa. Depois dessa conversa foram mais dois anos de produção para o longa sair, ao custo de R$ 80 mil, algo quase impensável para os padrões aragonenses anteriores.

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Mangue Negro

"Caralho, cara… Mangue Negro foi um filme muito feliz, naquele clima de paixão, com muito sangue, com todo o mundo se divertindo muito. A gente tinha esperança que ele ia funcionar, mas não tinha certeza se ele seria bem aceito ou não e ele tá fazendo uma carreira muito boa, principalmente fora do país. Acho que meus filmes são vistos muito mais fora do país do que aqui, infelizmente."

Daí pro Chupacabras, o longa - que se chamaria A Noite do Chupacabras - foi um caminho natural. "Esse foi um projeto bem maior, mais complicado, com mais dois anos de batalha, com quase 200 mil de orçamento - pra mim muito é dinheiro, mas pouca grana pra um projeto desse estilo, com muito efeito especial e maquiagem."

O Rodrigo não trabalha com leis de incentivo a produção cinematográfica, por "ser um tolo que sonha em fazer cinema autossustentável no país". Isso não tem a ver com ideologia, ele até acha que a existência delas é necessária, mas afirma que gosta de ter liberdade total para trabalhar, que é o ele conseguiu ao trabalhar com seu sócio, Herman.

Sua visão artística acabou por inserir seus principais longas dentro de uma trilogia, que são regidas pelo ambiente em que estão inseridas e pelo tipo de criatura assustadora que irão mostrar. Se Mangue Negro é basicamente um filme de zumbis em áreas pantanosas - que existem em abundância no Espírito Santo -, A Noite do Chupacabras se passa no interior do estado, em regiões montanhosas e de culturas quase próprias, provindas de imigrantes europeus.

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Museu dos Monstros

"Em 2004, grupo Mausoléu se desfez, voltei pra o Espírito Santo, e eu acho que comecei a fazer meus filmes devido à frustração de não conseguir trabalho nos filmes dos outros. O mercado era muito pequeno. Aí comecei a fazer meus próprios filmes, e isso me deixou super feliz", conta. "Mas, ao mesmo tempo, não demorei e retornei a fazer o que gosto: sempre estar próximo das pessoas, ao vivo." O resultado disso foi retirar o que tornava o Mausoléu um espetáculo difícil - interpretação, a narrativa, e outras coisas essencialmente "artísticas e teatrais", que eram fodas, mas complicavam as coisas - e partir para o básico: monstros! "Eu gosto muito de monstros, cara. E sempre quis ter um show de bonecos, daí comecei a construir alguns monstros e o resultado foi o caminho natural até o Museu dos Monstros".

Museu dos Monstros

Atualmente o Museu está desativado, e empilha suas 15 criaturas horripilantes e mais uma porrada de bonecos assustadores debaixo de uma tenda empoeirada que mais parece o porão do castelo de um cientista amalucado da Europa Central. "Precisamos do espaço certo pra voltar com tudo com o Museu, que é uma parada que curto muito". Apesar de não assustar ninguém no momento, diversos visitantes experimentaram momentos realmente tensos dentro daquela tenda. "Já vi todo o tipo de reação lá dentro, tudo, todo o tipo. As pessoas riam, outras pessoas gritam, já vi gente desmaiar, ficar catatônica. Ah, já vi homens fortes empurrarem a namorada e passarem por cima dela… pisotear a namorada, puta merda!!! Portanto, já vi todas as reações possíveis. A beleza do terror é justamente essa", afirma Rodrigo.

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Ele diz que o bom de ter sido dono do Museu foi ter coletado uma espécie de "catálogo de reações espontâneas" dentro do espetáculo, justamente porque o terror mexe com camadas bem profundas do ser humano, que escapam de qualquer controle externo ou de preocupações sociais.

Ele filosofa que o terror está em todos os lugares, à espreita, seja na Bíblia - “em doses cavalares”, acrescento - ou no interior da mente de um monge tibetano. Segundo ele, essa é a mágica do terror, e era justamente  isso que ele mas gostava no Museu: todos sabiam que tudo ali era irreal, que eles não se machucariam ou coisa similar, e mesmo assim tinham reações das mais violentas e completamente imprevisíveis, algo impensável em outros tipos de atração.

Eu gostava mesmo quando entravam várias senhoras elegantes no Museu e mandavam: “Ué, cadê o carrinho? Eu adorava porque mostrava que elas não sabiam onde se meteram. As pessoas esperavam uma coisa mal feita, aí elas eram metralhadas com aquele monte de informação, monstros de todos os lados, zumbis… tudo ao mesmo tempo, sem dar tempo pra pensar se 'tudo era real ou não', e o resultado era o terror absoluto".

Museu dos Monstros

Mar Negro, que ainda será filmado, fechará sua trilogia de longas e será rodado no litoral do Espírito Santo - um imã de mineiros, pra ser mais específico. Junto com o terror, estará presente uma espécie de crítica social. "A crítica será contra essa extração de petróleo, do pré-sal, que todo o mundo acha uma coisa legal, mas acho extremamente perigosa para o ecossistema. No final das contas, é um ouro de tolo, essa grana toda não vai pro povo, e eu quero levantar essa discussão."

O filme será sobre uma mancha negra que transforma todos os animais do litoral em monstros marinhos. Parece a coroação perfeita para um trabalho genial, um legítimo representante do cinema B, que começou no quintal de casa e hoje não deve em nada às maiores produções nacionais do gênero - que, vamos concordar, não são muitas.

Me despeço de Rodrigo pra cair direto numa sala no centro de Vitória assistir uma mostra de cinema em que um filme seu será exibido ao lado de clássicos de Roger Corman. Ele não poderia estar melhor acompanhado.