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Tecnologia

Está Na Hora de Reviver o Terror de Ficção Científica

O terror de ficção científica é um caminho pouco escolhido; em parte por ser uma aposta comercial arriscada e em parte porque é muito difícil transformar essa fusão em uma narrativa bem-sucedida e que fuja da tosqueira.
Cena de "O Enigma do Horizonte"

Já é difícil o suficiente fazer um bom filme de ficção científica ou um bom filme de terror; mas podemos contar nos dedos o número de filmes realmente bons que conseguiram mesclar os dois gêneros. Percebi isso durante o final de semana de Halloween, quando os canais da TV a cabo anunciavam suas maratonas implacáveis de filmes slasher e o Netflix sugeria um uma lista infinita de filmes de casas mal-assombradas e monstros: o terror de ficção científica é um gênero lamentavelmente escasso.

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O terror de ficção científica é um caminho pouco escolhido; em parte por ser uma aposta comercial arriscada — a ficção científica normalmente requer um orçamento generoso e o terror necessariamente limita seu público com seu apelo de nicho e classificação etária de 18+ — e em parte porque é muito difícil transformar essa fusão em uma narrativa bem-sucedida e que fuja da tosqueira.

Desastres como Jason X (Sexta-Feira 13 — no espaço!) e Leprechaun 4 (Leprechaun — no espaço!) contribuíram para a má fama do gênero. Mediocridades de maior orçamento como Resident Evil também não ajudaram muito. Mas existem bons exemplos suficientes no cânone de terror de ficção científica, cujo pico ocorreu nos anos 80, para provar que o subgênero merece uma ressurreição.

Tipicamente, o bom terror de ficção científica explora os limites, as fragilidades e as ansiedades do corpo humano em frente a um mundo em modernização. Assassinos em série podem desmembrar uma pessoa, é claro, mas a ciência pode contorcer, testar, e manipular a carne de jeitos que nós mal podemos imaginar. O terror de ficção científica nos oferece uma linguagem visual que nos permite dar vida aos nossos pesadelos mais vívidos e fantásticos sobre o que a ciência pode fazer com a gente.

ALIEN É O REI INCONTESTÁVEL DO GÊNERO

Enquanto a maioria dos épicos de ficção científica retratam uma saga interestelar e colorida ambientada em distopias distantes, no terror sci-fi, os humanos são sempre o foco: aprisionados desconfortavelmente em espaços herméticos, mesmo quando os aliens e experiências científicas os estraçalhar. O terror de ficção científica nos deixa cara à cara com a fraqueza e vulnerabilidade do corpo humano, nos forçando, da forma mais visceral possível, a refletir sobre o preço do progresso infligido nesses sacos de carne que chamamos de corpo. Será que deveríamos mesmo tentar aumentar nossa expectativa de vida tão desesperadamente, desbravar territórios desconhecidos, cutucar aquele pequeno ser alienígena?

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O gênero costuma se dar através do prisma de três de nossas maiores fobias fisiológicas: Medo do que pode estar crescendo dentro de nossos corpos, e do que pode eventualmente nascer deles (Alien, A Mosca); medo do que está crescendo dentro do corpo do outro, o que pode eventualmente nascer dele (O Enigma de Outro Mundo, Os Invasores de Corpos); e o medo de definhar, e o preço que pagamos por tentar reviver os mortos (todo filme decente de zumbis já feito).

Alien é a rainha incontestável do gênero. Considerado por muitos uma parábola visceral e placentária de nosso medo coletivo do nascimento, o filme é chocante, sangrento e cheio de suspense. Contando com um cenário e uma criatura psicossexuais concebidos magistralmente por H R Giger, um dos andróides mais convincentes já filmado, e uma corporação ominosa e desleal que joga os infelizes protagonistas nas garras dos alienígenas visando o lucro, todas as peças se encaixam — mas no final, é o terror corporal que rouba a cena.

Não há cena de terror de ficção científica mais icônica do que o nascimento do xenomorfo, que aniquila o corpo que um dia o hospedou e em seguida destrói tudo o que o cerca.

Se Alien é a rainha do gênero, David Cronenberg é o seu rei. Sua era de ouro do terror corporal ocorreu no final dos anos 70 e durante os anos 80, começando com Shiver (DSTs parasitas criadas em laboratório), passando por Videodrome (canais de TV controladores de mentes), Scanners (telepatas que explodem cabeças) e culminando no clássico A Mosca, que é ainda o exemplo mais magistral do gênero. (Nos últimos anos, Cronenberg se voltou para o drama hiper-violento, e o trono está tragicamente vago.)

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Poucos filmes rivalizam com A Mosca em termos da capacidade terrível de representar uma violência corpórea devastadora de uma forma empática ao público. Lançado nos anos 80, o filme era visto como uma alegoria sobre a AIDS — o corpo do protagonista se degrada, se torna irreconhecível, e acaba definhando por causa de uma força invisível e arrebatadora.

Nós nos retorcemos conforme o corpo de Goldblum apodrece e se transforma, e sentimos arrepios enquanto observamos esse processo. Talvez porque nós estejamos pensando por quanto tempo nossa pele irá manter o viço, antes que algum processo invisível, seja ele natural ou desencadeado por alguma substância alienígena em nosso ambiente, a leve à putrefação.

Nosso medo de nossos corpos não serem o que parecem vem, em grande parte, do McCartismo da metade do século passado — Os Invasores de Corpos traz uma forma de vida alienígena que pode transformar o seu vizinho em um drone bem embaixo do seu nariz; e você pode ser o próximo. O Enigma de Outro Mundo, de John Carpenter, traz a mesma premissa, mas elevada à última potência e se passando na Antártida. O primeiro é notável por sua paranóia poderosa e atual, o medo de em-quem-podemos-confiar, e o segundo por suas formas incomparáveis de desfigurar e manipular a forma humana.

Quando foi a última vez que você viu algo como isso; uma criatividade tão imensa empregada em imaginar como corpos podem ser contorcido e desfigurados por forças alienígenas:

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Nós sabemos tão pouco sobre os agentes que afetam nossos próprios corpos, que os corpos de outros podem ser considerados enigmas completos; drones vegetais alienígenas ou pequenos espinhos peçonhentos esperando para nos atacar quando cutucados ou acuados.

Ainda dentro dessa onda, os filmes de zumbi mais ligados ao zeitgeist muitas vezes seguem na direção do terror de ficção científica — certas versões modernas que ligam a zumbificação com supervírus, como em Extermínio —e exploram nosso medo de que uma doença possa se modificar a ponto de encher nosso planeta de corpos raivosos, contagiosos, não-pensantes e cheios de pus. Mais do que o normal, pelo menos.

Também vale a pena citar (nem que seja como um raro exemplo de um filme que tentar inovar dentro do próprio gênero) o meia-boca, mas notoriamente perturbador O Enigma do Horizonte. Eu ainda não consegui tirar esse filme do recanto tétrico do meu cérebro desde que o assisti na adolescência. Se ele fosse mais coeso, ele poderia ser um sucessor à altura de Alien, especialmente na sugestão de que nossa ânsia por conhecimento pode nos levar a um inferno interno excruciante.

O filme também contêm um dos cenários de terror mais incômodos do cinema— uma espaçonave que deu um salto insensato através do espaço/tempo — o que é algo notável.

Todos os filmes mencionados merecem ser assistidos, especialmente se você quiser passar um bom tempo pensando sobre seus órgãos internos agradecendo por eles estarem intactos. Eles oferecem uma perspectiva arrepiante e valiosa dos perigos de viver em um mundo industrial cheio de tecnologia e doenças — especialmente quando se é um bípede rosado, de pele macia e eminentemente vulnerável.

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Há espaço para outras discussões, é claro; espera-se que o gênero passe por uma renascença. É claro que nós estamos chafurdando em zumbis, mas The Walking Dead não liga muito para a ciência. E vampiros de franquias e assassinos em série não tem muito a dizer sobre nossas ansiedades e medo do que ameaça nossos corpos em nossa caminhada rumo ao futuro. Está na hora de reviver o terror de ficção científica.

Aqui está minha lista (admitidamente cheia de Cronenberg) do melhor que esse pequeno gênero tem a oferecer, como prova de que a vertente merece um pouco mais de atenção dos produtores de Hollywood:

10. Viagens Alucinantes (1980)

9. O Enigma do Horizonte (1997)

8. Extermínio (2002)

7. Scanners (1981)

6. A Noite dos Mortos-Vivos (1968)

5. Videodrome (1983)

4. O Enigma de Outro Mundo (1982)

3. Os Invasores de Corpos (1978/1956)

2. A Mosca (1986)

1. Alien, o Oitavo Passageiro (1979)

Por mais filmes como estes, por favor.

Tradução: Ananda Pieratti