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Como É Ser Atingido por um Raio

"Comecei a sentir as gotas de chuva de novo; então, puxei meu boné um pouco mais para baixo. Essa é a última coisa de que me lembro."

Foto via Wikimedia Commons.

Trinta pessoas ficaram feridas no final de semana retrasado quando um raio atingiu um festival de música no sul da Alemanha. Felizmente, todo mundo saiu vivo e bem dessa, mas os participantes azarados tiveram de passar o fim de semana no hospital em vez de assistir ao Foo Fighters – que, dependendo da sua opinião, pode ser um pouco menos doloroso.

Aparentemente, ser atingido por um raio não é tão incomum quanto parece. Na Áustria, por exemplo, duas a três pessoas são atingidas todo ano. Milagrosamente, nem todo mundo morre: a taxa de mortalidade depende de vários fatores como força da descarga, o caminho da corrente pelo corpo e a rapidez nos primeiros socorros.

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Renate K é uma das sortudas que sobreviveram a isso. Sua vida inteira mudou num milionésimo de segundo quando ela foi atingida enquanto caçava numa tarde de verão. A história seguinte é uma releitura da experiência de Renate.

Venho de uma longa linhagem de caçadores. Esgueirar-se pela floresta atrás de animais nos quais se possa atirar é uma tradição da minha família há gerações.

Numa tarde de julho, estávamos numa viagem normal de caça. Tinha acabado de parar de chover, as nuvens estavam finalmente se dissipando e deixando a luz do sol passar. Eu e meu marido tínhamos subido numa cabana de caça alta para podermos fazer o que os caçadores fazem melhor: sentar e esperar. Estávamos com as cabeças para fora da pequena abertura na fachada da cabana, observando a floresta para ver se algo se mexia. Comecei a sentir as gotas de chuva de novo; então, puxei meu boné um pouco mais para baixo. Essa é a última coisa de que me lembro.

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Depois disso, senti como se tivesse subido numa montanha-russa. Tudo caiu como se estivesse de cabeça para baixo, e eu sentia uma dor excruciante no rosto. Quando abri os olhos, percebi que estava deitada no chão e que meu marido estava me sacudindo violentamente para me acordar. Nada fazia sentido; então, comecei a gritar. Eu não fazia ideia do que estava acontecendo.

"Fomos atingidos por um raio", ele gritava.

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Eu não conseguia sentir nada além da minha cabeça. Eu estava completamente amortecida.

Meu marido me jogou por cima do ombro e carregou meu corpo inerte escada abaixo. Ele conseguiu me levar até o final da floresta, onde me deitou num barranco e correu para buscar o carro. Eu não tinha forças nem para sentar, mas conseguia sentir os movimentos voltando lentamente para o meu corpo. Eu não conseguia deixar de me preocupar com o que estava passando na cabeça dele: sua esposa estava deitada lá, como um pedaço de carne queimada no campo. Eu não queria que ele pensasse que eu estava morta; assim, usei todas as minhas forças para sentar. Só para mostrar a ele que estava viva. Nesse mesmo momento, meu celular começou a tocar. Era meu filho. Naquele momento, eu não sabia se ia sobreviver ou não – eu estava apavorada que o amortecimento se espalhasse e chegasse à minha cabeça. Foi uma experiência terrível, e eu queria poupar meu filho. Dito isso, eu não teria conseguido atender ao telefone mesmo se quisesse.

Meu marido me colocou no carro e correu comigo para casa, onde os meus sogros me ajudaram a sentar numa cadeira. Fiquei sentada lá, quase sem vida. Por um lado, eu estava totalmente amortecida, mas, ao mesmo tempo, cada parte do meu corpo parecia estar queimando. Foi estranho, porque eu estava igualmente apática e com medo de morrer. Eu tinha certeza de que morreria naquele dia.

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Por alguma razão, minha jaqueta não tinha sofrido nenhum arranhão – diferentemente da blusa que eu estava por baixo, que ficou toda rasgada. Eu tinha uma queimadura ensanguentada começando no meu ombro direito e correndo na diagonal pelo meu corpo até meu pé esquerdo.

A queimadura de saída da descarga do corpo de Renate. Foto cortesia de Renate K.

Não demorou muito para os paramédicos chegarem. De repente, havia luzes azuis por todo lado. Cinco carros chegaram para estabilizar a mim e ao meu marido. Acho que nossos braços se tocaram quando o raio caiu; logo, ele pegou a última parte da descarga. Ele admite que não tinha a menor ideia do que estava acontecendo até estar na metade da escada da cabana. Até aquela parte, tudo é um vazio para ele.

Nossas pressões sanguíneas reagiram de maneira muito diferente ao incidente. Enquanto a dele estava extremamente alta, 220 de 200, a minha ficou perfeitamente estável, 120 de 80. O que não é diferente de um bebê dormindo. Fomos levados a hospitais diferentes, onde passamos dois dias na UTI tendo nossas condições monitoradas. Estávamos bem, apesar das queimaduras, claro.

Nos dias seguintes ao incidente, cada centímetro do meu corpo doía. Era como se eu nunca tivesse feito exercícios na vida e decidisse correr um triatlo ou algo assim. Fiquei destruída por uma semana inteira. Eu não conseguia fazer nada. Não queria fazer compras, cozinhar, nada – fiquei deitada lá, impotente, com zero vontade de mover um único músculo do meu corpo.

Uma das partes mais difíceis da experiência veio logo depois. A imprensa meio que nos atacou, querendo entrevistas, mas recusei todos os pedidos. Eu estava tão feliz de estar viva que não queria desperdiçar tempo falando com a mídia sobre quão perto da morte cheguei. Especialmente depois de ouvir que quatro outras vítimas de raio tinham morrido no mesmo dia na Alemanha. Três morreram no local, mas a quarta morreu alguns dias depois no hospital. Por pura coincidência, achei meu médico discutindo o que tinha acontecido comigo na televisão. Ele explicava para a câmera que eu não estava fora de perigo ainda e que eu ainda podia morrer dentro de alguns dias. Que jeito de descobrir.

As pessoas sempre me perguntam se o incidente mudou minha perspectiva de vida. Acho que não. Acho que isso só me fez perceber que sempre vivi a vida como devia. Nenhum raio vai mudar isso. A única grande diferença é que estremeço sempre que vejo o brilho de um raio – e tento evitar tempestades o máximo possível.

Tradução: Marina Schnoor