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O X-9 foi torrado? Quem mais pode se complicar com a delação de Delcídio é ele mesmo

A única conclusão concreta do documento homologado pelo senador é de que ele dava entrevista pra chuchu na época da CPMI dos Correios.

A publicação nesta terça-feira (15) da íntegra da delação premiada (colaboração premiada, na linguagem jurídica do documento publicado) do senador recém ex-petista Delcídio do Amaral teve aquele ar de "atentado suicida" e foi recebida por diversos setores como um fato inconteste de que é hora de colocar a viola no saco e refundar a República.

Não é para menos: são mais de duzentas páginas (descontando umas trinta que fornecem as prerrogativas legais do documento) levantando barbaridades contra quase todo mundo dos mais altos escalões da política nacional. Além de descer o malho na diretoria da Petrobras, colocou na roda a presidente Dilma, o vice-presidente Michel Temer, o ex-presidente Lula, o presidente do Senado Renan Calheiros, o presidente da Câmara Eduardo Cunha e o líder da oposição no senado e presidente do PSDB Aécio Neves, só pra ficar nos peixes mais graúdos da política. Não é pouca coisa, e o fato de Delcídio ter sido um interlocutor de peso na Petrobras desde o governo Fernando Henrique Cardoso, quando era filiado ao PSDB, pode contar a favor de suas denúncias.

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Porém, no fim das contas, a delação é um grande compilado de "causos" corroborados por nada mais que detalhes da agenda oficial do senador e tickets e comprovantes de passagens aéreas. As revelações das agendas são bastante prosaicas, mostrando diversos apontamentos e revelando, inadvertidamente, telefones dos mais variados gabinetes e profissionais – tem, por exemplo, o número do celular que o jornalista Josias de Sousa usava em 2005. É possível saber também que Delcídio compareceu ao casamento do filho de Tasso Jereissati, senador do PSDB, em Fortaleza, no dia 8 de novembro de 2008. Ou então que compareceu no dia 6 de maio de 2005 ao aniversário de Cesar Tussi, seu secretário parlamentar.

Boa parte dos fatos citados, de ilações sobre a interferência da Lula em processos correntes a pedidos de propina de Eduardo Cunha, não têm nem corroboração da famigerada agendinha. Tudo parece um grande jogo de "o fulano roubou pão na casa do João", e é bem difícil aceitar a tal colaboração como um documento que prove qualquer coisa além do fato de que, durante a CPMI dos Correios, o senador Delcídio deu entrevistas a rodo por todo o Brasil– é possível contar mais de trinta entradas na agenda relacionadas à imprensa, entre almoços e jantares com jornalistas e entrevistas em si.

Isso deixa a narrativa toda ainda mais estranha, afinal todos devem estar se perguntando por toda a Esplanada o que diabos Delcídio ganha com essa história. Segundo a cláusula 40ª do documento homologado, o senador perde o acordo caso "sonegar a verdade ou mentir em relação a fatos em apuração, em relação aos quais se obrigou a cooperar". Para além disso, o artigo 19 da lei 12.850/13, que regulamenta os termos de colaboração premiada, prevê uma pena de um a quatro anos de reclusão para quem "imputar falsamente, sob pretexto de colaboração com a Justiça, a prática de infração penal a pessoa que sabe ser inocente, ou revelar informações sobre a estrutura de organização criminosa que sabe inverídicas". Vale lembrar que, mesmo se alguma das histórias de Delcídio seja considerada inverídica, ele se complica, mas o documento de delação continua valendo.

É por isso que a delação causa tanta estranheza: se ele é tão frágil a ponto de não garantir a liberdade de Delcídio no longo prazo, a que ele serve, portanto. No fim das contas, é mais um documento político – ao rifar todo mundo, principalmente os maiores nomes da República (até pro ex-ministro da Fazenda Pedro Malan sobram estilhaços), Delcídio procura algum nível de apoio para tirar ele da fritura que o PT o colocou desde a sua prisão em novembro de 2015. Entre o desespero de deixar a vida por trás das grades e o cálculo do risco de se ver sob fogo de todos os lados, resolveu juntar inimigos.

Porém, existe um fato especial a se contar. Devido ao foro privilegiado de senador, Delcídio será julgado pelo STF, onde a Lava Jato tramita soba relatoria de Teori Zavascki, e investigado por Rodrigo Janot e a PGR, no lugar de ser julgado por Sérgio Moro e investigado pela força-tarefa do MPF paranaense. Isso pode não ser uma vantagem certa – não existe instância de recurso superior ao STF, acabou, tá acabado –, mas pode dar tempo e equilíbrio ao processo.

Se cai todo mundo, como ele parece querer, ou se ele vai sozinho, dependem agora da capacidade de investigação da Procuradoria Geral da República.

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