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Por Dentro do Caos, da Fúria e da Confusão que Consumiram Baltimore na Noite Passada

A tensão entre a polícia e os membros da comunidade negra de Baltimore entrou em colapso na noite de segunda-feira (27) após protesto por causa da morte de Freddie Gray ter se tornado um verdadeiro campo de batalha.

Enquanto caminhava pelas ruas de West Baltimorena noite de segunda-feira, vi pequenos opiáceos verdes espalhados pela calçada: pílulas deixadas para trás quando a farmácia CVS local foi saqueada horas antes. O ar parecia espesso e úmido – a polícia tinha usado gás lacrimogêneo perto da estação de metrô Penn-North. Às 18h15, nuvens de fumaça começaram a sair da farmácia vazia, que logo se encheu de chamas. Em certo momento, os manifestantes cortaram a mangueira que estava sendo usada para combater o fogo.

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Fora alguns jovens ativistas com cartazes de "Justiça para Freddie Gray", a maioria das pessoas reunidas ali não eram manifestantes. A maior parte dos cidadãos de Baltimore nas ruas estava apenas fotografando e assistindo aos eventos como espectadores.

Diferentemente dos protestos de sábado, quando milhares de pessoas marcharam, gritaram e discursaram sobre responsabilidade e justiça para Freddie Gray (morador da cidade, esse homem negro de 25 anos sofreu, no começo do mês, uma fratura fatal na espinha enquanto estava sob custódia da polícia), a segunda-feira pareceu perigosamente caótica.

Na esquina da North Avenue e Pennsylvania, a apenas 800 metros de onde o funeral de Freddie Gray aconteceu mais cedo, dois veículos da Administração de Trânsito de Maryland foram queimados. Uma viatura da polícia estava no meio da rua alguns metros à frente – com todos os vidros quebrados. Às 21h, o governador de Maryland, Larry Hogan, tinha mobilizado a Guarda Nacional, a prefeita Stephanie Rawlings-Blake anunciou que haveria um toque de recolher às 22h por uma semana e todas as escolas públicas tiveram as aulas canceladas até terça-feira. A cidade foi oficialmente declarada em "estado de emergência".

Saba Nazeer, um morador local que trabalha com a Right to Housing Alliance, uma organização de justiça habitacional de Baltimore, apareceu para assistir um impasse entre estudantes do ensino médio e a polícia. A polícia sabia onde encontrar os adolescentes, pois um panfleto circulara mais cedo nas redes sociais chamando os estudantes para um "expurgo" no shopping depois da aula. (O colégio Frederick Douglass fica do outro lado da rua do Mondawmin Mall.)

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Dezenas de policiais estavam esperando cerca de 75 pessoas que apareceram. A situação se tornou violenta rapidamente. Estudantes jogaram tijolos, pedras e garrafas na polícia; os agentes da lei usaram gás de pimenta e lacrimogêneo contra os manifestantes. Quinze policiais foram feridos nos enfrentamentos pela cidade; seis deles, seriamente, sendo dois hospitalizados na noite de segunda.

"Esses garotos queriam lutar por seus bairros e querem justiça não apenas para Freddie Gray, mas para todos aqueles de sua comunidade que morreram nas mãos da polícia", disse Nazeer, defendendo os estudantes. "Vi isso o dia inteiro: a polícia está tentando amedrontar as comunidades, eles assediam essas pessoas. Eles fazem isso há décadas. E as pessoas estão cansadas disso."

Falando na noite de segunda-feira, horas depois do enterro, a mãe de Freddie Gray, Gloria Darden, pediu o fim da violência. "Eu quero justiça para o meu filho", ela afirmou. "Mas não do jeito que isso está acontecendo aqui."

Um diálogo nacional sobre brutalidade policial começou nos EUA depois das mortes de Michael Brown e Eric Garner no ano passado, mas os excessos da polícia local em Baltimore são um problema antigo. Uma investigação do Baltimore Sun, publicada em setembro, mostrou que a cidade pagou US$ 5,7 milhões em julgamentos e acordos em casos de suposta brutalidade policial e violações de direitos civis desde 2011. Mesmo antes da morte de Gray, a cidade já era assombrada por dois incidentes recentes nos quais homens negros desarmados morreram sob custódia da polícia: Tyrone West , em 2013, e Anthony Anderson, um ano antes. Os policiais não foram acusados em nenhum dos casos.

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Desde a morte de West em julho de 2013, membros da comunidade de Baltimore têm se reunido em frente à prefeitura toda quarta-feira para pedir que os policiais sejam acusados de homicídio. (Esses protestos semanais são conhecidos localmente como "West Wednesdays".) Ativistas continuam contando: segunda-feira marcou 648 dias desde a morte de West. Apesar de uma revisão independente, publicada em agosto, ter determinado que a polícia não usou força excessiva, alguns ainda insistem que viram os policiais chutarem West na cabeça, o arrastarem pelos dreads e baterem nele com cassetetes.

Em setembro, um vídeo chocante emergiu em que aparecia um policial de Baltimore socando repetidamente um homem. Sem poder ignorar a filmagem, a prefeita Rawlings-Blake prometeu desenvolver um plano "abrangente" para abordar a brutalidade policial na cidade. Mas, algumas semanas depois, ela vetou uma lei que exigia que os policiais da cidade usassem câmeras nos uniformes. Rawlings-Blake falou que apoiava a lei, porém sentia que a legislação específica proposta não estava dentro da autoridade do Conselho Municipal.

Freedie Gray foi preso em 12 de abril depois de fazer contato visual com a polícia e fugir, mas, mais de duas semanas depois, o público ainda não sabe nenhum detalhe significativo de como ele recebeu o ferimento fatal. (Ele morreu no dia 19 de abril.) Na semana passada, o comissário de polícia de Baltimore, Anthony Batts, admitiu que Gray não estava usando cinto de segurança quando a polícia o colocou na van, apesar de estar algemado pelos pés e mãos, e apontou que os vários pedidos de Gray por ajuda médica foram ignorados. No entanto, outras descobertas do departamento de investigação interna ainda não foram publicadas. Mais informações devem ser divulgadas em 1º de maio – um prazo que Batts definiu para compartilhar descobertas com a Promotoria de Baltimore.

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"Esse é um caso em que câmeras no uniforme certamente teriam sido úteis", frisou Peter Moskos, ex-policial de Baltimore e professor do John Jay College of Criminal Justice. "Teríamos uma ideia muito melhor do que realmente aconteceu e saberíamos muito mais rápido." (Uma filmagem de celular de um pedestre mostra Gray se contorcendo em agonia enquanto a polícia o leva.)

O Baltimore Bloc, um grupo ativista de base de Baltimore, anunciou que está planejando outro protesto por Freddie Gray na tarde de quinta-feira, às 15h. Eles me contaram que o coletivo está em "modo de resposta de emergência" nas últimas duas semanas e que eles pretendem definir mais planos de longo prazo eventualmente. O "ritmo e a emoção têm nos deixado com menos tempo do que o normal para criar estratégias", ele explicou. Mas logo eles se juntarão a outros grupos locais para "voltar a atenção para o próximo passo, incluindo uma estratégia legislativa em nível estadual e organização para as eleições municipais de 2016".

Numa entrevista coletiva na noite de ontem, a prefeita Rawlings-Blake se referiu aos revoltosos de segunda como "bandidos", os quais estavam insensatamente "tentando destruir o que tantos lutaram para erguer". Cerca de 200 prisões foram feitas até a manhã de terça-feira. Brandon Scott, um vereador da cidade, afirmou: "Não podemos deixar isso ser uma repetição de 1968". Ele se referia às revoltas violentas que se seguiram ao assassinato de Matin Luther Kink Jr. "Adultos têm de se levantar e ser adultos."

As tensões entre líderes políticos, polícia e membros da comunidade não dão sinais de que esfriarão tão cedo, mas vários esforços de limpeza comunitária em West Baltimore estão sendo organizados nas redes sociais hoje. Um grupo vai se encontrar na estação de metrô Penn-North às 10h, e outro vai começar às 14h na Universidade de Baltimore. Os organizadores pediram que os voluntários tragam as próprias luvas, além de sacos de lixo, vassouras e alimentos.

Rachel M. Cohen trabalha como escritora para The American Prospect e como jornalista freelance em Baltimore. Siga-a no Twitter.

Tradução: Marina Schnoor