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Entretenimento

Sean McAllister Leva a Primavera Árabe pros Seus Trutas em Hull

O Sean McAllister faz filmes sobre gente comum por todo o mundo árabe e documentou a Primavera Árabe no Iêmen.

O Sean McAllister faz filmes sobre gente comum em situações extraordinárias. Ele já filmou por todo o mundo árabe, e fez filmes que colocam o doméstico próximo do político, e isso — sem querer parecer o Dalai Lama — nos lembra do que temos em comum.

Seu trabalho mais recente, feito para a BBC, é The Reluctant Revolutionary. O personagem principal é Kais, pai e guia turístico iemenita de 35 anos enfrentando os percalços de um país à beira da mudança. O filme mostra como Kais, que no começo não se interessa pelo movimento revolucionário do Iêmen, acaba abraçando a causa. Além de ser a história de um homem tentando se reerguer, essa também é a história de uma país pego pela Primavera Árabe. Isso fica claro na parte final do filme, que documenta um massacre na “Praça da Mudança” na capital, Sana.

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Como os jornalistas internacionais eram rastreados e removidos do país, Sean fingiu ser um turista, ficou e filmou tudo. O resultado é um documentário que mostra as raízes do descontentamento das pessoas comuns com o regime do ex-presidente Ali Abdullah Saleh, mas sem abusar do clichê “cara durão do Ocidente num lugar perigoso”.

Conversei com Sean sobre isso.

VICE: Oi, Sean. No filme, seu personagem principal é um guia turístico e ex-dono de hotel. Como você encontrou esse cara?
Sean McAllister: Sempre demora muito para se encontrar bons personagens. Tentei fazer um filme na Síria por um ano e meio, antes das revoluções começarem no Oriente Médio, e nisso um casal de amigos na Síria me falou sobre o Kais. Quando o encontrei, ele já nem tinha mais seu hotel, que era sobre o que eu pretendia fazer o filme — um filme “peculiar” sobre turismo em partes perigosas do mundo. Mas a revolução tinha começado a se espalhar pelo país, então as circunstâncias se tornaram ainda mais interessantes.

Sua intenção inicial era fazer um filme sobre turismo no Iêmen, então?
Bom, o que tento fazer quando filmo fora da Inglaterra é encontrar personagens com quem o público geral consiga se conectar. Meu público-alvo geralmente são meus amigos em Hull, que na verdade não dão a mínima pra porra nenhuma, exceto o que acontece na nossa vizinhança. Eles representam bem as vizinhanças de todos os outros lugares do mundo. É difícil fazer gente comum se interessar por questões internacionais. O Newsnight está no ar todas as noites, a CNN regurgita a mesma merda todo dia e eles acham que todo mundo está chocado com as histórias eletrizantes deles, mas a maioria nem sabe que porra está acontecendo.

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Acho que é verdade. Seus filmes normalmente mostram essas grandes situações políticas sob o olhar de um personagem. Isso é voltado para as pessoas que não conseguem se relacionar com uma narrativa tipo jornal das oito?
Sim, fiz um filme na Palestina alguns anos atrás que era sobre um cara que tinha problemas com a bebida, sua esposa estava se separando dele etc. e sabe, todos os meus amigos, todos têm problemas com a bebida e suas esposas estão sempre tentando largá-los. Então eles imediatamente conseguiram se imaginar na Palestina sem nem ter que mencionar política. De repente, ele é um cara normal pra eles e é através dessa conexão inicial que eles chegam até um entendimento político.

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Uma entrevista do Sean e do Kais para a CNN sobre The Reluctant Revolutionary.

Acho que o rótulo seria “pessoas comuns em situações extraordinárias”.
Acho que sim. Quando estava na faculdade de cinema isso era um teste, eles basicamente pediam pra gente encontrar o extraordinário dentro do comum. Esse é o desafio dos documentários e essa é a diferença entre os telejornais e os documentários.

Você e o Kais têm esse entendimento natural, e isso permeia todo o filme. Isso atrapalhou a história ou isso é a história?
No campo televisivo eles chamam os personagens de “colaboradores”, não de “amigos”, e tem essa coisa escrota de dizer que você não pode ficar muito próximo da pessoa que está filmando. Penso o contrário. Quando estou procurando um personagem, estou procurando alguém de quem eu possa ser amigo. Procuro alguém que entre no processo de filmagem e que mude como pessoa abraçando esse processo, e isso se torna parte da história. Encontrei o Kais e pensei: maravilha, achei o personagem, achei a revolução! Problema número um: Ele é contra a porra da revolução! Achei a revolução, mas esse filho da puta só quer ficar trancado em casa o dia inteiro. Felizmente minha abordagem não é mosca na parede, mas mosca na sopa. Quero chegar lá e mudar as coisas. Filmo as pessoas, mas também quero que elas vão além disso. Quero mostrar ao público que estou aqui lidando com a realidade. Quero ver o que vai acontecer.

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Uma parte legal do filme é quando o Kais te diz que o que você faz é importante e que você é testemunha ocular dos eventos. O Iêmen entrou e saiu do ciclo da mídia ocidental e é difícil ver onde ele se encaixa no momento.
Infelizmente, quanto mais notícias surgiam, mais pessoas estavam morrendo. Até mesmo o massacre que filmei foi relativamente pequeno. Aquilo foi um dia normal em Homs. A única diferença é que minha câmera estava lá. As pessoas do Iêmen sentiam que perderam a atenção da mídia por causa do tsunami no Japão.

Você acha que o que aconteceu no Iêmen foi influência da Primavera Árabe?
Sim, com certeza. Estava filmando na Síria antes e depois e lá você pode ver como opressão de verdade funciona. No Iêmen, o processo de democracia começou com o (presidente) Saleh, o que significa que esses protestos de paz do lado de fora da universidade eram tolerados, mas em Damasco não é assim. No Iêmen, dois estudantes viram o que estava acontecendo na Tunísia e no Egito e começaram os protestos que cresceram dia após dia. Me senti revivendo o tipo de coisa que aconteceu na Rússia. Você está na crista da onda e honestamente não dá pra saber se isso é certo ou errado, mas não dá pra parar. As pessoas correm no meio de um tiroteio e não dão a mínima… As pessoas começam a perder o medo e não se importam mais com a morte.

A maneira como o filme é construído mostra bem isso. É muito emocionante no final, quando você encontra o garoto que acaba morrendo no hospital…
A BBC cortou essa parte. Eles queriam que eu embaçasse o rosto dele e disse que achava isso um insulto, que preferia tirá-lo do filme. Uma coisa estúpida. Penso assim: “Quem são esses caras de terno tomando decisões pelo Grande Público Britânico?”. Eles também queria tirar o cara que faz o sinal da vitória enquanto está morrendo e eu também não queria deixar… Aí eu perguntei pra eles: “Quem está fazendo esse julgamento moral do que é aceitável? Eu estava lá. Coloquei minha vida em risco para filmar o massacre, então acho que sou o melhor juiz para decidir o que as pessoas devem ver ou não”. Eles me pediram pra conseguir a autorização dos pais do garoto e eu disse que eles ficariam muito felizes de ver o filho no documentário porque ele morreu pela revolução. Disse que embaçar o rosto dele seria um insulto para os pais.

Quanto ao aspecto turístico do filme, isso é uma coisa quase esquecida em lugares como o Iêmen, a Síria e o Paquistão. Você acha que pode haver uma renovação do turismo no Iêmen agora?
Não agora, mas talvez antes que na Síria onde o turismo era enorme — acho que um $15 bilhões por ano… Fiquei impressionado com o Iêmen. Tudo no Iêmen é muito mais interessante que na Síria. A Síria é muito imediata, boa para norte-americanos gordos porque Damasco parece um pouco com Jerusalém e você também pode tomar uma cerveja num bar moderno. Mas quando você vai para Sana é como voltar 100 anos no passado, você fica louco. Dá até vontade de usar aquelas adagas enormes na cintura! O turismo no Iêmen continua bastante inexplorado e acho que seria uma coisa boa de fazer quando as coisas melhorarem.