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Ao mestre com carinho: duas ou três coisas que Geneton me ensinou sobre jornalismo

O jornalista e documentarista pernambucano nos deixou aos 60 anos, mas suas lições me ensinaram muito mais do que quarto anos na cadeira da faculdade.

Foto de capa do Facebook do Geneton: "Fazer jornalismo é não praticar nunca, jamais, sob hipótese alguma, a patrulha ideológica".

Faz um ano ou mais, nós aqui da VICE bebíamos depois do trabalho enquanto testávamos o Snapchat, aquela novidade tecnológica que dali a pouco roubaria mais um pouco de nossas almas, quando a repórter Débora Lopes me perguntou à queima roupa: "O que é jornalismo pra você, Carlinha?"

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Meio tonta, copo na mão, respondi o mais rápido que pude: "Cabe ao repórter, reportar". Todos soltaram gostosas risadas e continuamos a noite no bar, numa esquina pouco movimentada da Avenida Santo Amaro. A frase, por sua vez, quem me ensinou mesmo foi o Geneton Moraes Neto, jornalista pernambucano que conheci pela televisão, mas que passei a admirar assim que me detive mais em seus trabalhos, principalmente no Dossiê Drummond, o livro em que Geneton entrevistou o poeta (ele fez 75 perguntas ao Drummond) que morreria poucos dias depois da conversa.

Na noite da última segunda (22), entrei em casa quando meu namorado me contou com cuidado que Geneton tinha morrido. Despenquei numa cadeira enquanto ligava o computador pra ler aquilo em que não era capaz de acreditar: um aneurisma na aorta tinha levado Geneton aos 60 anos. O jornas-mestre estava internado desde maio e eu nem desconfiei — outra das inúmeras aulas que tive do Geneton, que dizia: "Fazer jornalismo é desconfiar sempre, sempre e sempre".

Ainda que não desconfiasse do seu estado de saúde, em meio às notícias de Impeachment e Olimpíadas, lembro de ter ido à sua página no Facebook atrás de algum post-comentário sobre tudo que anda acontecendo no Brasil — e nada. Logo ele que entrevistou uma pá de generais da época da Ditadura com o mesmo interesse com que interpelou seus ídolos, como Caetano.

Aliás, aí outra das grandes lições que o Geneton me deu é essa de encarar todo e qualquer personagem com um interesse genuíno. Mesmo com a convicção política e ideológica que todos temos, o repórter deve ouvir, buscar informação, não achar que o jogo está ganho, nunca. É o que dá pra ver quando Geneton sabatinou Paulo Maluf, escorregadio como um sabonete mesmo diante do homem que sabia perguntar .

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Geneton entrevistando Maluf. Foto via Facebook

A busca contínua de Geneton por recontar os fatos não parava na sua habilidade em entrevistar pessoas — qualquer um, do político ao jogador de futebol; de Paul McCartney a Nelson Rodrigues e até mesmo Drummond, no hospital, vendo a filha ir embora até o próprio poeta sucumbir. Se existe isso de função que ocupamos no mundo, Geneton parece ter sido essa chave mestra capaz de tirar a informação de um espaço-tempo determinado e levá-la para o papel e para TV de forma a deixar um rastro histórico do acontecido.

Depois de anos como repórter, Geneton seguiu seu caminho ensinando os preceitos da boa edição — quando trabalhou no Jornal da Globo, Fantástico e Dossiê GloboNews. Uma delas (e talvez a que eu mais carregue comigo) é a de que o editor não deve ser um "derrubador de pauta", mas ser alguém capaz de pensar na melhor execução dela. É o que ele nos fala em passagens do Mercado de Notícias, o documentário sobre jornalismo do Jorge Furtado, ou quando o próprio Geneton acolheu no Dossiê Globo News — depois que o Fantástico derrubou a pauta — a matéria em que Geraldo Vandré falava depois de 37 anos em silêncio.

Nunca cruzei o mesmo caminho de Geneton ainda que perseguisse seus vestígios. Mesmo assim, sou quase capaz de vê-lo na redação, sentado, cara de palestino, óculos de aro redondo, sempre com o cabelo meio desgrenhado, escrevendo perguntas à mão e falando muito. Nem sei se ele era assim, não importa. O que importa é que ele seguiu à risca sua própria teoria de que fazer jornalismo é produzir memória. Geneton pra sempre estará na minha. Valeu, mestre.

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