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Salvando o Sudão do Sul

O Profeta

A história de um dos mais violentos e eficientes exércitos africanos.

Os membros do Exército Branco são definidos como sendo nuer e usam faixas vermelhas ao redor da cabeça para evitar atirarem uns nos outros. Foto por Tim Freccia

A VICE foi ao Sudão ver como uma das civilizações mais ricas e avançadas durante os séculos de colonialismo na África transformou-se num país castigado por golpes de Estado, ditaduras e desmandos, mergulhado numa série de conflitos intermináveis após a independência, em 1956. Nesta série de 22 capítulos, Robert Young Pelton e o fotógrafo Tim Freccia mostram de perto o que acontece num dos maiores países do continente africano, rico em petróleo e guerras, rachado ao meio em 2011 e com um futuro incerto pela frente.

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Riek Machar, líder independentista do Sudão do Sul, pode parecer um ocidental esclarecido, com seu sotaque britânico casual, seus valores cristãos e seu desprezo por conspirações, superstições e outras coisas que não são apoiadas pela lógica e por fatos. Mas nessa hora de necessidade, Machar tem de confiar no Exército Branco para ascender novamente ao poder. Seus seguidores só o obedecerão se um profeta os invocar a comparecerem.

Os primeiros relatos sobre os grupos tribais armados que viriam a ser conhecidos como o Exército Branco surgirm no final dos anos 1900 à medida que os nuer expandiam seu território atacando e queimando vilas de fazendeiros de gado da etnia dinka.

Machar primeiramente aproveitou o poder desse exército quando formou a facção dissidente SPLA-Nasir com sua esposa, Emma McCune, em novembro de 1991. Motivado pelo profeta chamado Wurnyang, grupos de homens armados deixaram seus campos de gado e vilas para atacarem os rivais dinka. Mortes, estupros e saques se intensificaram ao redor de Bor, na margem direita do Nilo, deixando 3 mil mortos. Em seguida, o Exército Branco voltou a desaparecer na mata tão rapidamente quanto havia surgido, deixando o mundo a se perguntar o que exatamente havia acontecido. Machar se recusou a tomar responsabilidade pelo ocorrido até admitir isso entre lágrimas dez anos depois.

Um exército normal é treinado para cuidadosamente pesar os riscos, a força do inimigo e o impacto secundário. O Exército Branco é dirigido por um propósito divino, imune ao medo e às considerações táticas. Seu modus operandi é atacar como um tipo de flash mob com lanças, tacos e machados, motivados pela confiança divina na vitória que, em sua mente, já foi garantida por seu profeta. Sua falta de restrições normalmente é o suficiente para fazer exércitos inimigos fugirem.

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Eles lutam em grupos pequenos, semelhantes a clãs, organizados numa estrutura abrangente de guerrilheiros heterogêneos que dominam e brutalizam seus inimigos. Quando lhe são dadas armas, propósito, alvos e permissão – como parece que Machar lhes deu, possivelmente via Cartum –, o Exército Branco se transforma de um grupo de vaqueiros com objetos cegos e laminados numa força ligeira e totalmente imprevisível. Ele prefere se mover e atacar a pé para evitar ataques de helicópteros e artilharia, uma das muitas razões pela qual os ungandenses usaram aquelas bombas de fragmentação para dizimar os grupos amplamente espalhados ameaçando Bor.

O poder das profecias que Ngundeng Bong fez para os nuer na virada do último século posicionou o Exército Branco como uma parte relevante de qualquer aliança militar ou política.

Enquanto sentamos debaixo das sombras das árvores, Amos explica a estranha válvula de pressão que engatilha esse exército: “Na cultura nuer, pensamos em todos como iguais, mas, ao mesmo tempo, os nuer sempre acham que estão no comando. Os nuer são sempre pacientes. Eles aguentam muita coisa.”

“Desde 2005, os dinka têm obtido os bons empregos. Não começamos a briga. Tentaram desarmar os nuer da guarda presidencial Tiger, e agora o Exército Branco virá”.

Machar tem mais do que violência em massa ao seu lado – ele tem religião. Até o mítico líder Bong previu que o país seria governado por um nuer canhoto sem as tradicionais marcas tribais. O líder independista está feliz em cumprir a profecia.

Enquanto estamos lá sentados conversando, o antigo inimigo mortal de Machar, general Peter Gadet, aparece.

Gadet quase destruiu o Sudão do Sul antes mesmo de o país ter começado a existir. Ele desertou na primavera de 2001 e lutou por 6 meses antes de ser reintegrado ao exército como líder da Oitava Divisão. Antes disso, integrou as fileiras ao lado de Machar pelo controle dos campos petrolíferos. Então, em dezembro, deixou o líder da independência do país novamente e atacou Bor com o Exército Branco, indo longe o bastante para colocar a capital do Sudão do Sul, Juba, em risco. Os ungandenses conseguiram detê-lo. Agora ele faz parte do conselho de guerra com Machar, planejando suas próximas jogadas. A estratégia deles não é espiritual. Eles planejam atacar o norte, marchando na direção do petróleo.

Traduzido por: Julia Barreiro

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