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Uma Conversa com o Secretário Executivo do M23, os Violentos Rebeldes do Congo

Ele tirou um tempo das discussões de paz em Kampala, Uganda, para conversar comigo sobre guerra, paz, violência sexual e recrutamento forçado.

François Rucogoza, secretário executivo do grupo rebelde M23.

Por 20 estranhos anos, as regiões ao leste da República Democrática do Congo (RDC) são palco de um conflito complicado e sangrento. O último capítulo dessa história mostrou a ascensão do grupo rebelde M23 (Movimento de 23 de Março), um motim dos ex-rebeldes que ficaram tão putos com o fracasso do acordo de paz pelo qual lutaram, que resolveram se batizar com a data em que ele foi assinado.

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Em abril do ano passado, o recém-formado movimento atacou a província de Kivu do Norte no Congo, entrando para a longa lista de grupos rebeldes da região, todos com seus próprios apoiadores obscuros e objetivos políticos opacos. Nessa lista estão o Nyatura, um grupo da etnia hutu, o FDLR, um grupo dominado pelos perpetradores do genocídio de 1994 em Ruanda, e o Mai-Mai, milícias vagamente organizadas que – juntamente com o M23 – passaram os anos mais recentes estuprando e pilhando os vilarejos em seu caminho nessa região.

Na última reviravolta da história, o M23 se dividiu em duas facções rivais – uma comandada pelo chefe militar Sultani Makenga e a outra, por seu líder político, Jean Marie Runiga, e o criminoso de guerra General Bosco “Exterminador” Ntaganda. Os dois grupos se enfrentaram três semanas atrás em Rutshuru, nas proximidades da fronteira com Uganda, e, na semana retrasada, a facção de Runiga fugiu para a fronteira de Ruanda, deixando Makenga no comando do M23 e Runiga preso numa cadeia ruandesa.

Poucos dias antes do combate do final de semana passado, conversei com François Rucogoza, secretário executivo do M23 e fiel seguidor de Bosco. Ele tirou um tempo das discussões de paz em Kampala, Uganda, para conversar comigo sobre guerra, paz, violência sexual e recrutamento forçado.

O campo de refugiados de Nyakabande em Uganda, que abriga uma parte da população deslocada pelos combates entre o exército do Congo, o M23 e outros grupos rebeldes.

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VICE: Oi, François. O que o M23 quer?
François Rucogoza: Queremos resolver os problemas sociais e econômicos de Kivu do Norte aceitando o desafio da segurança. Uma vez que isso estiver resolvido, as outras questões se seguirão. Para começar, queremos que os refugiados congoleses retornem, o que deve iniciar o desenvolvimento. Se tivermos um bom resultado nas conversas de paz aqui em Kampala, Kivu do Norte será economicamente próspera. A região é rica agora, mas temos o problema dos grupos armados. Há grupos congoleses, mas também há grupos vindos das fronteiras com Ruanda e Uganda.

Mas você representa um grupo armado – não seriam vocês o problema?
Sim, mas o FDLR é o principal problema em Kivu do Norte. O governo cria grupos armados e não tem capacidade de controlá-los. Eles criaram o Nyatura e apoiaram o APCLS, ajudando-os a atingir pessoas em Kitchanga, uma cidade de Kivu do Norte. Esse é o maior problema – eles criaram novos grupos armados para lutar contra nós e não podem controlá-los.

O que há de errado com o FDLR?
Eles têm sido o principal problema do leste do Congo desde o genocídio em Ruanda. Há duas categorias – alguns são ex-genocidas e outros são recrutados pelos genocidas. Eles não querem voltar para Ruanda porque seriam presos. Infelizmente, o governo de Kinshasa está trabalhando com eles, então ficou difícil dizer quem é parte do FDLR e quem são as forças do governo.

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Um policial no campo de refugiados de Nyakabande.

O que deveria ser feito com esses grupos?
Eles poderiam ser integrados no exército congolês, mas precisariam de treinamento porque são civis. Ou poderiam ser integrados novamente na sociedade.

OK, mas falando do M23, vocês não estão simplesmente atrás de todos os recursos naturais de Kivu do Norte?
Não, não, não. O M23 está em Rutshuru, e essa é uma zona agrícola.

Uma zona agrícola cheia de minas e minérios. Que tipo de apoio o M23 recebe do governo de Uganda?
Nenhum.

Mas um relatório do Conselho de Segurança da ONU diz que o governo de Uganda fornece logística e outros tipos de assistência.
Não posso explicar isso. Os especialistas da ONU escrevem sobre rumores, e os informantes deles dão informações ruins. Uganda fechou as fronteiras – como eles poderiam ajudar através da fronteira fechada?

Tenho certeza de que é possível mandar logística através de uma fronteira fechada. Mas vocês estão recebendo ajuda de Ruanda, certo?
De jeito nenhum. Estamos lutando contra o FDLR, que é de Ruanda; é por isso que as pessoas fazem essas afirmações. Se a Ruanda estivesse nos apoiando, não estaríamos encalhados onde estamos. A ONU é confusa, e quero te contar a realidade – as pessoas de Kivu do Norte não são diferentes das de Ruanda, em termos de linguagem e cultura. Há campos de refugiados em Ruanda, e as pessoas estão saindo desses campos sem permissão para vir ao Congo, que é de onde vem essa confusão.

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Então o Conselho de Segurança da ONU está enganado?
Eles estão sendo informados erroneamente. Alguns dos espiões deles estão sendo pagos, depois eles entram para a clandestinidade e ficam em Goma e Rutshuru.

A recepção do campo de refugiados de Nyakabande.

Fora essa questão de quem está ajudando quem, como um M23 dividido pode construir a paz?
Depende de como está dividido.

E como está dividido?
A situação é que o M23 tem sido infiltrado por agentes do governo congolês – essa é a estratégia deles. Enquanto estamos em Kampala discutindo tudo isso, eles tentaram nos dividir. Infelizmente para eles, eles falharam.

Então o M23 não está dividido?
Não. Bom, não se pode dizer que não está dividido porque Sultani Makenga, nosso chefe de equipe, foi derrotado, então eles tiveram sucesso nesse sentido. Mas o comando permanece. É composto por nosso presidente, o chefe de equipe, eu, o chefe de polícia e Makenga. Só Makenga desertou – o serviço de inteligência do Congo deve ter oferecido a ele dinheiro e uma posição no governo a ele.

E sobre a intromissão do serviço de inteligência de Ruanda?
Não, isso é especulação.

O que você acha de Bosco “Exterminador” Ntaganda?
[Risos] O que você acha dele?

Bosco “Exterminador” Ntaganda, foto de Lionel Healing.

Ele parece um cara bem mau. A Human Rights Watch (HRW) diz que o M23 está deixando um “rastro de atrocidades horríveis por onde passa, incluindo execuções sumárias, estupros e recrutamento forçado”. Isso está certo?
Não, não, não. Isso é importante. Trabalhei com Anneke Van Woudenberg da HRW e, infelizmente, Anneke vem sendo manipulada pelo governo congolês. Fui ministro da justiça e direitos humanos em Kivu do Norte e não aceito nenhuma dessas alegações. Elas são falsas, fraudulentas. Nós até ligamos para a HRW, eles vieram até Rutshuru e nós mostramos a eles como estavam as coisas. Mas a HRW tem dado dinheiro a organizações locais, e essas organizações têm a obrigação de achar coisas ruins para informar a eles, então inventam histórias para conseguir o dinheiro. Se pudéssemos, sancionaríamos o envolvimento deles.

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Você os puniria?
Sim, criaríamos um tribunal e seguiríamos um processo judicial. Nós já fazemos isso em Rutshuru.

E como estão as negociações de paz?
Terminamos a primeira rodada de discussão e estamos prontos para falar de segurança; sem isso não podemos começar a discutir as questões econômicas e políticas. A principal conclusão é que há um problema – o governo congolês em Kinshasa não respeita o primeiro acordo de paz [aquele que gerou o M23].

Obrigado, François.

***

Depois da entrevista, falei com a Human Rights Watch, que deixou claro que nunca paga por informação e que sempre verifica os fatos com múltiplas fontes. Eles dizem que a liderança do M23, incluindo François, parece não ter feito nenhum esforço para impedir as violações de direitos humanos na região, e que as execuções e recrutamentos forçados continuam. Desde que a facção de Runiga foi expulsa do Congo no sábado passado, François parou de atender seu telefone.

Siga o Alex no Twitter: @alexchitty

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