O mundo será um lugar infinitamente mais chato sem Elke Maravilha

FYI.

This story is over 5 years old.

Noticias

O mundo será um lugar infinitamente mais chato sem Elke Maravilha

Morreu na madrugada desta terça-feira uma das artistas mais simbólicas e representativas que o Brasil já viu.

Foto originalmente publicada aqui. Crédito: Felipe Larozza/VICE.

Algumas pessoas entram em nossas vidas pela televisão e — mesmo que nunca a tenhamos visto pessoalmente — fazem parte de nossos entes mais queridos, e a russa Elke Georgievna Grunnupp certamente era uma dessas pessoas. Nos acostumamos a vê-la e a admirá-la. Nos acostumamos com suas passações de pano mesmo que o calouro não tivesse talento, nos acostumamos com ela nos chamando de criança. Elke era imortal.

Publicidade

Era. Infelizmente no início da madrugada desta terça-feira (16) este verbo ficou no passado, Elke se foi na mesa de cirurgia, talvez por tédio com algo tão monótono. Aos 71 anos, estava internada na Casa de Saúde Pinheiro Machado, no bairro de Laranjeiras, no Rio de Janeiro, desde o dia 20 de junho. Seu irmão Frederico Grunnupp informou ao EGO que ela morreu "depois da cirurgia para tratar uma úlcera, e como ela tinha diabetes, acabou não respondendo à medicação."

A causa, para ser bem sincero, é o que menos importa neste caso. Elke se foi, já não nos chamará mais com sua voz doce, nem nos impressionará. Perdemos mais uma pessoa que nos fazia rir, perdemos mais uma pessoa que nos falava a verdade tão diretamente quanto o fio de uma navalha, perdemos mais uma pessoa que tinha o dom de ser única.

Nascida em Leningrado (hoje São Petesburgo), na antiga União Soviética, em 1945, Elke era filha de um, segundo ela mesma, vira-lata russo e de uma nobre alemã. Uma filha da guerra que veio ao Brasil ainda criança. A primeira casa foi Itabira, terra natal de Carlos Drummond de Andrade, em Minas Gerais. Mudou-se aos 20 anos para o Rio de Janeiro depois de aprender a falar, além do russo e português, alemão, inglês, italiano, francês, grego e latim. Trabalhou como secretária, bibliotecária, bancária, tradutora, professora e claro, como modelo e jurada de programa de TV.

Passou seis dias presa durante a Ditadura Militar. Em uma entrevista antiga dada à jornalista Márcia Montojos da Istoé Gente, Elke explica que não conhecia Stuart Angel Jones, filho da estilista Zuzu Angel, "mas fiquei de saco cheio quando vi um cartaz no Aeroporto Santos Dumont com uma foto dele como procurado, quando todos já sabiam que ele estava morto. Rasguei o cartaz, foi meu lado russo que baixou naquela hora, o russo não é politicamente correto. Fui movida pela paixão, faria de novo".

Publicidade

Elke fez muitas coisas nessa vida. Foi musa gay e madrinha das prostitutas (quando tudo isso era muita, mas muita treta, diga-se de passagem), participou de 30 filmes, uma dúzia de peças de teatro, mais de uma dezena de programas de TV. Casou-se oito vezes. Elke assumiu ter feito três abortos e ter apanhado na cara por ter um visual extravagante. Por três vezes cuspiram em seu rosto pelo mesmo motivo (desculpe, Elke. Eles não sabem o que fazem).

Ano passado, em entrevista ao jornalista Filipe Isensee do Extra, falou sobre o consumo de drogas com a sinceridade que só lhe cabe. "LSD me ensinou sobre a minha alma. A cocaína me ensinou muito. É a droga de poder e eu não gosto de poder. Mas quem gosta fica meio viciadão, né? Você fica brilhante. Uma vez, em Nova York, nos anos 80, eu estava numa festa e passaram com uma bandeja de cocaína. Disse que não queria, mas me pediram para cheirar. Menino, não é que comecei a contar a história do Brasil, desde 22 de abril de 1500 até 1983? A festa parou para ouvir. A gente fica brilhante, mas não é o que eu quero."

Elke tomava cachaça até outro dia, falava com a gente como se fôssemos íntimos, foi das poucas pessoas que se atreveu a falar mal de (e a talvez sintetizar) Silvio Santos. "Ele é a pior pessoa do mundo, coitadinho! Tem gente que é tão pobre, que só tem dinheiro". Elke fez um bocado de coisas e, de repente, no meio de uma Olimpíada, ela se vai assim, sem uma saideira, sem bis, sem o último desfile, sem nos dar a nossa última nota 10, aquela que nem merecíamos.

Obrigado, Elke. Sentiremos saudades.

Siga a VICE Brasil no Facebook, Twitter e Instagram.