O Poder e a Beleza da Representação de Mulheres e Homens Negros do Artista Kehinde Wiley

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O Poder e a Beleza da Representação de Mulheres e Homens Negros do Artista Kehinde Wiley

A força do trabalho de Wiley está na habilidade de reposicionar o poder, afogando o mundo (e toda a discriminação e opressão que vem com ele) ao redor de seus temas para que eles possam se ver mais claramente.

Todas as imagens cortesia do Brooklyn Museum.

Em 2004, o artista Kehinde Wiley realizou sua primeira exposição solo no Brooklyn Museum intitulada Passing/Posing. Em cartaz, estavam retratos de jovens negros que representavam um desafio a como eles eram vistos na vida real, além de um desafio à história. Em uma das pinturas, Napoleon Leading the Army over the Alps (2005), o líder militar francês é substituído por um homem negro usando Timberlands e roupa camuflada – uma resposta revisionista para a escassez de homens negros nas coleções da maioria dos museus. Em outro trabalho, Female Prophet Deborah (Infinite Mobility), um jovem negro, que o artista conheceu na rua próxima ao seu velho estúdio no Harlem, flutua de calça jeans, jaqueta, camiseta laranja e boné virado para trás, olhando para a distância num fundo ornamentado de azul e dourado. É fácil se perder na beleza da pintura. No entanto, a força do trabalho – como na maioria dos retratos de Wiley – está na habilidade de reposicionar o poder, afogando o mundo (e toda a discriminação e opressão que vem com ele) ao redor de seus temas para que eles possam se ver mais claramente.

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Passing/Posing marcou o começo de uma carreira meteórica para Wiley – o New York Times o descreveu como um dos "artistas mais celebrados de sua geração" num perfil recente –, e uma retrospectiva do artista intitulada Kehinde Wiley: A New Republiccomeçou no dia 20 de fevereiro no Brooklyn Museum. A exposição vai incluir 60 trabalhos de pintura e escultura que passam pelos 37 anos de carreira dele. Mais importante ainda, a exposição vai oferecer um olhar aprofundado sobre o exame de Wiley de representação, status e poder. Além do trabalho de Passing/Posing, a exibição vai mostrar trabalhos menos conhecidos do artista nascido em South Central, o que é essencial para a compreensão do âmbito total de sua obra.

Por exemplo, a retrospectiva sobre Wiley vai expor seus retratos de irmãs negras justapostos a pinturas de vários homens negros no mesmo enquadramento. Essa curadoria em particular levanta questões sobre gênero e sexualidade na comunidade negra, já que as pinturas parecem estar envolvidas num diálogo umas com as outras. Esses trabalhos também interagem com o processo criativo do próprio artista, já que ele afirma encontrar seus temas através "dessa coisa acidental, onde estou nas ruas cruzando com pessoas que ressoam em mim", baseado em simples olhares e contato visual prolongado.

Tive a oportunidade de me encontrar com Wiley para falar sobre o poder de seus retratos, sua incursão na escultura e o que mudou nesses dez anos desde sua primeira exposição solo no Brooklyn Museum.

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VICE: Essa é sua segunda exposição em pouco mais de uma década no Brooklyn Museum. O que mudou nesses últimos dez anos?
Kehinde Wiley: Nada mudou e tudo mudou. Comecei deixando Yale e vindo para o Harlem a fim de testemunhar os intercâmbios nas ruas: olhando em volta, tentando criar retratos que respondessem a essa energia muito vibrante e jovem dos EUA. Mais tarde, quando o trabalho teve sucesso, comecei a viajar pelo mundo e reconheci que a mesma América, aquela sensibilidade urbana, aparecia por toda parte. Meu trabalho começou, então, a responder a essa história e à história dessa história. Isso começou como uma preocupação em torno da cultura jovem negra norte-americana, e a história levou a Israel, Brasil, Índia, Sri Lanka, tudo seguindo a temperatura cultural de algo que é muito norte-americano e muito negro.

Sei que, em Kehinde Wiley: A New Republic, você vai expor esculturas e vitrais. Como foi trabalhar nesses meios?
Esses materiais são radicalmente diferentes. Apesar de seguir a mesma trajetória material, o que sempre tentei fazer foi olhar para a linguagem da história da arte e tentar continuar presente. A realidade material é muito diferente, mas as aspirações humanas e as coisas que estão sendo discutidas são bem similares. No centro, elas têm a ver com ego, avaliação e império. Muito do que faço é olhar para o passado lindo e horrível e tentar enquadrar isso na realidade cheia de nuances que sei que vivemos hoje.

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Alguns de seus trabalhos da série Economy of Grace também estarão em exposição. Pensando nas políticas de representação e no corpo, como as políticas de pintar mulheres diferem de pintar homens?
Em certo sentido, somos todos vítimas de misoginia e racismo que existem no mundo, não importa qual seu gênero ou raça. Acho que existem estratégias diferentes em se retratar mulheres em pinturas. Achei que isso seria uma oportunidade empolgante para construir sobre o vocabulário que criei com todos os trabalhos saídos dos EUA, saídos de uma masculinidade negra, e virar tudo isso de cabeça para baixo. Pude ver a noção de dominância – como alguém preenche os quatro cantos do quadro. Dominação desse espaço é um ato muito revolucionário. E ser capaz de entregar essas chaves para o retrato de mulheres negras é uma coisa muito mágica.

Você acha que sua pintura Two Sisters realmente representa as experiências vividas pelas mulheres retratadas?
É uma pergunta difícil de responder: eu ia ao Brooklyn, Harlem e Bronx, onde cruzava com mulheres cujas histórias eram tão diversas quanto você pode imaginar. Não sei necessariamente como criar algo que inclua tudo. Eu estava mais preocupado com o poder das armadilhas que existiam nas velhas pinturas.

Considerando que seu trabalho lida com poder e vulnerabilidade, você acha que os eventos recentes cercando o assassinato de um jovem negro desarmado neste país vão inspirar um corpo de trabalho seu no futuro?
Há anos, venho pintando homens negros como uma maneira de responder à realidade das ruas. Pedi a homens negros que fossem ao meu estúdio com as roupas que eles quisessem. E, frequentemente, essas roupas eram as mesmas mostradas na TV como ameaçadoras. E, como artista, você não pode evitar que sua trajetória seja alterada pela realidade das ruas. Para mim, essa não é uma história nova. Sou um garoto que cresceu em South Central Los Angeles nos anos 80 sob o espectro de Latasha Harlins e da brutalidade da LAPD. Para mim, tudo isso é uma maneira muito usada de policiar, controlar e consumir corpos negros. Meu trabalho sempre foi uma resposta a isso.

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Voltando ao começo da sua carreira, por que retratar a masculinidade negra era importante para você?
Bom, sou um homem negro, e isso era um exercício de autorreflexão sobre ego e uma maneira de abordar e fazer sentido do mundo. No fundo, todo artista, não importa qual seja seu tema, tem de ser alguém que observa. Comecei a realmente interrogar o ato do olhar. Fazendo isso, é preciso começar onde você está. Então, a próxima questão veio: "Você tem algum tipo de fidelidade pelo mundo que te foi entregue, ou você sonha com uma visão alternativa?". E ambas as opções pareciam estar perdendo algo; então, meu trabalho existe num cruzamento dessas duas coisas: desejos gêmeos se encontram e podem ser reimaginados numa nova república.

Como seria a república de Kehinde Wiley?
Bom, é uma nova possibilidade. Uma nova república é uma habilidade de segurar o espelho do que é e poder sonhar sobre como poderia ser. E o que você tem no meu trabalho é o caminho de uma pessoa enquanto ela viaja pelo mundo, e não há limitação do que é concebível.

O Brooklyn Museum apresenta Kehinde Wiley: A New Republic, uma retrospectiva da carreira do artista, de 20 de fevereiro a 24 de maio de 2015. Para mais informações, visite o site do museu.

Tradução: Marina Schnoor