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Poder, Fantasia e Brigas de Gangue: o Jornalista Iain Overon Examina a Cultura das Armas ao Redor do Mundo

As armas mudam as pessoas. Quando um homem tem uma arma na mão, ele se torna outra pessoa – todo o mecanismo de poder muda.

"Há este mundo enorme e diverso ao redor das armas. Parte escuro, parte claro."

É assim que o jornalista e ativista Iain Overton apresenta seu novo livro, Gun Baby Gun, para mim. É uma narrativa romântica que não posso deixar de questionar. De acordo com o site gunpolicy.org, armas de pequeno porte matam mais de mil pessoas globalmente todos os dias, ferindo milhões mais. Até o momento, apenas nos EUA, foram 12.124 incidentes relacionados à violência armada neste ano. O que exatamente existe de "claro" nisso?

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Em Gun Baby Gun, Overon aborda essa questão – e as muitas outras questões que abundam sobre o tópico de porte de armas – não academicamente, mas nos levando por uma jornada por 25 países, onde ele investiga a violência armada no nível das ruas. Em suas próprias palavras, o livro "detalha uma sequência de momentos horríveis e minha resposta a esses momentos".

Conversei com Iain por telefone assim que ele voltou de uma CCW (uma Convenção de Armamentos Convencionais) da ONU em Genebra, onde ele tinha palestrado sobre o impacto de explosivos improvisados ao redor do mundo.

VICE: Oi, Iain. Qual a história por trás do livro?
Iain Overton: O AOAV [Action on Armed Violence, o grupo do qual Iain é diretor de políticas e investigações] se foca em medir e monitorar o impacto de armas explosivas pelo mundo, mas menos em analisar o uso generalizado de armas de pequeno porte. A proliferação dessas armas foi altamente debatida 15 anos atrás, mas acabou sendo deixada de lado na agenda. Há o Tratado de Comércio de Armas Tradicionais, mas isso não aborda realmente essa questão em particular.

Eu queria revigorar esse debate. Meu livro é uma combinação de experiências passadas como jornalista, experiências ao vivo – em termos de ir até outros países como escritor do livro – e uma análise geral dos desafios que o mundo enfrenta quando se trata de combater armas de pequeno porte. Mas não é um livro acadêmico.

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Logo, seu livro foca exclusivamente em questões relacionadas a armas?
Sim. O verdadeiro dano vem de armas de mão; nos EUA, em 2013, essas foram as responsáveis por 91% dos homicídios com armas de fogo em que o tipo de arma era conhecido. Explosivos são usados principalmente em zonas de conflito, mas a grande maioria de mortes por violência armada ocorre em áreas com guerras de gangue ou está relacionada ao tráfico de drogas.

Como você escolheu os 25 países sobre os quais você fala no livro?
Viajei durante o ano de 2014. Fui a uma dezena de países especificamente para escrever o livro: EUA, México, Paquistão, El Salvador, Honduras, Islândia, Alemanha, França, Israel, Turquia e Ucrânia. Estive nos outros países durante minha carreira: Iraque, Colômbia, Somália, etc.

Escolhi Honduras porque a cidade de San Pedro Sula, fora as zonas de guerra, tem a reputação de ser a mais perigosa do mundo [em 2013, a taxa de assassinatos foi de 173 mortes por 100 mil habitantes, quase seis homicídios por dia apenas nessa região municipal]. Escolhi o México porque Ciudad Juarez foi, por muitos anos, a cidade mais violenta da Terra. Ironicamente, ela fica perto de El Paso, uma das cidades mais seguras dos EUA. Israel é a nação mais militarizada do planeta.

A Ucrânia – apesar de eu não ter ido ao leste, mas a Odessa – é o epicentro do contrabando vindo da Federação Russa. Desde a queda do comunismo, a Ucrânia emergiu como o principal lugar onde você encontra bens ilícitos e armas pós-soviéticas. Há uma enorme quantidade de armamentos de pequeno porte exportados da Ucrânia. Eu queria ver que tipo de medidas de controle eles tinham para impedir a corrupção, mas não encontrei muitas.

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Como você relaciona a violência por armas de fogo e as regulamentações de porte?
É o porte ilegal de armas que impulsiona a violência armada. Posse legal impulsiona o suicídio: os EUA têm o maior número de armas de porte legalizado per capita no mundo e também tem as maiores taxas de suicídio com arma de fogo no mundo. Lugares como El Salvador têm taxas muito maiores de porte ilegal de armas e resultados muito maiores de violência.

O que você acha da questão sobre porte de armas nos EUA?
Não sou totalmente contra as armas em si. Acho que existe um papel para a caça e atividades esportivas com armas. O desafio está na regulamentação. Por exemplo, a Islândia tem uma das maiores taxas de porte de armas, mas nenhuma morte por arma de fogo. Isso porque os níveis de controle são altos: há processos pelos quais você tem de passar para poder ter uma arma. O país também tem um dos menores níveis de tráfico e criminalidade no geral, além de um sistema legal liberal – todas essas coisas contribuem para que a Islândia não tenha uma violência armada potencial. Os EUA, por outro lado, têm um sistema legal punitivo, com a segunda maior taxa de encarceramento per capita no mundo.

O porte de armas em si é incrivelmente generalizado nos EUA, e muitas pessoas possuem armas sem se registrarem perante as autoridades estaduais. Então, pessoas com problemas mentais podem colocar as mãos em armas, e é por isso que você vê tantos atentados com atiradores. Não sou contra as armas, mas sou contra um controle relaxado de porte.

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Acho que a Segunda Emenda da Constituição Americana não é mais um problema dos EUA, mas uma questão global: o direito de portar armas teve uma consequência significativa na proliferação de armas de pequeno porte no México, na América Central e no Caribe. As políticas norte-americanas também influenciam muito políticas internacionais na ONU e o debate do controle de armas de pequeno porte no mundo.

Para saber mais sobre armas, assista a nosso documentário Guns in the Sun:

Vendo os eventos recentes, você acha que isso influencia o modo como a força policial norte-americana usa armas de fogo de modo abusivo?
Os EUA têm uma abordagem muito pesada na resposta à violência: um policial pode atirar se se sentir ameaçado. Há uma quantidade enorme de pessoas sendo mortas todo ano pela polícia americana. Ações de times da SWAT têm sido muito mais frequentes. Times da SWAT têm invadido barbearias e bares gays. Há uma militarização acontecendo, o que aumenta o terror dos dois lados.

No livro, você fala sobre "estrelas pornô aparecendo como atiradoras em filmes XXX". Fale mais sobre isso.
[Risos] Sim, eu estava me referindo a Stoya, uma atriz pornô americana que foi retratada como uma franco-atiradora num filme pornô. Ela odeia armas, mas o diretor disse que isso era uma "fantasia masculina". Eu realmente acho que isso é uma fantasia masculina. Os homens estão questionando seu papel na sociedade hoje em dia – há toda uma questão em torno da metrossexualidade. Se você digitar no Google "gatas e armas", você encontra várias coisas. Havia toda essa coisa nos anos 80 de mulheres de biquíni disparando fuzis. Falando no geral, a grande maioria das pessoas que atiram são homens. Acho que há uma fetichização dos atiradores em muitos conflitos. Isso toca em inseguranças masculinas profundas; se você tem uma arma, você está no controle.

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Quais foram os eventos mais chocantes que você testemunhou durante a jornada para escrever o livro?
Fiquei sob a mira de uma arma três vezes. Todos momentos de terror absoluto. Na Papua-Nova Guiné, minhas roupas foram tiradas de mim. Eu estava temendo pela minha vida naquele ponto; então, experimentei muito medo com a sensação do cano da arma contra a minha cabeça.

Encontrei crianças-soldado cujas vidas giravam em torno do porte de armas. Vi meninos de 12 anos carregando fuzis semiautomáticos. Minha experiência em San Pedro Sula foi uma das mais poderosas: em cinco dias, vi mais de dez corpos em lugares diferentes. Você percebe quão dramaticamente casual a morte pode se tornar. Foi um grande quadro de horrores.

O que você tirou dessas experiências?
As armas mudam as pessoas. Quando um homem tem uma arma na mão, ele se torna outra pessoa – todo o mecanismo de poder muda. Quando alguém saca uma arma, uma eletricidade surge no ar automaticamente. Você está subordinado à pessoa, porque ela pode usar isso em qualquer um.

É algo que testemunhei várias vezes: quando a polícia, os militares e criminosos usam suas armas, vi a transformação em seus rostos e em seus movimentos corporais. Armas são objetos transformadores – uma pessoa desesperada com um revólver tem muito mais chance de atirar na própria cabeça, enquanto alguém com medo tem muito mais chance de atirar em outra pessoa. Uma arma trabalha como um acelerador e um intensificador de emoções específicas.

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Que mudanças você espera ver num futuro próximo?
Meu argumento no livro é que deveria haver um controle maior nas vendas e que os fabricantes de armas deveriam ser responsabilizados. Acho que muito mais poderia ser feito na regulamentação para garantir que a venda de armas de pequeno porte não aconteça em países com taxas significativas de abuso.

Mas um dos desafios é que tentativas passadas na regulamentação de vendas foram comprometidas por EUA, Rússia e China: os três maiores fabricantes de armas do mundo. Acredito que o debate sobre os danos causados por armas de pequeno porte deve recomeçar, e precisamos de uma análise global dos danos de armas de pequeno porte. Mas a raiz básica para começar esse debate é saber quantas pessoas estão sendo baleadas – nós não sabemos isso.

Gun Baby Gun foi lançado no dia 16 de abril no Reino Unido.

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Tradução: Marina Schnoor