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Perguntamos a um Especialista Militar o que Aconteceria se Houvesse uma Guerra no Espaço

A ideia de que veremos alguma forma de campanha militar espacial não parece mais tão absurda.
Ilustração por Sam Taylor.

No começo do mês, no Space Symposium deste ano, membros do exército norte-americano declararam, discreta porém claramente, sua preocupação com a guerra chegando ao espaço. Logo depois de oficiais anunciarem que o Pentágono estava tentando conseguir US$ 5,5 bilhões para construir sistemas de defesa espaciais até 2020, a Secretária da Força Aérea Deborah Lee James admitiu que, observando o padrão moderno da exploração espacial, os EUA acreditam estar enfrentando novas ameaças a tudo que o país possui no espaço.

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"Precisamos estar prontos", disse James, de acordo com a National Defense Magazine. "Precisamos nos preparar para conflito potencial, que pode chegar ao espaço algum dia."

E isso não é apenas conversa fiada de um canto do governo. Neste ano, o Congresso Americano pediu à Secretaria da Defesa e ao Diretório da Inteligência Nacional para começar a estudar armas espaciais ofensivas, além dos sistemas de defesa. Os fundos alocados para esses estudos não são enormes – mas o próprio conceito de se incentivar abertamente a militarização do espaço é um desenvolvimento interessante.

Desde 1967, quando os EUA e a URSS assinaram o Tratado do Espaço Exterior, proibindo expressamente o uso de armas nucleares fora da esfera terrestre e estabelecendo uma norma de contenção e pacifismo para preservar a infraestrutura vital dos satélites, a maioria via o espaço como uma zona neutra. Acontece que nada no Tratado do Espaço Exterior realmente proíbe a militarização do espaço, significando que, desde que ninguém utilize bombas nucleares lá em cima, qualquer forma de brutalidade extraterrestre está permitida. E a maioria das nações tem se mostrado ansiosa para manter essa opção aberta, se recusando a assinar tratados subsequentes com linguagem mais rigorosa restringindo a militarização de satélites e espaçonaves.

Testes recentes com armas espaciais realizados pela China trouxeram o assunto à tona nas agendas de segurança e defesa. Desde 2007, a China tem testado abertamente sistemas de armas antissatélite, explodindo com sucesso suas naves defuntas e ameaçando a infraestrutura orbital da qual a maioria dos exércitos modernos depende. Por sua vez, os EUA e a Rússia vêm testando uma variedade de tecnologias ofensivas e defensivas; além disso, outras nações, como a Índia, estão se esforçando para se juntar à corrida armamentista espacial.

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Agora, a ideia de que veremos alguma forma de campanha militar espacial não parece mais tão absurda. Todo mundo é discreto com os detalhes, mas é fácil preencher as lacunas com cenas de Guerra nas Estrelas. Para ter um senso mais realista de como a guerra no espaço pode acontecer, falei com Brian Weeden, consultor técnico sobre questões espaciais da Secure World Foundation e ex-oficial das Forças Aéreas Americanas. Brian é especializado em mísseis balísticos intercontinentais e programas espaciais.

VICE: Acordo amanhã e vejo a manchete "Começa o Conflito Espacial!". Como você explicaria isso?
Brian Weeden: Se você visse uma manchete dessas, provavelmente significaria que os repórteres não estão fazendo seu trabalho direito. Não vamos ver um conflito no espaço [apenas], assim como você não vê um conflito apenas no ar ou na terra. O que veremos – provavelmente num futuro próximo – é um componente espacial de um conflito na terra. Assim como existem componentes aéreos e marítimos.

Como um conflito convencional viraria uma ameaça espacial?
Pelo fato de que militares envolvidos num conflito na Terra estão usando satélites e capacidades espaciais. Por exemplo: no momento, o exército americano usa munição guiada de precisão. Quase todas essas munições são guiadas por GPS, que são satélites que orbitam a Terra e fornecem um sinal que permite que a munição saiba onde está e aonde precisa chegar. Quase todos os exércitos hoje usam comunicação por satélite. Um número cada vez maior de exércitos está usando satélites para conseguir informações de inteligência.

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Mas já vimos muitos planos no passado de se atacar a terra do espaço. Nunca vamos ver algo assim?
Provavelmente, não. EUA e URSS pressionaram pelo [Tratado do Espaço Exterior] porque viram que colocar uma arma nuclear em órbita seria muito desestabilizador. Houve um teste nuclear chamado Starfish Prime [em 1962], que detonou uma ogiva nuclear de 1,2 megaton na órbita da Terra, e isso matou quase um terço dos satélites em órbita naquele momento, incluindo alguns satélites americanos. Então, todo mundo percebeu que detonar qualquer coisa em órbita não era uma boa ideia.

Mas não estamos falando necessariamente de bombas nucleares. O plano "Rods from God" queria disparar grandes pedaços de metal do espaço para explodir coisas na Terra.
Quando os militares começaram a pensar no espaço nos anos 50 e 60, eles pensaram em coisas realmente loucas, mas logo perceberam que a maioria não daria certo ou não era prática do ponto de vista militar. A física do espaço coloca certas barreiras no que é possível – e mesmo que algo seja possível, pode ser uma solução de engenharia complicada demais.

Uma guerra espacial poderia ser inteiramente baseada em satélites para a Terra então? Ou poderia haver uma guerra somente no espaço?
[Tal conflito] provavelmente seria uma combinação dessas duas coisas. Na última década e meia, temos visto muitas demonstrações de operações de encontro e proximidade (POR, em inglês), nas quais você tem um objeto no espaço e muda sua órbita para que isso se aproxime de outro objeto em órbita. É o mesmo que fazemos com a Estação Espacial Internacional toda vez que enviamos mantimentos, só que roboticamente. [Isso pode ser usado para] reabastecer satélites, fazer manutenção das partes. Mas também significa que você pode ir até lá e quebrar coisas, cortar coisas, todo tipo de ação ruim.

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Ou seja, atacamos satélites. Qual o dano disso no espaço e para as nações envolvidas?
Depende. O mais provável é que isso envolva métodos não cinéticos no começo: embaralhamento, hackeamento, falsificação. É algo relativamente fácil de se fazer. Se você tem um satélite de comunicação, você pode embaralhar sua comunicação muito mais facilmente do que mandar algo para matar o satélite. Se você tem um satélite óptico fazendo imagens, você pode acertar isso com um laser, atrapalhar suas câmeras. Se o satélite não conseguir ver suas tropas, você provavelmente resolveu seu objetivo militar.

Tenho quase certeza, apesar de não haver como provar isso ainda, de que todo conflito nos últimos dez anos teve um componente espacial envolvendo embaralhamento, hackeamento e falsificação. Isso geralmente não tem um efeito cascata. A função do satélite continua normal. Você não o está danificando. Você só bagunça suas funções militares.

O próximo nível seria ataque cinético, em que você tenta destruir ou danificar o objeto. Alguns desses [ataques] podem não ter um grande efeito. Se você tiver um laser poderoso o suficiente para queimar um buraco numa parte crítica de um satélite, para o deixar inoperante, o satélite em si não seria útil – ele não explodiria em um milhão de pedaços.

O tipo mais preocupante seria um ataque hipercinético, em que você colidiria com um satélite em alta velocidade, obliterando isso em milhares de pequenos pedaços. Dependendo de em qual órbita o satélite estiver, todos esses pedaços podem ficar ali por muito tempo, oferecendo risco de colisão para tudo que estiver na região.

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Isso não seria uma destruição mútua?
Não necessariamente, porque nem todo país é tão dependente de satélites. E é por isso que você ouviu dizer que os EUA estão cada vez mais preocupados com as capacidades antissatélite da China. Apesar de a China ter muitos satélites, de estar construindo muitos satélites e começando sua própria militarização do espaço, os EUA são muito mais dependentes do espaço para sua segurança nacional do que a China.

Por que passaríamos de ataques não cinéticos a ataques cinéticos?
Deixa eu te dar um cenário: Estreito de Taiwan, uma tensão realmente alta, tudo vai resultar em conflito. Digamos que há um porta-aviões na área, e os EUA ficam sabendo que a China está pronta para lançar um míssil balístico para afundá-lo. A parte-chave da mira desse míssil é um satélite. Então, nesse caso, o comandante americano pode decidir derrubar um ou mais dos satélites exigidos para se mirar o míssil.

E para ataques cinéticos maciços?
Não consigo pensar numa razão, honestamente. Se um satélite explode na faixa geoestacionária, o maior nível orbital, os detritos vão ficar ali para sempre. E isso vai ser muito ruim.

Há alguma nova tecnologia vindo por aí que poderia mudar as táticas da guerra no espaço para outra coisa além de se atacar satélites do chão ou no espaço?
A única coisa em que consigo pensar são lasers. As pessoas vêm falando de armas a laser há muito tempo. O maior problema é a geração de energia. Isso pode mudar, porque painéis solares estão se tornando muito mais eficientes e poderosos. As tecnologias de lasers e eletrônicos estão cada vez melhores. Isso pode mudar o jogo.

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Qual a possibilidade de vermos um grande conflito espacial nas nossas vidas, fora satélites hackeados? Quão nervoso devo ficar?
Acho que é mais provável que vejamos um incidente não militar do que um militar: eventos naturais, como tempestades solares, e satélites sendo derrubados por pedaços de detritos ou mesmo por acidente.

A única ressalva ao meu pessimismo da probabilidade de um ataque cinético: se houver um grande conflito convencional – estamos falando de uma luta pela sobrevivência –, então todas as apostas estão abertas.

OK.
Desculpe se isso não é uma questão de lasers e estações de batalha espaciais. Mas é pra isso que existe a ficção científica.

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Ilustração por Sam Taylor. Siga-o no Twitter.

Tradução: Marina Schnoor