William Widmer Captura a Vida em Nova Orleans Depois do Katrina em ‘My Mississippi’

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William Widmer Captura a Vida em Nova Orleans Depois do Katrina em ‘My Mississippi’

No aniversário de dez anos do furacão Katrina, a VICE conversou com o fotógrafo sobre ecologia humana, vulnerabilidade e fé.​

Mardi Grascajun no sudoeste da Louisiana, 2014.

O fotógrafo William Widmer chama Nova Orleans de "a linha de frente das mudanças climáticas nos EUA". Widmer se mudou para o sul do país cinco anos atrás a fim de documentar a vida lá antes que a terra erodisse e a água levasse tudo embora. Ele se considera mais um observador do que um contador de histórias, mas do que mais gosto nas imagens dele são as narrativas que elas evocam. O sorriso simpático de um homem tatuado sem camisa, descascando lagostins e tomando Bud Light num barco; um casal parado ao lado de seu carro; o homem falando com alguém fora do quadro, seu braço orgulhosamente em volta da mulher que olha para a câmera, entediada. Vidas inteiras estão congeladas ali, e Widmer é capaz de fazer você se sentir como se conhecesse essas pessoas enquanto te deixa curioso para saber mais. O mesmo vale para suas paisagens, que são pós-apocalípticas, mundanas e belas ao mesmo tempo.

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No aniversário de dez anos do furacão Katrina, a VICE conversou com o fotógrafo sobre ecologia humana, vulnerabilidade e fé.

Um espectador sobe num poste na St. Claude Avenue durante o desfile second line Nine Times, Nova Orleans, 2010.

VICE: Como você se envolveu com fotografia?
Will Widmer: Estudei sociologia e antropologia na faculdade, porém decidi que não conseguia me ver só lendo e escrevendo a vida toda. Eu tinha muito interesse em lugares e pessoas, e a fotografia se tornou um portal para entender o que não estava nos livros de história. Para mim, fotografia é a melhor desculpa para visitar lugares aonde eu não iria de outra forma e conversar com pessoas com quem eu não falaria de outro jeito. Susan Meiselas disse – e vou parafrasear – que a fotografia pode ser um grau de separação ou conexão, dependendo do que é mais necessário. Eu adoro esse bate e volta.

Há quanto tempo você mora em Nova Orleans?
Eu me mudei para cá em 2010, logo depois do vazamento de petróleo da BP e cinco anos depois do Katrina. Tudo neste verão tem sido sobre o aniversário do furacão de um jeito ou de outro, e tenho rodado pelas áreas dos diques de contenção, vendo como esses bairros estão dez anos depois. O Katrina definiu esse lugar – para melhor ou pior.

Ser um fotógrafo te permite se envolver e entender melhor um determinado lugar? É essa sua intenção?
Meu principal interesse na região é sua ecologia humana e o relacionamento das pessoas com o ambiente natural. Essa foi uma das principais razões para eu ter me mudado para cá: trabalhar nas questões do que considero a linha de frente das mudanças climáticas nos EUA. Há uma mudança enorme acontecendo ao longo da Costa do Golfo agora: estamos perdendo terra numa taxa catastrófica, e ninguém fora da Louisiana parece saber ou se importar com isso. Muito do meu trabalho aqui mostra essas comunidades costeiras vulneráveis e seu modo de vida, e como as pessoas agora se sentem aqui, porque acho que é essa a questão aqui. É isso que quero comunicar.

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Dada a mudança na maneira como as pessoas leem e respondem a notícias e imagens, você acha que ser fotógrafo é a melhor maneira de afetar decisões políticas? O clichê diz que uma imagem vale mais que mil palavras, mas você espera que suas imagens provoquem uma mudança?
Claro que sim. Pode ser clichê; no entanto, é parte do que quero: quero deixar uma declaração sucinta e poderosa com uma imagem que atraia as pessoas, que as faça se importarem. Quando meu trabalho está em seu melhor nível, sinto que estou defendendo esse lugar e ajudando a articular por que isso importa. Estamos no extremo sul do país, e algumas das pessoas mais marginalizadas moram aqui, num ecossistema costeiro vulnerável – e elas não têm uma voz. Quando faço meu trabalho bem, sinto que isso pode falar sobre uma experiência humana universal, apesar de isso estar profundamente enraizado neste lugar.

Adoro seus dípticos e como o emparelhamento dá a cada imagem individual mais força. Meu favorito é a do cara no poste e Jesus na cruz. Você tirou a foto do cara no poste porque achou que parecia um crucifixo?
Não, mas eu queria poder dizer que sim!

Não, acho que é até melhor que isso tenha vindo depois.
Gosto de dípticos por causa de sua narrativa abstrata, e isso permite que as imagens joguem umas com as outras. O fim delas fica em aberto, e, talvez, elas sejam um pouco mais universais. Gosto muito do espaço negativo na foto do cara no poste, e aquela foi uma das primeiras fotos que tirei em Nova Orleans com que fiquei empolgado. Foi num desfile second line, que são como festas itinerantes acompanhadas por bandas de metais, e as pessoas enlouquecem, sobem em telhados e dançam nas ruas.

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Morando e trabalhando aqui, comecei a apreciar o jeito como a fé organizada católica acontece, que é muito diferente de [como ela acontece] em qualquer outro lugar em que já estive. O emparelhamento do cara no poste e Jesus na cruz na igreja fez todo sentido – as imagens dizem coisas similares. Os desfiles são coisas espirituais, e esse desfile em particular acontece todo domingo. Muita gente diz que essa é a igreja deles. Então, do ponto de vista da narrativa, é uma justaposição interessante.

Parece que você se concentra em história e narrativa no seu trabalho. É isso que te impulsiona?
Há uma vulnerabilidade na Costa do Golfo e no Delta do Mississippi, e capturar essa mudança ambiental é o que me motiva como fotógrafo social. Quando fui para a faculdade de artes, comecei a me importar mais com a forma e o aspecto visual da fotografia, mas, sim, minhas fotos sempre têm motivação social. É um equilíbrio, e minhas imagens de maior sucesso são uma mistura dos dois.

Seguindo o que você estava falando sobre religião: fé é claramente uma força tanto no seu trabalho como onde você mora. Qual você acha que é o poder maior em Bayou: natureza ou Deus?
Acho que são duas coisas muito, muito relacionadas para as pessoas que vivem aqui, seja no Mississippi, que tem alguns dos bolsões de pobreza mais profundos que já vi no país, seja na costa da Louisiana. Há uma foto que tirei num navio pesqueiro de camarão, a de uma missa católica realizada antes de os barcos saírem para pescar. Os padres e os diáconos estão no primeiro navio na procissão, e eles estão aspergindo água-benta em todos os navios de camarão passando por Bayou para desejar a todos uma temporada de pesca segura e abundante. Então, quando eles falam da terra e você fala sobre Deus e fé, [esses conceitos] são, para muita gente lá, sinônimos.

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O trabalho que você faz e a magia que vemos nisso vêm do momento da fotografia ou do momento que você passa trabalhando nisso depois, arranjando os dípticos e editando?
Normalmente, quando estou fotografando, estou vivendo muito aquele momento: sou consumido pela narrativa imediata de cada foto. Aí meio que reimagino isso depois – e, como você disse, dando mais força às fotos com outras imagens que permitam que isso fale de modo mais abrangente, dando a cada foto mais vida fora do contexto inicial.

O que você acha que vai acontecer com o meio ambiente no Sul?
O aumento do nível do mar não está ajudando aqui, embora o verdadeiro problema seja a perda de terra e erosão da costa, devido principalmente à exploração de gás no Golfo do México e à engenharia ambiental que há no Rio Mississippi. Temos um problema aqui que foi causado principalmente pelo homem. A Costa Leste e Miami estão mais preocupados com o nível do mar, mas foi principalmente a engenharia humana que fodeu com a gente aqui, e isso é fascinante porque as causas são tangíveis. Tipo, há balsas indo e vindo 24 horas por dia, criando ondas que derrubam as gramíneas mais frágeis, e você pode mostrar isso como fotógrafo. É difícil mostrar que fatores contribuem com problemas como derretimento das calotas polares, porém aqui isso é possível. E mostrar o problema significa que talvez possamos criar soluções num nível estadual ou nacional.

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A cerimônia católica anual de benção aos barcos de camarão no sul da Louisiana, 2011.

Topo: um dia nas fazendas de Tabasco da Louisiana, 2013. Embaixo: Terrebonne Parish, Louisiana, 2014.

Quarto aniversário do vazamento de petróleo da BP no sul da Louisiana, 2014.

Topo e abaixo: Terrebonne Parish, Louisiana, 2014.

Festa de aniversário do DJ Poppa, Nova Orleans, 2010.

Desfile de jazz second line em Nova Orleans, 2010.

Topo: Moradores de Nova Orleans prestam homenagem ao 'Uncle' Lionel Batiste, um membro antigo da Treme Brass Band e um símbolo da cidade, que faleceu em 8 de julho de 2012. Abaixo: Quintn, Derrick e Quincy La Fleur vivem numa pequena comunidade perto de Riceland Crawfish, Inc. que luta contra a pobreza.

Esquerda: Nova Orleans, Louisiana – Desfile second line Nine Times passa pela Elysian Fields Avenue. Direita: Nova Orleans – Fotos de família numa colagem na casa de Edward Buckner, na Elysian Fields Avenue. Buckner é o presidente do clube Original Big Seven Social Aid & Pleasure, um dos vários clubes second line de Nova Orleans.

Nova Orleans, Louisiana – Theris Veldery prepara sua fantasia de Mardi Gra para uma noite de apresentações.

Lafitte, Louisiana – O pôr do sol sobre Chochiara Marina, no meio do que os moradores locais chamaram de a pior temporada de camarão em sua memória coletiva.

Esquerda: Houma, Louisiana – Mike Voisin, presidente da Motivatit Seafood, Inc., aponta para um mapa que ilustra a projeção de perda de terra na costa da Louisiana até 2050. Direita: Lafitte, Louisiana – Obituários de amigos e familiares cobrem a parede ao lado da 'Oração do Pescador' na Nunez Seafood, Inc.

Nova Orleans – 21/02/2014 – Nova Orleans percorreu um longo caminho desde que as águas do Furacão Katrina baixaram. Porém, em certas partes da cidade, como New Orleans East (uma subdivisão formada nos anos 60 e 70 que responde por dois quintos da área geográfica da cidade), a lentidão da recuperação frustra os moradores.

Tradução: Marina Schnoor