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Theresa Jessouroun: Acho que a frequência com que essas chacinas do tamanho da de Vigário Geral e da Baixada aconteciam diminuiu um pouco, e também muitos corpos estão desaparecendo. E quando não tem corpo, não tem crime. Às vezes, não se sabe exatamente quantas pessoas ainda estão morrendo e essa estatística acaba baixando um pouco por causa desse desaparecimento de corpos. Nós temos uma tradição de violência contra as camadas mais pobres da população praticada ou pelos esquadrões de morte da época, depois pelos Cavalos Corredores, como esse de Vigário Geral. Hoje são as milícias que estão praticando e estabelecendo terror e domínio territorial nessas comunidades da periferia e favelas.A atriz Rose Perez contou em sua autobiografia que, aos 30 anos, ela foi diagnosticada com o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) baseado nas violências que testemunhou na sua infância no gueto do Brooklyn. Ela especula que muitos comportamentos estereotipados das pessoas dos guetos são, de fato, sintomas de TEPT. Em suas conversas com as famílias das vitimas e com os policiais, você percebe que isso é um problema nas favelas e dentro do corpo da polícia do Rio?
Com certeza. Tenho acompanhado de perto o que acontece com essas famílias, e nós sabemos que tem esse nome, mas, na verdade, eles nem sabem que podem ter um diagnóstico de estresse pós-traumático. Porque o medo que existe nas pessoas, a desestrutura nessas famílias é um assunto muito grave. É o abandono com que as pessoas se encontram por parte do Estado - eles não sabem seus direitos, eles não sabem a quem recorrer, então eles ficam com medo de falar, medo até de denunciar que o próprio filho foi morto. Tem o caso da morte de Diego Belieni no filme, que acaba resultando na morte da juíza Patrícia Acioli. Aquele menino ficou horas em uma casa vazia perto da rua onde ele morava e uma vizinha viu tudo, estava em casa na hora. Ela falou com a polícia logo depois. A polícia foi lá para matar ela, não a encontrou e matou o seu filho. E, alguns meses depois, eles deram tiro no seu outro filho. Ele ficou paralítico. Essa moça está em uma situação que você poderia chamar de estresse pós-traumático, como muitos outros. Isso é uma coisa muito grave, acho porque a pessoa fica desestruturada psicológica e economicamente. Do lado dos policiais o fato é o estresse pós-traumático de um policial com essa ordem de entrar a favela atirando e recebendo bala dos traficantes. Essa violência armada que nós temos aqui provoca níveis absurdos de violência tanto do lado dos moradores inocentes, como dos supostos traficantes e também dos policiais. O policial deve ser preparado pra essa situação de estresse. Eu acho que não poderia acontecer, e essas incursões policiais, que entram matando e atirando do jeito que eles fazem, espalham o estresse por tudo quanto é lado.
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Eu não recebi nenhuma ameaça dos policiais. Teve algumas coisas estranhas que aconteceram. Um carro parado aqui na porta da minha produtora, que a gente não sabia se era por esse motivo ou não. Teve alguns telefonemas estranhos também, dizendo: "Olha, aqui é o Ivan". Que Ivan? Tem algumas coisas assim que aconteceram, mas eu não fui ameaçada por parte de ninguém, também porque, quando eu fiz a produção, ninguém sabia, não fiz nenhuma divulgação.
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Com certeza, é uma tática para espalhar terror. Lembra no filme que tem uma menina que falou que eles entraram e mataram 13 adolescentes na frente das namoradas e, três meses depois,mataram mais 13? Eu não sei se eles aprenderam com norte-americanos ou israelenses da forma que você está falando, mas, de alguma forma, eles adotaram sim. As pessoas morrem de medo de falar. Tinha dias em que eu tinha três personagens confirmados e, no dia seguinte, os três desistiram de falar. Então, essa tática com certeza esta sendo adaptada aqui sim. E a milícia também faz isso. Eu queria ter tido um caso de milícia no filme, mas é impossível. Impossível eu falar de uma coisa de milícia, porque, aí sim, eu correria risco de vida. Se alguém reclamar de milícia para a polícia, vai morrer.Seu filme não ofereceu muito em termos de soluções, até por que isso não é sempre o papel de um documentário. O que você acha deve ser feito?
Acho que são três soluções. Primeiro, mudar essa polícia, fazer uma transformação. Prepará-los melhor para situações de conflitos e não treinar um policial para eliminar o inimigo, como é feito hoje em dia. Esses policiais deveriam estudar direitos humanos, eles deveriam aprender como atuar dentro das favelas, como lidar com conflitos, até para como viver esse estresse pós-traumático que você falou. Então, acho que eles têm de entender que, se eles matarem, serão culpados.A segunda coisa é a desmilitarização da polícia, que é um processo muito complexo e muito lento. Existem quatro propostas de desmilitarização da polícia na Câmara e no Senado, no total, que irão tornar a polícia uma polícia única, e não duas que competem entre elas, como a civil e a militar.A terceira solução seria a legalização de drogas. A guerra ao tráfico iria terminar e, consequentemente, a corrupção da polícia que recebe dinheiro do tráfico.