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Games

Tiny Tower e a Inexorabilidade da Morte

Se você pira muito observar bonequinhos fofinhos ao mesmo tempo em que desempenha simultaneamente o papel de ditador e escravo, vai fundo.

Recentemente, ganhei um celular de playboy e, com essa subida de escala social, abriu-se para mim toda uma gama de jogos casuais móveis – não que isso seja algo necessariamente bom, mas enfim. Tentando lembrar na minha mente fragmentada de algum hype mais sonoro sobre algum jogo de celular, eu me recordei de um que haviam comentado bastante quando meu celular só servia para coisas banais, como me comunicar com outros seres humanos remotamente. Lembrei desse tal de Tiny Tower, que lançaram em 2011. Fui lá, baixei o jogo e comecei a jogar. Demorou exatos 5 minutos para eu entender do que se tratava. Algo comum a muitos desses joguinhos casuais é a limitação de atividades que você pode fazer dentro de um tempo específico, depois disso, tendo que esperar determinados minutos, horas ou até dias, para poder realizar aquelas atividades de novo. Lembra dos bichinhos virtuais que eram tão queridos nos anos 1990? De tempos em tempos você precisava verificar se faltava água, comida ou carinho, e às vezes ele ficava doente e você tinha que dar uma injeção nele. Hoje em dia, acontece a mesma coisa nesses jogos casuais, só que na prática, é você que vira um tamagochi para o jogo e não o contrário.

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Esses bonequinhos pixelados mimados ficam querendo que você seja seu ascensorista. 

No jogo, você vai construindo, um a um, os andares de sua torre. Cada andar pode ser designado para servir como residencial ou cinco diferentes tipos de atividade comercial. Os cidadãos que habitam os andares residenciais trabalham nos andares comerciais, como se sua torrezinha pixelada fosse uma cidade-estado totalitária consumista que só aceita a visita de estrangeiros para o consumo de seus produtos. Os cidadãos se chamam Bitzens: eles são seres únicos dotados de individualidade e propensão para trabalhar com tal ou tal ramo – claro que dentro dos que você pode prover –, fechando assim seu ciclo totalitário como única fonte de emprego e habitação. Esqueci de comentar que inclusive é você quem define quando os pobres bitzens são contratados ou demitidos, e, se você quiser, pode deixar um bonequinho infeliz num emprego que ele odeia, para todo o sempre, até o fim dos tempos… E é você que manda, amigão!

A Gameficação da Vida (somos todos tamagochi)

Esse vídeo caseiro é uma analogia da condição humana… 

Vivemos em um mundo pragmatista, cientificista, progressista, positivista e horroroso. De maneira geral, gostamos de acreditar que tudo o que fazemos nos ajuda de alguma forma a “evoluir” – como se fossemos um personagem de RPG, e qualquer coisa que fazemos, se não tiver um propósito claro e bem definido, ao menos nos ajuda em nossa iluminação e progresso em direção a nos tornarmos pessoas melhores e mais completas. Esse tipo de pensamento raso e preguiçoso leva pessoas a não somente aceitarem esse mecanismo simplista de visão de mundo, como também a abraçarem-no por completo, criando extremos, como, por exemplo, esse sujeito que transformou a sua vida em um MMO para poder emagrecer. Ele precisou quantificar seus atributos em uma espécie de ficha de personagem de RPG para conseguir ter a força de vontade para emagrecer. Entendo que esse tipo de redução de mundo ajude as pessoas a existirem neste mundo horroroso, mas esse tipo de prática leva ao extremo a brincadeira publicitária de gamificação. Dentro da realidade verdadeiramente real, não tem ninguém para te dar um biscoitinho virtual toda vez que você faz algo certo, e essa mania de gamificar tudo só ajuda na visão de que nós, enquanto geração, somos cada vez mais os mimadinhos que vão morar com os papais para sempre, metaforicamente ou não. A necessidade mórbida de criar uma narrativa em tudo o que fazemos está nos tirando do contato com a realidade, e eu acho horrível que nos transformemos em nossos proprios tamagochis.

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A inexorabilidade da Morte

Esse esquema da vida de um tamagochi pirata pode muito bem ser uma analogia da condição humana. 

Ninguém sabe quanto tempo irá habitar neste mundo até ser catapultado para fora do próprio corpo, para um também incerto pós-vida, ou talvez ainda, para o suave ópio da não existência. Somente sabemos que nosso tempo aqui é passageiro. Embora muitos digam o tempo todo que a vida é curta, constantes indícios provam o contrário e, muitas vezes, nos pegamos entediados e querendo apenas que o tempo que estamos habitando no presente não exista mais, daí os chamados passatempos, daí a industria do ócio da qual os vídeo jogos fazem parte. Acontece que desde o advento dos jogos casuais, algo curioso começa a acontecer. Esse maldito Tiny Tower, por exemplo, diz para você quando ele deve ser jogado, invertendo assim a hierarquia de quem manda no tempo do passatempo. Eu não sei você, mas quando eu jogo um jogo, gosto de escolher quando parar de jogar. Em raras ocasiões, eu me pego jogando um maldito jogo que é tão bom que chego a perder a noção das horas e neglicencio, moderadamente, necessidades básicas de alimentação e asseamento, nunca porque o jogo está me pedindo como uma criança mimada para ser jogado, mas porque ele realmente conseguiu, com certa maestria, a proeza de me entreter. Não quero ter a responsabilidade sobre o jogo, porra, eu estou enfiando no lixo o meu tempo nessa coisa que, teoricamente, não serve para nada. Eu não quero ser RESPONSÁVEL por jogar meu tempo no lixo na hora que a merda do jogo quiser. É um problema o jogo não parecer levar a lugar algum, não ter fim nem objetivo? Absolutamente não, o problema é você gastar um puta tempo em um jogo sem ser afetado por nenhum sentimento de diversão, apenas uma morna e vaga sensação de progresso, sentimento esse que as pessoas ultimamente parecem estar confundido com diversão. Mas se você pira muito em observar bonequinhos fofinhos ao mesmo tempo que desempenha simultaneamente o papel de ditador e escravo, vai fundo.

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Gamifique sua casa

Um atrativo de Tiny Tower, comum a grande parte dos jogos casuais mais ou menos recentes, é a possibilidade de personalização limitada que te dão. Você pode mudar o nome de qualquer uma das lojas ou residências, você também pode mudar o esquema de cor dos andares de maneira aleatória, você também pode mudar as cores das roupas dos seus bitzens. Se você tiver dinheiro de verdade, você pode gastar no jogo, ajudando a vestir os pobres cidadãos com roupinhas e fantasias engraçadinhas, como os exemplos abaixo.

Vou aqui propor uma atividade parecida com essa customização que talvez seja ligeiramente mais divertida. Você vai precisar de alguns lápis de cor, ou um conjunto de canetinhas hidrocor, e um bloquinho de post-its. Agora, é só escrever nomes criativos e sair colocando em qualquer objeto inanimado da sua casa! Os lápis de cor são para fazer quadradinhos coloridos com duas cores à sua escolha para customizar o objeto e talvez fazer você gostar um pouco mais dele. Seguem alguns exemplos que fiz na minha casa, mas não se limite a eles! Deixe sua criatividade voar!

Neyde, a máquina de lavar (assim que acabar de escrever o texto, vou ter que estender a roupa). 

Tião o desentupidor de privada mais simpático da casa. 

A chaleira que não liga para distinções de gênero, Zé Celso. 

Siga o Pedro Moreira no Twitter: @pedrograca