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Edição de Moda 2012

Rico, Chique e Escandaloso

Cardin pode ser velho o suficiente para ter atingido o status de lenda viva, mas ainda é afiado como uma tachinha feita sob medida.

 Fotos por Matthew Frost

Pierre Cardin é um daqueles nomes que todo mundo conhece, mesmo que não faça ideia de como ele é ou quem ele seja. Para os desinformados, ele é um estilista e o homem por trás de uma das logomarcas mais famosas da moda — o emaranhado PC presente em mais 800 produtos: gravatas, bicicletas dobráveis, estofamento de carro, chocolates, cigarros, baldes de gelo, frigideiras… Deu para ter uma ideia?

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Cardin, hoje com 89 anos, começou sua carreira como alfaiate de moda masculina na cidade francesa de Vichy e se tornou um dos primeiros estilistas do prêt-à-porter antes de criar alguns dos looks mais audaciosos da era espacial sessentista. Nas décadas que se seguiram, ele se transformou num dos estilistas mais famosos e comercialmente bem-sucedidos do mundo, conseguindo contratos de licenciamento milionários para perfumes, cosméticos, roupas e qualquer coisa que pudesse estampar seu onipresente logo em lugares como Rússia, Japão, China e Índia. Em todo o seu aparentemente apogeu infinito, ele permaneceu sendo um enfant terrible incitador de polêmica, recusando-se insolentemente a definir sua sexualidade em público, mesmo depois de surgirem boatos de um caso com sua linda modelo Jeanne Moreau e com seu lindo assistente Andre Oliver. Mesmo nos dias de hoje, como qualquer estilista de moda que se preze, Cardin segue fazendo coisas que incomodam as pessoas, e também tem feito isso no estranho mundo do mercado imobiliário. Ele passou a última década restaurando o famigerado castelo do Marquês de Sade no sonolento vilarejo de Lacoste, no sul da França, e comprou todas as propriedades ao seu redor (irritando alguns moradores nesse processo). Ele também está planejando construir um enorme complexo residencial de luxo ao estilo Dubai em Veneza, projetado por ele mesmo, é claro. Apesar de toda sua riqueza, o poderoso assento de Cardin reside em um escritório desleixado no oitavo arrondissement de Paris, que eu visitei em uma manhã clara de janeiro. O chão estava tomado de clipes de papel, documentos amassados e caixas de papelão apinhadas de efemeridades, e as paredes estavam adornadas com fotos emolduradas e recordações: Cardin com Fidel Castro, Papa João Paulo II e com basicamente todas as figuras históricas do século XX. “Conheci todos”, diz, sem falsa modéstia. “Sou a pessoa que está há mais tempo na moda, há 70 anos. Sou a pessoa de quem ainda se fala.” Quando encontrei Cardin ele estava surpreendentemente amarrotado, vestindo um blazer azul, camisa, gravata e calça cinza. Os sapatos – mocassins pretos desenhado para oferecer o máximo conforto — denunciam sua idade. Enquanto conversávamos, ele transitava fluida e fluentemente entre inglês e francês, andava pela sala apanhando fotos antigas em caixas de sapato e mostrava cópias da sua revista obcecada pela realeza europeia, a Princes. Cardin pode ser velho o suficiente para ter atingido o status de lenda viva, mas ainda é afiado como uma tachinha feita sob medida. VICE: O senhor apareceu recentemente na mídia pela transformação que fez em Lacoste. Parece que irritou todos os moradores de lá, como se o Marquês tivesse voltado para perturbar o idílio rural deles.
Pierre Cardin: O castelo tinha sido abandonado e estava fadado a virar ruína antes de eu chegar. Agora, está lindo. Tem algumas pessoas que ficaram com inveja porque fiz muita coisa pelo lugar. Lacoste tem galerias e um festival anual por minha causa. Tem muita atividade. Talvez alguns moradores tenham ficado chateados porque são muito velhos. O senhor acha que eles ficaram surpresos por alguém mais ou menos da mesma idade — ou talvez até mais velho — ter sido o responsável por tanto barulho?
Bem, não mencionaram isso. Cheguei como um míssil atirado na cena, e tumultuei tudo, então eles ficaram agitados. Agora a maioria está começando a entender minhas boas intenções. O senhor gosta de chocar as pessoas, não gosta? Seja enfrentando os moradores de Lacoste ou comprando o respeitado e tradicional restaurante parisiense Maxim’s e transformando seu nome em marca. Parece sempre estar acompanhado de alguma polêmica.
Não tenho medo de provocar. Você precisa surpreender. Se uma ideia é boa, as pessoas devem se incomodar com ela. Isso aconteceu com as minhas roupas. Quando um design é bonito ou decorativo, ele é passivo e se torna uma questão de gosto: goste ou não. Abomino a frase “ele tem bom gosto”. Ela não tem sentido. Quem se importa? Obviamente, o senhor não se importa. Algumas pessoas do mundo dos perfumes ficaram bem aborrecidas alguns anos atrás quando o senhor colocou a marca PC em sardinhas em lata.
Eu sobrevivi à guerra! Passamos fome! É ridículo que alguém que faz perfumes não possa ter um negócio de sardinhas. Você não pode viver de perfume. Se quero ter sardinhas Pierre Cardin, então terei. Na época em que o senhor nasceu em Veneza, os futuristas italianos estavam dizendo coisas como: “Não queremos nada com o passado!”. Parece que o senhor internalizou esse sentimento quando era muito jovem.
Com certeza. Sempre me interessei pelo futuro, isso formou parte da minha concepção de moda. Lembre-se, quando comecei, era a época da vanguarda. Mas quando chegou em Paris, em 1944, o senhor era apenas um alfaiate de Vichy, e em pouco tempo já estava trabalhando para a Madame Paquin e no figurino de A Bela e a Fera de Jean Cocteau. Como isso aconteceu?
Eu queria estar nos palcos, mas no primeiro dia que cheguei em Paris, um sábado, conheci um homem que me apresentou à Paquin. E na segunda-feira conheci o Christian Dior, e através da Paquin conheci Cocteau. Eu não tinha dinheiro para pagar as mensalidades das escolas de dança e teatro, então fui para a moda mesmo. Foi muito importante conhecer essas pessoas quando estava começando. E conheci todo mundo: Picasso, Visconti, Balenciaga…

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O senhor era um arrivista aos 20 e poucos anos, mas as pessoas com quem andava já estavam na faixa dos 40 e 50 anos. Como conseguiu se tornar um deles tão rapidamente?
Trabalhei duro, e eles foram muito generosos. O Balenciaga foi uma inspiração quando voltou para Paris depois da guerra e começou a desenhar para a nova vida civil, mas Christian Dior foi a pessoa mais importante para mim. Ele estava trabalhando no “New Look”, uma verdadeira revolução na moda, e me recebeu em sua casa. Se ele não tivesse feito isso, hoje eu não seria Pierre Cardin. Não consigo identificar o trabalho do Dior no seu. Onde está a influência?
Quer a verdade? Nunca fui influenciado por ninguém. Tenho meu estilo próprio e prefiro ser copiado do que copiar. Sua primeira grande proposta, o “Vestido Bolha” de 1954, foi considerada muito radical, porque distorcia a forma da silhueta feminina com seu contorno bulboso.
Na época eu estava mais interessado em escultura do que em moda. Isso acabou aparecendo no meu trabalho. O Vestido Bolha era minha representação do círculo. Sou obcecado pelo redondo, ele representa a lua, o seio, a vida. E volto a ele repetidas vezes porque é infinito. Eu o relaciono ao cosmo. O infinito do espaço é mais inspirador que qualquer pessoa. Acho que isso ficou muito claro na sua coleção Cosmocorps dos anos 60, que se baseou nos cosmonautas russos e tentou prever como nos vestiríamos no futuro. Por que não estamos todos usando coletes sintéticos à la Star Trek com zíperes assimétricos e pingentes pesados?
A Cosmocorps foi meu jeito de pensar como a moda deveria ser, não necessariamente como seria. Até hoje, sempre olho para o futuro. Meu trabalho é um contínuo das minhas ideias sobre moda – e de mais ninguém. Tento me manter fiel a mim mesmo. Tento ser Pierre Cardin. O senhor é conhecido como um pioneiro do licenciamento em moda e o criador da marca de design, que começou com a forma que promoveu perfumes e depois expandiu para todos os produtos imagináveis. O senhor se arrepende de alguma coisa?
De nada. O licenciamento surgiu do meu primeiro desfile de moda masculina, que aconteceu na Galeries Lafayette em 1960 e se baseou na minha linha “Cilindro”. Na época, você ia à Itália em busca de estilo e à Inglaterra pelo visual. Não existia prêt-à-porter masculino na França. Usei 200 universitários como modelos, o que gerou um escândalo. Convidei compradores do mundo todo, e todos encomendaram as roupas. Foi isso. Assim começava o licenciamento — depois de mim, todo mundo fez o mesmo. Agora o licenciamento inverteu os papéis na moda. O poder não reside mais na alta-costura. Agora ele vem da garota na rua e do que ela veste. É para ela que as mulheres olham hoje em dia. Isso tem a ver com meu desejo original, que era democratizar a moda. Eu não entendia por que somente os ricos deveriam se vestir bem. Era um ideal socialista. O sucesso no mercado é evidentemente muito importante para o senhor. Ouvi dizer que seus negócios faturam $1 bilhão por ano em vendas em 140 países. O que acha da afirmação do Andy Warhol de que “ser bom nos negócios é a forma mais fascinante de arte”?
Conheci bem o Andy Warhol. Na verdade, em algum momento tive dois Warhols na minha coleção de arte. Tudo o que posso dizer é que o Warhol sempre foi fascinado pelos negócios.

  O senhor também idealizou uma torre fantástica perto de Veneza para centenas de pessoas morarem. Parece algo saído de Dubai ou de um sonho surreal. Ela vai mesmo ser construída?
Chamo-a de escultura habitável, e é muito superior a qualquer coisa que você veria em Dubai. Também projetei várias casas no solo em torno dela, na forma de cogumelos, para as pessoas que não quiserem viver lá em cima.

Cogumelos? Como seu Palácio Bolha [o Palais Boules ao estilo Star Wars de Cardin na Riviera, construído sobre uma fundação de cúpulas de concreto marrom semissubmersas]?
Sim, por que não? É uma forma orgânica, perfeita para se morar. Aqui estou, de novo, voltando ao Vestido Bolha, voltando ao círculo. Eu te falei: essa é a base para todos os meus desenhos. O senhor visitou o Japão pela primeira vez nos anos 50 e se tornou o primeiro estilista ocidental a ter uma modelo japonesa, a Hiroko Matsumoto, desfilando na passarela. Acha que teve influência sobre os estilistas do Japão nos anos 70 e 80?
Claro. Quando cheguei, o Japão estava começando do zero depois de Hiroshima e da Segunda Guerra Mundial. Não havia moda, só quimonos, então eu era o único estilista, o único ponto de referência para aquelas pessoas que queriam se expressar através da moda. Foi a mesma coisa na China [Cardin visitou o país pela primeira vez em 1978]. Eles usavam uniformes maoistas ou vestidos tradicionais. Minha inspiração para o formato dos ombros nos meus ternos veio do pagode, enquanto outros simplesmente copiavam os detalhes da jaqueta maoísta: o colarinho, os bolsos e assim por diante. Com tantos interesses e uma agenda tão cheia, é difícil encontrar algum tipo de estabilidade no dia a dia? Ou isso é algo que não o interessa?
A primeira coisa que faço de manhã é uma reunião aqui com o meu banco — e é meu próprio banco, o banco de minha propriedade. Cuido de todas as finanças da empresa. Aprendi a fazer isso quando era contador da Cruz Vermelha durante a Segunda Guerra Mundial. Depois tenho reuniões com cada departamento e passo o tempo todo esboçando modelos de roupas, para ideias. Por exemplo, desenhei uma série de radiadores dessa maneira. Acho que os radiadores comuns de escritório são feios [ele aponta para um radiador comum ao lado de sua mesa no escritório]. Os que fiz, em 50 versões diferentes, em vermelho ou azul, são muito futuristas e muito mais interessantes para a casa. O que acha dos estilistas de moda de hoje?
Usar espartilho por cima do vestido não é moda, é fantasia, e tem muito disso – muita atenção ao “estilo”, muitas referências a filmes, ao passado. Minha concepção de moda é produzir algo novo. Talvez às vezes as pessoas não gostem do design, mas o importante é ignorar as tendências. Isso é fácil para o senhor, diferentemente de todo o resto do mundo da moda.
É verdade. E lembre-se: minha maison ainda é comercialmente muito viável. Então minha conclusão é que isso é resultado do meu talento. Nos anos 50, quando Yves Saint Laurent ascendeu na maison Dior, disseram: “Em três anos você não vai mais ouvir falar em Cardin”. Mas, como você pode ver, ainda estou aqui.

Paul Gorman é escritor e comentarista cultural. Seu livro mais recente é Mr. Freedom: Tommy Roberts – British Design Hero (Sr. Liberdade: Tommy Roberts – Herói do Design Britânico, em tradução livre) e  foi publicado pela Adelita. Mais informações sobre o Paul podem ser encontradas em paulgormanis.com.