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Música

O Pop de Protesto Chegou à Somália

A Somália está numa boa posição agora, o otimismo corre pela nação encapsulado no hit “Yaan La Dooran, Ya La Doortaa”.

Pode-se dizer que as coisas não estavam muito bem na Somália nessas últimas duas décadas. A queda do que foi um governo militar não muito agradável, ocorrida em 1991, levou a 21 anos de guerra civil e conflitos regionais quase constantes. Governos estrangeiros se meteram (tanto diplomática quanto militarmente), clãs guerrearam e grupos militares islâmicos — notadamente o Harakat al-Shabaab al-Mujahideen — controlavam grandes faixas de território e aterrorizaram a nação somali.

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Mas as coisas estão mudando. Al Shabaab está recuando, empurrada por tropas da União Africana que trabalham com etíopes e norte-americanos. Um novo presidente do parlamento foi eleito e a expectativa é que um presidente da república seja eleito em até dez dias. Ataques de drones norte-americanos são comuns e matam tanto civis quanto líderes Shabaab. Até o momento, no entanto, eles têm sido tolerados.

A Somália está numa boa posição agora. O otimismo corre pela nação encapsulado no hit “Yaan La Dooran, Ya La Doortaa”, que pode ser traduzido toscamente como “Vamos eleger… Não vamos eleger”. A música, dos famosos cantores somalis Mohamed Ahmed Qomal, Hussien Shire, Abdulkadir AJ e Nuur Jama Aden, toca em todo lugar e diz para as pessoas pensarem que tipo de líder seria bom para a Somália. Me encontrei com meu amigo Abdurrahman Warsameh, um jornalista somali que vive em Mogadishu, para saber mais sobre a canção.

Abdurrahman fazendo seu trabalho.

VICE: Oi, Abdurrahman, quando você acha que as eleições vão acontecer?
Abdurrahman: Impossível dizer. Eleições organizadas não podem acontecer agora por questões de segurança. Como você sabe, o governo não controla o país inteiro. O plano é que um governo somali permanente possa trabalhar para assegurar isso e, da próxima vez, as pessoas poderão votar e haverá um referendo na constituição atual. Esperamos ter eleições nos próximos quatro anos.

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O que você me diz sobre essa música? Quando ela começou a tocar em todo lugar?
Ela foi escrita no final de 2008, na época de uma grande conferência na Somália, realizada em Djibouti. Eleições para presidente já eram discutidas nessa época. O compositor achou que era o momento certo para as pessoas se conscientizarem sobre a competição que estaria por vir, apesar do público geral não ter nenhuma chance de votar. Agora, a música está estabelecendo o clima de votações na cidade e é tocada em todas as estações de rádio. A música não menciona nenhum candidato em particular, só fala que tipo de pessoa seria um bom líder e que tipo seria um mau líder.

Quais são as qualidades boas e más apontadas pela música?
Basicamente, a música apareceu numa época em que as pessoas tinham grandes esperanças de que as lutas terminariam na Somália, porque o governo e a oposição pareciam ter entrado numa trégua. A música diz que um bom líder deve ser honesto, democrático, não corrupto, respeitar os direitos humanos, e também os direitos das crianças, das mulheres e de toda a humanidade. Por outro lado, um líder ruim seria alguém que tivesse feito a guerra no país, tivesse sangue nas mãos, dividisse as pessoas em clãs e não fosse patriótico. Também fala do clero e dos islâmicos radicais que criam problemas no país.

A música toca nas ruas e em outros espaços públicos tanto quanto nas rádios?
Sim, bastante. Ela toca em todo lugar. Geralmente, as músicas somali são sobre amor e emoções, particularmente em Mogadishu. Agora, essa música política dominou o imaginário das pessoas. Desde 2009 as pessoas têm ouvido essa música e agora, por causa das eleições, ela é mais popular do que nunca. Todos os candidatos querem ser a pessoa de quem a música fala.

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Essa é uma das primeiras músicas somalis sobre política?
Exatamente. Não temos eleições livres e justas, mas, nos últimos dez anos, temos tipo uma democracia ao estilo somali, onde cada clã elegeu pessoas para representá-los no parlamento. Em certo sentido, essa é a primeira canção que fala sobre eleições. Ela abriu uma nova porta para esse tipo de música. Algumas outras músicas tentaram copiar, mas essa é a única que é tocada constantemente. Pode-se dizer que é a primeira música política da Somália.

Existe uma vida noturna em Mogadishu no momento?
A Somália e Mogadishu mudaram muito no último ano. Em anos anteriores, a única coisa na cabeça das pessoas eram as lutas armadas, fome e derramamento de sangue. Desde a retirada da Al Shabaab de Mogadishu, as pessoas voltaram para suas casas e há sinais de uma retomada da vida noturna na cidade. Os lugares agora podem ficar abertos até o meio da noite, antes, tudo tinha que fechar às cinco da tarde. Na verdade, tudo parava naquela hora e as pessoas tinham que ficar dentro de casa. Quando o tiroteio diário começava, eu tinha que colocar as pessoas da minha família em cômodos diferentes da casa, porque se um cômodo fosse atingido, só um membro da família morreria. Mas a Al Shabaab se retirou, as coisas estão mudando, as pessoas estão ouvindo essa música nas ruas e em lojas locais. Ela é tocada em todas as ruas e todas as ruas são campos de obras — as coisas estão sendo reconstruídas.

As pessoas saem para dançar em Mogadishu? Existem lugares com música ao vivo?
Geralmente as pessoas são muito conservadoras aqui, mas tem pessoas que gostam de dançar em hotéis e outros lugares. Isso acontece, mas é um pouco secreto. Música ao vivo também acontece. Quando a Al Shabaab era uma força no país e controlava boa parte de Mogadishu, ninguém podia tocar música ao vivo, mas agora que eles foram empurrados para o interior do país, as pessoas estão tocando música de novo. Temos bandas locais tocando principalmente em casas e hotéis. Geralmente é uma coisa privada.

A música definitivamente tem influências do pop ocidental, mas tem mais coisas acontecendo ali. Existem outros grupos tocando esse tipo de música? E quanto de influência de música tradicional da Somália é parte disso?
Os artistas que fizeram essa música são da diáspora somali, expatriados da Somália vivendo na Europa, então são muito influenciados pelo pop ocidental. Muita gente gosta de música local e isso também influencia, mas a maioria das músicas dos últimos 25 anos, um tempo em que muitos somalis se mudaram para o exterior por causa da insegurança aqui, foram influenciadas pela música do resto do mundo. A maioria das músicas somalis é feita fora do país, compostas e tocadas por músicos que vivem no Ocidente. Agora as pessoas estão começando a voltar para a Somália.

Isso é ótimo. Muito obrigado, Abdurrahamn.

Obrigado!