Genes ainda não sabe, mas é a voz de uma geração. A tua
Genes. Foto por Vera Marmelo.

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Música

Genes ainda não sabe, mas é a voz de uma geração. A tua

"Pessoas" é um disco feito num quarto. Nada de mais, não fosse ser este o quarto de um rapper que, aos cinco anos, se apaixonou pelos Velvet Underground.

Genes é Luís D'Alva Teixeira. Genes era @genesgeniais no Twitter. Um nickname inventado para atrair followers, meter conversa e, se calhar, facturar. Genes será, muito em breve, quando Pessoas entrar pelas vossas vidas dentro como um dos discos do ano editado em Portugal, o gajo que vão querer ver ao vivo, a quem vão implorar para editar mais música, que vão estranhar não fazer parte dos cartazes dos festivais onde vão viver a vossa vida de adolescentes sem preocupações e de adultos a fingir que não têm preocupações.

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Do Montijo para o Mundo. De uma adolescência embrenhado na música que metade de vocês nunca ouvirá, para uma ainda adolescência hiperactiva, de talento a transbordar, de uma crença em si próprio que lhe dá uma aura de estrela em ascensão, quando ainda nem sequer arranhou a superfície do potencial que a sua bagagem faz adivinhar. Genes é um outsider no universo que escolheu para transmitir o que lhe vai lá dentro. E, foda-se, é tanto o que lhe vai lá dentro!

Nas 11 canções de Pessoas - mais "Prefácio", com Mean Will, que é Genes a ser Luís, o gajo com o coração na boca, a descarregar, a dizer o que lhe vai na alma… só que não… porque se há coisa que ele sabe bem é que não se pode levar demasiado a sério. Mas pode ser sério - há ali uma vida inteira escarrapachada. A vida dele e a vossa. De uma geração. De um Portugal suburbano, nativo digital, a olhar para a urbe com o à vontade de quem olha imediatamente para o Mundo global.

Essa vida inteira de Genes até pode ainda ser curta, mas sempre foi alimentada a música. E desenganem-se se acham que sabem exactamente que música. O estereótipo é coisa que não mora em Genes. "O primeiro disco que ouvi, aos cinco anos, numa loja de discos do Montijo, tinha uma banana na capa. Foi a partir daí que comecei a olhar para a música de uma maneira completamente diferente", conta em conversa com a VICE, poucos dias antes do lançamento do disco.

Velvet Undeground, My Bloody Valentine, The Jesus & Mary Chain, Pavement, Sonic Youth… "Não sou rapper. Até há bem pouco tempo nem sequer ouvia rap. Não me identifico com o estilo de vida… não sei… as minhas influências sempre foram outras", diz Genes, ou melhor, diz o Luís, que o Genes vem depois. Vem da necessidade de atirar cá para fora o que ia lá dentro. Os beats, as rimas, sim, o rap, porque bem pode dizer que não é rapper, mas o veículo que escolheu é perfeito para o que queria transmitir. E se, como diz, faz "rap para os gajos do indie, ou para aqueles que nem gostam de rap" pois então, agradeçam-lhe. Missão cumprida.

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Foto por Vera Marmelo

Embrenhado na cena lisboeta da Graça, onde o Damas, o Estrela e outros que tais são, nos dias que correm, o viveiro de bandas, de pequenas editoras, de promotoras e de todo o tipo de artistas que fazem da interacção um lema e dão expressão a uma geração que, como nenhuma outra, está a conseguir produzir, ela própria, a música que a vai marcar e definir, Genes pode parecer uma espécie de carta fora do baralho. É, mas não é. A música que meteu em Pessoas não faria sentido noutro contexto. As histórias que conta em "Oferecidas", em "Estrangeiras", ou em "Primeira", são dali. São dessa Lisboa que é deles.

E depois há as raízes, a família, o apego à casa. A casa onde grava, onde se refugia, onde dentro das quatro paredes do quarto construiu a Cachupa Records, onde inventou o Festival Indieota, filho do blog que criou com o mesmo nome para poder falar das bandas que gostava, das bandas dos amigos, dos vizinhos, para se imiscuir numa cena que não existia, mas de que agora é parte. o primeiro rapper a tocar no Barreiro Rocks… O Luís por detrás do Genes é um puto que não desiste. Insiste. Com os outros e com ele próprio. E a beleza de Pessoas não pode ser desaproveitada, porque é a beleza de um artista, de um gajo que se fez artista ainda que se calhar não o queira assumir por completo.

"Para me fazer de mulher e puder ser aceite na cidade, simplesmente punha uns saltos altos da minha mãe e deixava que elas me maquilhassem".

"Sempre vivi com mulheres a minha vida inteira, partilhei a minha intimidade com a minha mãe e as minhas duas irmãs. Para vencer a solidão imposta pela injusta disjunção de espermatozóides, fazia de tudo para poder brincar com elas… Num Verão inventámos uma cidade fictícia chamada 'Cidade Feliz', baseada numa série de televisão que víamos muito na altura chamada - '90210 - Beverly Hills'. O quarto da minha irmã mais velha era uma sala de cinema onde ela exibia filmes em powerpoint ; a cozinha era um restaurante onde eu servia menus a dois cêntimos cada e a sala de estar era um centro comercial… Não eram permitidos homens nesta cidade fictícia, para as minhas irmãs, o homem vinha na personificação do nosso pai malvado que nos obrigava a ir à igreja! Para me fazer de mulher e puder ser aceite na cidade, simplesmente punha uns saltos altos da minha mãe e deixava que elas me maquilhassem, o mais engraçado é que a dada altura até me comecei a habituar um bocado… Não a vestir-me como uma mulher mas sim a dar-me com as minhas irmãs!".

Genes não contou isto só à VICE, conta-o a toda a gente que o queira ouvir. É essencial para o perceber. É um contador de histórias e agora transformou-as em canções. As melhores canções que vais ouvir em muito tempo. "Este disco é sobre pessoas que passaram na minha vida, umas de forma mais incisiva e outras de forma mais fugaz, mas, acima de tudo, é uma celebração da real importância que essas pessoas tiveram em quem eu sou hoje. Pode ser qualquer pessoa no Mundo, podes ser tu! O mais importante é que tu nunca vais saber".

Genes toca a 24 de Junho no Damas e a 5 de Julho na ZDB. Abaixo podes ouvir pessoas na íntegra.