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Música

Os artistas da Príncipe Discos falam connosco sobre os seus últimos lançamentos

A Príncipe Discos é uma das editoras electrónicas mais importantes dos últimos anos, e acaba de editar os EP's de Normal Nada e Blacksea Não Maya.

Príncipe Discos é uma das editoras electrónicas mais importantes dos últimos anos. Desde 2013 apresentam ao mundo a música feita pelos filhos da imigração angolana, chamando a atenção de toda a comunidade electrónica mundial, chegando até a publicar uma série de compilações em Warp Records (actualmente têm publicados três volumes de "Cargaa"). Os seus discos contêm música de dança depurada até ao tutano. Só ritmo e alma, entrelaçando o house mais seco com ritmos africanos, como a tarraxinha e o kuduro, convertendo-a em algo novo a que eles chamam batida, "a palavra que usamos para descrever o bater do coração depois de um acidente de carro" (DJ Marfox, uma das cabeças visíveis do género).

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Os discos publicam-se sempre em cópias limitadas, pintadas à mão pelo artista Márcio Matos, e os seus autores são jovens (e não tão jovens) Lisboetas, primeiras e segundas gerações de imigrantes encontraram na música outra forma de criar comunidade. Por isso, Príncipe Discos é também uma plataforma política que apresenta ao mundo um som único, mutante e real, proveniente de um dos bairros mais pobres da capital portuguesa, com a sua própria poética e identidade cultural.

"Calor no frioo" (Blacksea Não Maya) e "Transmutação Cerebral" (Normal Nada) são as suas últimas referências, publicadas na sexta-feira passada. Aqui podem ouvi-las, comentadas pelos seus autores:

BLACKSEA NÃO MAYA

Todas as fotografias por Marta Pina.

Blacksea Não Maya são um colectivo formado pelos djs Kolt, Noronha e Perigoso, três jovens com idades entre os 23 e os 18 anos, do bairro de Cucena, em Lisboa. "Calor no frioo" é o seu segundo trabalho em Príncipe Discos, depois do seu split com Piquenos Djs Do Guetto. A sua música é mais imaginativa, trepidante e alienígena que em esforços prévios. Orgias percursivas ("Macobayou"), chocalhos a ponto de quebrar-se entre melodias saltitantes, e um bombo inalterável ("Comandante em chefe"), e inclusive sons da selva conectando a batida lisboeta com Eden Ahbez ("Perseguição").

"Vivemos na margem sul, na aldeia de Paio Pires. A minha primeira recordação relacionada com música foram as aparelhagens sonoras do meu pai, que me fascinavam e que me dava sempre desejo de lhes mexer.

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O Joker foi o fundador do grupo, então todos os nossos sons mais antigos também foram produzidos com a sua intervenção, mais oral, mas 'we send this' foi o primeiro em que ele interveio mesmo até na parte de montar o som, trabalhar com ele é mais rígido do que nós no que toca a terminar sons, porque ele gostava de ter as faixas logo terminadas e fazia-nos um pouco de pressão, e agora estamos onde estamos, era bom trabalhar com ele e esses tempos ainda hão de voltar.

Éramos uma crew de dança mas ao mesmo tempo íamos tocando de vez em quando e já fazíamos as nossas próprias mixes, dançávamos kuduro e curtíamos de batidas de kuduro também, começámos então a produzir com um portátil apenas, e com um sistema rasca de som, era o que conseguíssemos ligar para dar som.

Conhecemos a Príncipe Discos através do facebook, eles ouviram o que metíamos no youtube e entraram em contacto connosco. A relação com eles fez com que nós aparecêssemos a tocar a nossa musica livremente, o que não acontecia nas festas africanas, ou de amigos dos amigos onde íamos tocar na altura, com eles passámos literalmente a ser tratados como artistas a sério, actuando em vários lados, dentro e fora de Portugal."

NORMAL NADA

Também conhecido por Qraqmaxter CiclOFF e Erre Mente, Normal Nada é uma lenda oculta de Lisboa. O disco é uma viagem que vai do noise digital ("Kakarak 2") à doce tarraxinha ("Tarraxinha da Calopsita" é uma das canções mais bonitas que Príncipe Discos publicou até ao momento), passando pelos ritmos da batida característicos da editora convertidos aqui numa festa mentalista. É um dos artistas mais especiais da casa, esquivo e flutuante, parece ser pelo menos 3 pessoas. De todas as perguntas que lhe enviámos só quis responder à que fazia referência à Príncipe.

"O panorama musical lisboeta na minha visão não está bom. É um tema muito largo para ser abrangido. Daí eu abençoo a existência da Príncipe. Não pelo que são ou fazem, mas porque eles são os únicos a fazer e a lutar por certos princípios, e foi assim que me encontrei com eles e nos juntámos no meio da batalha."