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Os Irlandeses Tomaram as Ruas de Dublin para Protestar Contra a Austeridade

A população não ficou nem um pouco feliz com as novas taxas extras pelo uso da água – uma questão que se consolidou como um sentimento contra a austeridade em geral.

Dezenas de milhares de pessoas saíram às ruas de Dublin na semana passada para mostrar seu descontentamento com o governo. A população não ficou nem um pouco feliz com as novas taxas extras pelo uso da água – uma questão que se consolidou como um sentimento contra a austeridade em geral.

Grupos comunitários formados por jovens famílias e aposentados marcharam pelo centro pacificamente. A cidade foi sendo lentamente paralisada enquanto várias manifestações de todo o país se misturavam no coração da capital, ao lado do Trinity College.

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As estatísticas do protesto variaram muito. Os organizadores disseram que 100 mil pessoas participaram. Já a a TV estatal irlandesa deu uma estimativa de 30 mil.

Enquanto os manifestantes faziam piada com os ônibus parados, a polícia reuniu seu músculos para mostrar quem estava no comando.

A Unidade de Ordem Pública (mais conhecida como tropa de choque) fechou a Kildare Street, a entrada para o principal prédio do Parlamento irlandês, a Leinster House. As pessoas xingaram as fileiras policiais que as encaravam sob uma faixa da Força Tarefa de Despejo, um grupo que tenta impedir que oficiais de justiça expulsem pessoas pobres de suas casas.

As pessoas começaram a se juntar na entrada principal da Leinster House, mas a polícia impediu que elas fossem além, o que irritou todo mundo. Virei-me para ver quem estava gritando "Foda-se os porcos, bastardos fascistas" e vi uma velhinha segurando uma faixa e xingando os policiais.

Enquanto os aposentados lançavam ofensas contra os agentes da lei, o principal grupo de manifestantes se reuniu no palco montado ao lado da Leinster House pelo grupo Right2Water – os organizadores do protesto.

Porta-vozes das comunidades fizeram discursos, gritando "traidores" para os políticos no prédio do Parlamento ao lado. Brendan Ogle, um polêmico presidente de sindicato e novo melhor amigo de Russell Brand, foi o mestre de cerimônia e fez piadas com os cartazes engraçadinhos de alguns manifestantes, coisas como "Desisti do sexo, o governo me fode todo dia". Bandas irlandesas tocaram e as pessoas leram poemas enquanto Brendan xingava o governo trancado no prédio ao lado. Num breve momento de silêncio, a multidão relembrou Jonathan Corrie, um sem-teto que morreu em frente ao Parlamento na semana retrasada.

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Gerry Adams subiu ao palco gritando que ninguém ia dar direitos às pessoas – o povo irlandês é que tinha que tomá-los. Adams lidera o partido Sinn Féin e é uma das figuras mais polarizadoras da política irlandesa. Muitos olhavam desconfortavelmente para o chão enquanto outros gritavam "Vai Gerry, Vai Gerry" à la Jerry Springer.

O protesto foi agitado, mas o clima era relativamente familiar, com uma boa porção de idosos e crianças. Mesmo assim, a polícia parecia estar esperando o Armagedom. Isso porque um moleque esvaziou os pneus do carro de um ministro algumas semanas atrás em Dublin. Isso levou a mídia irlandesa a afirmar que o movimento estava infiltrado por "dissidentes" e "elementos sinistros", o que, por sua vez, levou a um boicote à Independent News Media (INM) – a maior companhia de meios de comunicação do país. A INM é parcialmente propriedade do magnata Denis O'Brien, a coisa mais próxima que o país tem de um oligarca. Uma de suas companhias gerencia a medição de consumo de água no país e outra fabrica as barreiras que separavam a polícia dos manifestantes em frente à Leinster House.

Em certo ponto, o historiador Lorcan Collins comparou O'Brien a William Martin Murphy, o primeiro barão da imprensa da Irlanda, que impedia trabalhadores sindicalizados de encontrar emprego. A esquerdista veterana Claire Daly apontou que, um dia, poderíamos contar para nossos filhos e netos sobre a vez em que ajudamos a mudar a Irlanda. Mas ninguém ia precisar, já que as crianças estavam ali mesmo, cercadas pela tropa de choque e comendo salgadinho.

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Em meio a brincadeiras e cartazes obscenos, Gerry Adams parou para tirar uma selfie com um cara vestido de Papai Noel com uma torneira gigante na cabeça.

De volta à Kildare Street, um policial prendeu um cara que pulou as barricadas enquanto a multidão gritava "Enda Kenny, not a penny", se referindo ao primeiro-ministro irlandês e às taxas de austeridade. A Unidade de Ordem Pública deve ter ficado desapontada, já que nada além disso aconteceu.

Paul Murphy, do Partido Socialista, e Mary Lou McDonald, do Sinn Féin, falaram para um multidão mais moderada na Merrion Square. É interessante notar que Murphy foi um dos poucos políticos a se declarar publicamente contra a taxa d'água – Mary Lou e outros membros do Sinn Féin não tinham se manifestado contra isso até que o discurso público mudou.

O protesto se espalhou para outras partes da cidade, com gente bloqueando as ruas Quays e O'Connell, para desgosto da drag queen Panti, que tuitou que os manifestantes deviam deixar as pessoas que estavam nos ônibus voltarem para casa.

A polícia seguiu os manifestantes pela O'Connell Street, onde pequenos confrontos começaram entre um punhado de manifestantes e uma dezena de policiais.

Os protestos recentes representam anos de austeridade e a fúria dos irlandeses com a paisagem política atual. Pesquisas de intenção de voto mostram o Sinn Féin na liderança, mas, se as eleições fossem antecipadas, candidatos independentes ficariam com uma boa parte do Parlamento irlandês, mostrando uma guinada acentuada para a esquerda.

Brendan Ogle falou comigo sobre o futuro político de um país que perdeu a fé em seus líderes. "O sistema de partidos fracassou para as pessoas, e é por isso que há tantos candidatos independentes surgindo. A esquerda vem sendo demonizada há muito tempo. Você não ouve ninguém falar sobre sobre a 'direita radical', e há muito mais lunáticos desse lado", acusou.

Mas esse descontentamento só está aumentando. Isso se manifesta no distanciamento dos eleitores dos dois partidos principais (Fianna Fáil e Fine Gael), assim como no surgimento de candidatos independentes e nos protestos nas ruas. A próxima manifestação nacional está marcada para 31 de janeiro.

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Tradução: Marina Schnoor