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Um Novo Documentário Acompanha o Trabalho do Jornalista Investigativo Mais Notório de Gana

O celebrado jornalista ganês, Anas Aremeyaw Anas, não é só responsável por desvendar incontáveis histórias sobre corrupção e crime em seu país, mas faz isso usando disfarces e subterfúgios para preservar seu anonimato.

Fica óbvio logo nos primeiros minutos de Chameleon por que alguém faria um documentário sobre Anas Aremeyaw Anas. O celebrado jornalista investigativo ganês não é só responsável por desvendar incontáveis histórias sobre corrupção e crime em seu país, mas faz isso usando disfarces e subterfúgios para preservar seu anonimato. Ele entrou disfarçado num hospital psiquiátrico, se infiltrou num bordel para desmascarar uma quadrilha de prostituição infantil e até se fez passar por imã. Não é hipérbole pensar em Anas como um tipo de super-herói – especialmente porque ele esconde o rosto para poder continuar se disfarçando e cobrindo histórias, o que geralmente envolve grandes riscos.

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Ryan Mullins, cineasta documentarista de Montreal, teve acesso quase irrestrito a Anas (menos a seu rosto, claro) e seus métodos de investigação durante as filmagens de Chameleon. Ele seguia o jornalista em investigações de casos importantes e conheceu as técnicas de vigilância intensivas de sua equipe. Mas, mesmo que esses momentos sensacionais tornem o filme fascinante, Mullins tinha suas reservas. Os métodos de Anas ficam numa área ética cinza, e muitos já criticaram essa mistura de jornalismo e aplicação da lei.

Conversamos com Mullins sobre como o projeto começou, como era conviver com alguém que está sempre recebendo ameaças de morte e a logística de filmar um cara que mantém sua identidade em segredo.

VICE: O filme é muito interessante, principalmente porque parece que você teve muito acesso.
Ryan Mullins: Eu não achei que teria. Mas ele estava superaberto ao processo. Claro, ele já trabalhou com a Al Jazeera e a CNN; então, ele estava aberto a isso. E ele não tinha vergonha da câmera. Mas demorou um pouco, acho, para que eu conseguisse realmente passar tempo com ele até ele realmente se abrir.

O que te interessou tanto nele? Como o filme aconteceu?
Trabalhei em Gana antes. E uma amiga que fiz lá me mandou um artigo, porque eu estava procurando um motivo para voltar e fazer um filme. Era o artigo do Atlantic chamado "Smuggler, Forger, Writer, Spy", que contava a história desse jornalista quase super-herói. E pelo jeito que o texto falava dele, como esse cara não podia mostrar o rosto e se disfarçava para trabalhar, isso imediatamente chamou minha atenção como algo muito cinematográfico e intrigante.

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A técnica [me atraiu]: poder fazer um filme que fosse parte documentário, mas que tivesse esse toque de ficção, como um thriller dos anos 70. Eu sempre quis cobrir bastidores de um jornal ou talvez de uma redação. Investigar os casos, fazer reportagens, descobrir a verdade, a resposta, os esquemas e todas essas coisas me atraíam.

E você conseguiu um personagem muito colorido para isso em vez de um monte de gente olhando para computadores. Como foi o contato inicial com ele, e como isso progrediu?
Essa amiga tinha feito Direito com Anas – ele é formado em Direito. Ela me mandou o número dele e garantiu que ele era confiável. Primeiro, mandei uma mensagem e provavelmente fiquei uns 20 minutos no telefone com ele antes de virar para o meu produtor e dizer: "Olha, preciso ir até lá". E felizmente – isso foi nos primeiros estágios, ainda nem estávamos no desenvolvimento – pude ir até lá e filmar um pouco, porque consigo viajar sozinho e fazer algum progresso. Isso meio que diminuiu o medo dos meus produtores – isso não ia custar um monte de dinheiro. Compramos as passagens de avião e fomos. Foi assim, principalmente porque ele não entrou em muitos detalhes por telefone. Eu perguntava algo a ele, e ele dizia: "Venha para cá. Voe para cá e veja por si mesmo".

Lembro de descer do avião e passar alguns dias me aclimatando, porque fazia tempo que eu não voltava para Gana. Mas nosso primeiro encontro foi surreal: ele me mandou um local, que era o antigo escritório dele, subi as escadas e encontrei uma porta com um painel de identificação de impressão digital. O escritório dele é no final de um longo corredor, com todas as suas grandes matérias passadas enfileiradas nas paredes. É muito assustador. Mas me sentei com ele, e ele disse imediatamente: "Por que você não está filmando? Vamos filmar. Vamos fazer isso".

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Então ele parecia aberto à ideia do documentário logo de cara?
Sim. Acho. Ele tinha algumas regras: ele estava preocupado com o modo como ele seria apresentado fisicamente. Claro, ele não mostra o rosto; então, tivemos de arranjar um jeito de fazer isso. Eu queria fazer o filme de uma perspectiva "mosca na parede"; então, eu ficava mudando de posição para poder filmá-lo de costas. Isso tudo teve de ser definido logo no início: com o que ele ficava confortável, o que eu podia e não podia filmar.

Mas, depois disso, como eu disse, ele estava muito aberto. Ele fica confortável com a câmera e é muito dramático. Assim, logo de cara achei que estava conseguindo muita coisa boa, mas não necessariamente coisas profundas, porque ele coloca algo como uma máscara. Mas, com o tempo, senti que… algumas rachaduras na armadura estavam aparecendo.

Como foi participar das batidas?
Há tanta coisa que não entrou no filme: na maioria do tempo, ficávamos só sentados, esperando as coisas acontecerem. Foi assim que decidimos abordar o filme: só a verdade, não íamos armar nada.

Por mais que isso pareça um filme ficcional e roteirizado, na maior parte do tempo ficávamos sentados esperando as coisas acontecerem. Na primeira filmagem, a de desenvolvimento, muita coisa aconteceu. Lembro de estar lá, no primeiro ou segundo dia, e era a cena de abertura na estrada, indo atrás de um cara que fugiu sob fiança e ficou desaparecido por três anos. Isso aconteceu nos primeiros dias. Então, minha cabeça estava rodando! Eu tinha acabado de pousar e, do nada, estava num carro da polícia numa estrada de terra, com todo mundo armado. Foi meio que surreal.

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Mas, depois disso, as coisas evoluíram em seu próprio ritmo. Muitas vezes, eu estava em Montreal e ligava para ele a fim de saber o que estava acontecendo. Ele não me dizia exatamente o que [era], mas ele tinha algumas pistas aqui e ali, e eu devia ir até lá. Mas esse é um cara que tem uns dez ferros no fogo ao mesmo tempo; então, seguíamos uma investigação que esfriava, mas outra começava a esquentar enquanto estávamos lá. Logo, o que estava por vir era sempre uma surpresa para nós.

O que você aprendeu trabalhando com ele tão de perto, não só sobre jornalismo investigativo mas sobre se fazer um documentário no geral?
Nunca imaginei que usaria filmagens de câmera escondida ou que faria esse tipo de documentário investigativo. Meu filme anterior foi sobre necessidades especiais.

Foi a diferença do dia para a noite. Isso abriu meus olhos, talvez para a produção de documentários mais pesados – particularmente, com os temas que eu estava acompanhando. Foi difícil, porque tínhamos essa ideia sobre o filme que queríamos fazer, que era esse documentário estilizado divertido, mas, ao mesmo tempo, tínhamos todos esses casos sombrios que estávamos acompanhando. Então, você meio que tinha de lutar com isso: você está tratando isso do modo certo ou só se divertindo aqui? Dê o peso que isso merece.

Ele trabalha bem perto da polícia. Como era essa relação? Eles pareciam confiar muito na informação dele.
Sim. Fico um pouco em conflito com isso, porque há essa linha entre jornalismo e aplicação da lei. Você quer que aquela fronteira esteja ali, e ele obviamente cruza isso. Eles se beneficiam do trabalho dele, e ele se beneficia deles também. Ele vê que a polícia não está preparada para a tarefa, por assim dizer, de combater a corrupção e não tem as ferramentas necessárias para ir atrás dessas histórias que passam pelas brechas – que não seriam vistas se ele não investigasse. Fiquei em conflito com essa relação. Você fica imaginando quem está tomando as decisões em alguns momentos.

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Você conversou de forma aprofundada com Anas sobre isso? Ele está disposto a falar sobre o assunto?
Acho que ele foi ficando mais e mais disposto enquanto o filme se desenrolava e ele via minhas preocupações, especialmente no último caso, em que as coisas deram errado e a polícia entrou pesado. Mesmo que o grupo precisasse ser fechado, acho que o modo como eles fizeram isso foi completamente errado. Questionei-o sobre isso e suas motivações ali: ele só estava nessa pela história ou estava realmente preocupado com aqueles garotos? Ele sente que está disposto a tomar essas decisões difíceis – decisões necessariamente más – para ver a justiça ser feita. Essas são mais ou menos as palavras dele, mas os fins justificam os meios.

É preciso uma certa quantidade de ego e superioridade moral para sequer tentar as coisas que ele faz.
Sim, e espero que isso transpareça no filme. No final das contas, ele realmente tem um jornal e está vendendo jornais. Muito da personalidade e da figura de super-herói é para vender jornais. Ele é muito inteligente nesse sentido e sabe exatamente o que as pessoas querem. Mas algumas pessoas consideram isso sensacionalismo.

Mas entendo como o sensacionalismo permite que você continue fazendo coisas que importam e conseguindo resultados.
É tudo contextual. Tipo, tenho um problema com isso. Estudei Jornalismo, e essa certamente não é a ideia que me ensinaram de como se fazer jornalismo. Mas é isso que as pessoas querem em Gana. E é isso que vende. É isso que funciona. Ele meio que criou essa renascença de pessoas interessadas em jornalismo e em jornalismo investigativo; além disso, ele dá palestra em escolas e é quase um superstar.

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Quão perigoso é o trabalho em que ele se envolve? Pelo que você viu, ele está em perigo constante e tomando as precauções para lidar com esse tipo de coisa?
Sabe, para ser honesto, não vi nada em primeira mão. Mas você tem a sensação de que ele toma muitas precauções e muitas medidas de segurança. A identificação de digitais no escritório dele. Ele esconde o rosto. E isso se baseia no seu trabalho passado, porque ele recebeu ameaças de morte antes. Mas não vi nada em primeira mão. De muitas maneiras, ele esconde sua identidade por segurança, mas também para poder continuar trabalhando como jornalista disfarçado: para que as pessoas não reconheçam seu rosto.

E influenciando essa nova geração de jornalistas investigativos. Isso vem com a ressalva de que o trabalho dele pode ser perigoso?
Ele não doura a pílula. Ele diz a esses jornalistas que o que ele faz é perigoso. Mas também que, para deixar sua marca, você tem de aceitar os riscos desse estilo de vida. Mas também que essa é apenas uma maneira de se fazer isso. Acho que ele está influenciando essa geração no sentido de que o trabalho dele está causando uma mudança real. O presidente realmente mudou leis no modo como a autoridade portuária é comandada. Essa foi uma grande história e diretamente influenciada pelo trabalho de Anas – o presidente citou isso. Então, você está vendo que pode haver mudança. E o modo como ele faz isso é sexy e as pessoas gostam.

Você fala com o pai dele em certa parte do filme. Ele realmente tem relações além do trabalho? Ele é forçado a evitar certas situações?
Sem entrar muito na vida pessoal dele, ele sai e tem amigos. Ele sai para tomar café. Ele não é cercado de mistério o tempo todo. Acho que, de certa forma, ele tem uma vida normal. A máscara é uma coisa do seu trabalho, mas ele também encontrou maneiras de levar uma vida normal.

Voltando à ideia do superstar. Grandes astros criam essa máscara por uma razão: para poder tirá-la quando saem do palco.
Para ele, é ótimo. Ele leva a vida de um astro, mas ninguém sabe como ele é. Então, ele pode se misturar às sombras e não ter de lidar com a outra metade da fama.

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Tradução: Marina Schnoor