Alan Smithee faz filmes escrotos há quase 50 anos. Não só blockbusters trash, comédias românticas sentimentaloides ou aqueles thrillers psicológicos pretensiosos que só fazem sentido na cabeça do roteirista – mas, na real, qualquer espécie de filme verdadeiramente ruim. Obras tão péssimas que ninguém gostaria de ter seu nome associado a elas.
E é exatamente por isso que o extenso catálogo nas costas de Smithee é tão, tão zoado: porque "Alan Smithee" (ou, às vezes, "Allen Smithee") é um pseudônimo usado por vários diretores para se distanciarem de filmes em que, seja lá por qual razão, eles não tiveram pleno controle criativo – e, por isso, acham que eles são lixo cinematográfico.
O primeiro filme creditado a Smithee foi o western de 1969 Death of a Gunfighter (Só Matando, em português). Depois que o astro Richard Widmark discordou do diretor no meio das filmagens, outro cara foi trazido para dirigir. Como nenhum dos dois queria seu nome associado ao resultado final, a Director's Guild of America (DGA) creditou o título a Allen Smithee, e a carreira dele deslanchou. Com o passar dos anos, a obra de Smithee veio a incluir uma comédia de cowboy com David Hasselhoff; a sequência de Os Pássaros, de Hitchcock; um episódio do spin-off de detetive Mrs. Columbo; e a versão estendida para a TV do Duna de 1984, já que o roteirista e diretor do filme original, David Lynch, não tinha ficado feliz com a edição para televisão. Tudo isso levou Smithee a se tornar "o ninguém mais conhecido de Hollywood", segundo a revista do DGA.
O professor da Universidade de Cornell Jeremy Braddock, que editou o livro Directed by Alan Smithee, me explicou como as carreiras dos diretores sobrevivem e morrem pelas suas reputações. "No final dos anos 60, os diretores começaram a ter mais liberdade para fazer os filmes, mais liberdade para se estabelecerem como artistas. Isso também significou que o nome deles podia acumular valor ou ser ligado a uma produção comprometida ou ruim. Então, comercialmente, o nome do diretor começou a ser usado como ferramenta de marketing."
Nesse livro, Braddock pega a ideia do diretor como autor e artista e aplica isso aos filmes de Smithee. Mesmo que diferentes pessoas tenham dirigido cada filme, ele aponta que a obra do diretor fantasma revela a influência da indústria em vez da influência de um indivíduo. Braddock sugere que isso "em si é uma forma de gênio, o gênio do sistema. Também podemos pensar nesses grandes estúdios como autores e artistas, de certa maneira".
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Em 1983, Rick Rosenthal dirigiu Bad Boys (Juventude em Fúria): sem nenhuma ligação com o filme de ação de mesmo nome de 1995, essa obra de Rosenthal ajudou a lançar a carreira de Sean Penn, hoje atuando como consultor de produção de Transparent, o drama transgênero aclamado pela crítica. Algo que ele não fica tão feliz de se ver ligado é à sequência do clássico de Hitchcock, Os Pássaros 2, que ele dirigiu, mas do qual depois retirou seu nome. Tippi Hedren, que estrelou o original e apareceu na sequência, disse sobre a continuação: "É absolutamente horrível. Isso me envergonha profundamente".
Rosenthal afirma que o filme funcionou para os produtores da Showtime e diz que ter usado o Smithee não teve nada a ver com o sucesso da película. Ele assinou o contrato de direção com a garantia de que partes do roteiro seriam mudadas, mas "essas cenas foram tiradas e as originais foram colocadas de volta. Me disseram que eu tinha de filmar aquelas cenas. Isso foi só o começo, e o formato do filme era muito diferente do que eu pensei que seria".
Infelizmente para outros diretores na posição de Rosenthal, nem sempre é tão fácil deixar Smithee levar o golpe. A DGA julga cada requisição do uso do pseudônimo individualmente; depois, negocia com a produtora do filme, o que pode resultar no diretor perdendo qualquer royalty ou lucro futuro com sua obra. Rosenthal lembra sua audiência como uma experiência positiva – um "tipo de processo de cura", como ele colocou.
Tony Kaye, diretor de A Outra História Americana, não teve a mesma sorte. Ele criticou a influência do astro do filme, Edward Norton, sobre o estúdio. Durante o processo de edição, Kaye gastou US$ 100 mil com anúncios denunciando Norton na imprensa de LA, além de ter convidado um rabino, um monge e um padre para tentar mediar sua reunião com um executivo do estúdio. Quando ele tentou renegar o filme e atribuí-lo a Smithee, a DGA decidiu que a briga tinha sido pública demais e que qualquer tentativa de se distanciar era inútil, negando o pedido de Kaye.
Rosenthal também já levou seus problemas com os estúdios para o lado pessoal no passado. Ele não trabalha com o Showtime desde Os Pássaros 2 e queimou sua ponte com a Warner Bros. TV com estilo: "Contratei um avião com uma faixa para voar sobre o estúdio com o qual eu tinha tido uma pequena briga", ele me contou. "Eu não disse nada muito negativo, mas, como eu fazia um personagem chamado Uncle Richard, a faixa dizia 'Bye Bye, Uncle Richard'. O resultado foi que não trabalhei para o estúdio de novo por 11 anos."
Apesar de admitir que deveria ouvir os conselhos dos amigos e pensar melhor sobre projetos futuros, Rosenthal conta que é fácil agir irracionalmente na indústria do cinema: "Você tem uma discussão com alguém e pensa: 'Foda-se. Por que vou continuar dando duro para alguém que simplesmente não entende?'."
O trailer de An Alan Smithee Film: Burn, Hollywood, Burn (Hollywood – Muito Além das Câmeras, em português).
Oficialmente, Smithee se aposentou depois do lançamento de An Alan Smithee Film: Burn, Hollywood, Burn, de 1997. A sátira de grande orçamento apresenta um diretor chamado Alan Smithee como personagem principal. Quando Smithee (Eric Idle, do Monty Python) percebe que não pode renegar seu filme porque tem o mesmo nome do pseudônimo da DGA, ele rouba a película e ameaça destruí-la. Ironicamente, Burn, Hollywood, Burn era tão ruim que o diretor, Arthur Hiller, escolheu usar o pseudônimo Smithee para se distanciar do projeto.
E isso não foi só um golpe publicitário: o filme ganhou cinco Framboesas de Ouro, incluindo Pior Filme (mas perdeu Pior Diretor para o Psicose de 98). Roger Ebert chamou o título de "um filme espetacularmente ruim: incompetente, sem graça, mal concebido, mal executado, toscamente escrito e interpretado por pessoas que parecem congeladas na frente do farol de um carro". Ele não deu uma estrela sequer para o título, o que fez sentido para um filme sobre um filme ruim. Desde então, a DGA tem usado outros pseudônimos, mas alguns diretores continuam se escondendo atrás do Smithee, como sua página no IMDB pode comprovar.
Rick Rosenthal acredita que a única maneira de os diretores garantirem controle criativo – e, assim, não precisarem recorrer ao pseudônimo – é realizar obras de baixo orçamento, já que, "no momento em que um diretor falha, as asas dele são cortadas. Fica muito mais difícil manter o controle que você tinha antes de um filme fracassar".
Smithee e a influência dos estúdios que o criaram vão viver nos blockbusters cada vez mais extravagantes que estamos vendo nesta década, já que as grandes equipes se mantêm leais aos estúdios, e não aos diretores. Alan Smithe provavelmente nunca vai ganhar um Oscar, porém os filmes atribuídos a ele revelam o que acontece quando a visão de um indivíduo entra em choque com a indústria. Ele nunca vai ser um grande diretor, mas, pelo menos, nos deu alguns memoráveis filmes péssimos.
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Tradução: Marina Schnoor