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Um Italiano se Vestiu como Um Nazista do “Irmãos Cara-de-Pau” para Protestar Contra Homofóbicos

Ironicamente, ele pode ser acusado agora de “apologia ao fascismo”.
Leonardo Bianchi
Rome, IT

A Itália não é exatamente um país gay-friendly. Casamento entre pessoas do mesmo sexo é um tabu, e há toda uma constelação de grupos homofóbicos à solta no país, de católicos conservadores a extremistas seculares de direita, todos comprometidos com a ideia de que fazer sexo com alguém que tenha a mesma versão de genitais que você é algo mau.

Um desses grupos é o Sentinelas em Pé, que tem atraído a atenção da mídia com vigílias silenciosas em espaços públicos, visando a encorajar os cidadãos a ficarem atentos ao que eles acreditam ser, no melhor estilo bombástico apocalíptico de direita, a destruição da humanidade e da civilização. O principal objetivo deles é defender a “família natural baseada na união de homem e mulher” e lutar contra o casamento gay e a lei Scalfarotto, que aumenta penalidades para alguns crimes homofóbicos e transfóbicos.

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No domingo retrasado, dia 5 de outubro, as sentinelas se reuniram em várias praças do país para fazer uma de suas vigílias habituais. Associações LGBT e movimentos de esquerda obviamente não ficaram felizes; então, também apareceram para protestar contra elas, as sentinelas. Confrontos violentos aconteceram em Trento (duas sentinelas hospitalizadas), Turim, Nápoles e Bolonha, onde os manifestantes enfrentaram o partido neofascista Forza Nuova. Em Veneza, dois homens se beijaram em frente às sentinelas e, de acordo com um jornal local, “agora podem ser acusados de 'demonstração não autorizada'”.

Em Bérgamo, no norte da Itália, um homem apareceu e ficou entre as sentinelas vestindo uma fantasia de nazista de Ilinóis do filme Os Irmãos Cara-de-Pau e uma braçadeira com o símbolo usado por Chaplin em O Grande Ditador. Ele também estava segurando uma cópia de Mein Kampf e um cartaz dizendo “Os Nazistas de Ilinóis estão com as sentinelas”.

Sentinelle in Pied, Milão. Foto por Zoe Casati

Esse cara era Giampietro Belotti, um estudante de 29 anos da Universidade de Bréscia. Seu protesto individual satírico não foi bem recebido pelas sentinelas e pela polícia, que o levou para uma delegacia. Ironicamente, Belotti pode ser acusado agora de “apologia ao fascismo”.

Liguei para Belotti para falar sobre seu encontro com as sentinelas e a polícia.

VICE: De onde veio a ideia de se vestir como um nazista de Ilinóis?
Giampietro Belotti: Eu costumo participar de reconstituições históricas e sempre gostei de fantasias absurdas. Ainda não consegui digerir essa coisa das Sentinelas em Pé – vejo isso como jogar areia nos olhos das pessoas. Então, pensei em combinar as duas coisas.

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Como as sentinelas reagiram quando você chegou lá?
Elas continuaram lá em pé, congeladas. Quando os organizadores do evento me viram, eles correram até os agentes da Divisão de Investigações Gerais e Operações Especiais [DIGOS, mais ou menos o equivalente ao FBI] procurando ajuda. Um minuto depois, eu estava procurando minha identidade na minha carteira.

O que aconteceu depois?
Um pequeno grupo se formou ao meu redor – alguns estavam aplaudindo, outros tirando fotos. Quando os policiais pediram meus documentos, algumas pessoas intervieram para dizer que eu não estava fazendo nada de errado. Duas pessoas pegaram suas identidades quando perceberam que os policiais iam me levar à delegacia.

E então?

Vamos dizer que eu não estava com muita vontade de acompanhá-los. Os policiais da DIGOS foram muito educados, na verdade – dentro dos limites impostos pelo trabalho deles, claro. Só um me agarrou pelo braço e começou a me empurrar. Eu disse: “Você se importa de tirar as mãos de mim?”. Aí ele parou, porque percebeu que eu não ia reagir. As pessoas que estavam tentando me defender começaram a subir o tom; então, eu preferi seguir os policiais.

Você falou com os agentes da DIGOS durante o caminho?
Foi uma cena que beirou o absurdo. Os policiais entenderam as referências aos nazistas de Ilinóis e ao Grande Ditador. No carro, eles começaram a falar sobre Os Irmãos Cara-de-Pau. Fiquei muito surpreso com a situação toda.

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Então, você ficou lá discutindo cinema no carro com os policiais?
Honestamente, nunca pensei que uma coisa assim pudesse acontecer. O mais impressionante é que os policiais entenderam todas as minhas referências, mas muitos jornalistas, não. Algumas publicações deram manchetes como “Falso Hitler” ou “Vestido como um SS”.

O que aconteceu quando vocês chegaram à delegacia?
Eles fizeram a minha ficha, tiraram minhas digitais e minha foto. Estou vestido como um nazista de Ilinóis na minha foto policial. No começo, eles queriam confiscar meu cartaz e meu Mein Kampf. Aí um terceiro policial chegou e apontou que confiscar um livro que você pode comprar em qualquer livraria não fazia sentido.

Além da fantasia e do livro, eu tinha vários triângulos de papel rosa no bolso: aqueles que eles usavam para identificar prisioneiros homossexuais nos campos de concentração. Eu queria distribuí-los entre os homofóbicos que estavam na praça, mas infelizmente não tive tempo.

Você realmente corre o risco agora de ser acusado de defender o fascismo?
Bom, os policiais disseram que tinham que fazer um relatório do que tinha acontecido, confiscar o cartaz e notificar o juiz. O único crime que posso ter cometido é apologia ao fascismo, o que é meio paradoxal.

Eu que o diga.
Minha ficha está na mesa do magistrado hoje, agora tenho que contratar um advogado. Eles me deram um defensor público ontem, porque eu não tinha um ainda. Mas muitas pessoas estão tentando encontrar um advogado que me defenda de graça.

É ridículo. Eu fui até aquela praça com a intenção de fazer uma declaração, mas se tivessem me pedido para ir embora – algo tipo: “Por favor, você poderia dar o fora daqui?” –, eu teria ido. Eu realmente não esperava que isso fosse acontecer.

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Tradução: Marina Schnoor