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O Exército do Egito Massacrou 72 Manifestantes No Último Final de Semana

72 manifestantes massacrados na pior matança do Egito desde que Morsi foi deposto com um golpe militar.

Manifestantes anti-Morsi se reúnem no palácio presidencial enquanto helicópteros sobrevoam.

As primeiras vítimas ensanguentadas começaram a chegar ao hospital de campanha, atrás da mesquita Rabaa al-Adawiya, nas primeiras horas da manhã de sábado. Para começar, as principais causas de ferimentos eram balas de chumbo e gás lacrimogêneo, infligidos quando as forças de segurança dispararam contra os manifestantes próximos.

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Um pouco depois das quatro da manhã, as baixas começaram a aparecer, com ferimentos de balas disparadas pela polícia e por atiradores disfarçados de civis. Muitos já estavam mortos quando chegavam ao hospital, outros estavam mortalmente feridos. A instalação pequena e mal equipada logo ficou sobrecarregada. “Fiquei chocado ao ver o caos no hospital de campanha — não consigo me esquecer da cena ali”, disse o Dr. Mohammad Elatfy, que correu para lá assim que viu um apelo por mais médicos na TV local. “Todas os leitos estavam ocupados e o chão estava coberto com sangue, feridos e mortos.”

Quando Mohamed Morsi, o primeiro presidente eleito de forma livre no Egito, foi deposto no dia 3 de julho, a mesquita de Rabaa al-Adawiya se tornou o centro de protestos dos simpatizantes islâmicos que exigem sua volta ao poder. As ruas ao redor se transformaram numa cidade de barracas cercada por barricadas de tijolos alojando centenas de milhares de homens, mulheres e crianças.

Até o último final de semana, os novos governantes militares do Egito aceitaram o acampamento. No entanto, quando o General Abdul Fattah al-Sisi, chefe das forças armadas, pediu que seus apoiadores saíssem às ruas na sexta para lhe dar um “mandato” para lutar contra o “terrorismo”, a violência no Cairo pareceu inevitável (Mohamed el-Beltagy, figura central da Irmandade Muçulmana, chegou a afirmar que Sisi estava “pedindo por uma guerra civil […] para proteger seu golpe militar”).

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A sexta-feira começou relativamente pacífica. No começo da tarde, o clima na Praça Tahrir, o ponto de reunião dos manifestantes contrários a Morsi, era festivo. Tanques estavam enfileirados nas ruas de acesso e militares supervisionavam os postos de controle de civis. Tratava-se, claramente, de uma presença bem-vinda; as ordens eram seguidas instantaneamente e manifestantes sorridentes — que veem os militares como camaradas em sua luta contra a Irmandade — posavam para fotos perto dos soldados e dos veículos.

Mais manifestantes anti-Morsi do lado de fora do palácio presidencial.

Dentro da praça, manifestantes de cara pintada com bandeiras do Egito carregavam cartazes com fotos de al-Sisi e frases como “Eu te autorizo contra o terrorismo”. Helicópteros do exército circulavam acima, com frequência, tão perto que o refluxo jogava poeira e pequenas pedras na multidão de manifestantes. Imperturbáveis, muitos levantavam os braços e recebiam a tempestade de poeira com gritos de comemoração.

“Estamos aqui para confrontar o terrorismo e para agir contra a Irmandade Muçulmana”, disse um dos manifestantes. “Eles querem apenas o poder e [nós estamos] contra eles — apoiamos nosso exército.”

A natureza exata do “terrorismo” sendo confrontado variava dependendo da pessoa questionada. Alguns acusavam a Irmandade Muçulmana de envolvimento em ataques contra turistas cometidos no decorrer dos anos, como o massacre do Luxor. Outro homem, que se apresentou como Joe e disse que planejava encontrar sua mulher em Birmingham depois do Ramadã, sugeriu que os seguidores de Morsi trouxeram combatentes do Hezbollah e do Hamas para o Egito através dos túneis que vêm da Palestina pelo Sinai.

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Um grupo menos desconfiado, com manifestantes cristãos e muçulmanos misturados, me disse que, para eles, o protesto era sobre a união do povo egípcio. “Somos a mesma coisa e a Irmandade Muçulmana não vai nos separar”, eles disseram, gesticulando para as tatuagens nos pulsos de alguns deles, o que é comum entre a população copta.

O irmão de Joe interviu bruscamente. Ele queria falar sobre os Estados Unidos e se dizia descontente com o atraso do governo norte-americano em entregar os F-16s em resposta ao pedido de protestos de Sisi. “Tem uma coisa que quero dizer”, ele cuspiu. “Foda-se o Obama — ele parou de nos apoiar. Ele não vai ajudar os militares porque quer Morsi de volta. A revolução [de 30 de junho] arruinou os planos dele para o Oriente Médio.”

Simpatizantes de Morsi no protesto do lado de fora da mesquita Rabaa al-Adawiya.

Anne Patterson, a embaixadora norte-americana no Egito, também recebeu uma rodada de ofensas: “A maldita embaixadora, queremos ela fora. Ela está fazendo um acordo por debaixo do pano com a Irmandade Muçulmana”. Patterson deve ter um dos trabalhos mais ingratos da Terra; os simpatizantes de Morsi fazem afirmações similares sobre as relações dela com grupos anti-islâmicos.

A hostilidade contra os Estados Unidos era grande na praça Tahrir. Chegando juntamente com jornalistas americanos, só consegui entrar lá graças à intervenção de um oficial do exército. Outros contaram que foram mandados de volta logo na entrada. Mais tarde, ser escocês me garantiu uma recepção muito mais positiva: “Ah, vocês são durões, caras fortes”, disse um dos manifestantes, levantando o punho no ar. “Liberdade!”

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Naquela noite, simpatizantes dos militares marcharam pelo Cairo e convergiram na praça. Fogos de artifício foram disparados e manifestantes alegres subiram nos tanques do exército. Houve também um julgamento simulado, onde Morsi foi sentenciado à prisão perpétua diante de um público caloroso. De volta à realidade, Morsi está numa prisão secreta nas últimas três semanas e será julgado por acusações que podem lhe render a pena de morte.

Um homem se desespera enquanto corpos de manifestantes pró-Morsi são carregados para fora do hospital improvisado.

No ponto alto da festa, os militares convidaram os jornalistas ocidentais mais proeminentes para um passeio de helicóptero para ver a Tahrir de cima. Coincidentemente — ou talvez não — na Rabaa, foi por volta desse momento que a polícia atacou os manifestantes pró-Morsi. Testemunhas relataram que um grupo de manifestantes estava indo para longe da mesquita na direção da Ponte 6 de Outubro, mas acharam seu caminho bloqueado pelas forças de segurança, que abriram fogo contra eles com gás lacrimogêneo e espingardas. Hassan Ali, um professor árabe, disse que a polícia estava recebendo o apoio de homens armados em roupas civis, no entanto, não ficou claro se eles eram policiais disfarçados, moradores locais ou homens contratados.

Os manifestantes dizem que só jogaram pedras, fogos de artifício e os cartuchos de gás lacrimogêneo disparados contra eles, apesar de alguns jornalistas na cena terem reportado tiros vindo do lado dos manifestantes. De acordo com o ministério do interior, nenhum policial foi morto.

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Um simpatizante de Morsi é levado para o hospital improvisado para ser socorrido.

Cheguei a Rabaa logo depois do início do tiroteio. Feridos estavam por toda parte. Casos menos sérios estavam deitados no chão da própria mesquita, com pessoas segurando sacos de soro e agulhas usadas deixadas em sacos vazios. Voluntários entregavam sacolas plásticas com suprimentos médicos, parando para tirar os sapatos na porta da mesquita e correndo até o hospital de campanha, para onde os casos mais críticos tinham sido levados.

Lá, o influxo de pacientes e corpos era quase grande demais para suportar. “Não podemos continuar”, disse o Dr. Ahmed Fawzy. “Pacientes morreram aqui, aqui e aqui”, disse ele, gesticulando para três pontos diferentes dentro de alguns metros onde estávamos. “Eu não tinha espaço para trabalhar.”

Fawzy e outros disseram que muitos dos feridos tinham marcas de bala na cabeça, peito, pescoço e abdômen, o que, aparentemente, indica que a força letal usada foi intencional.

Assim que o caos diminuiu um pouco, um corredor foi aberto no meio da multidão na sala de emergência improvisada para levar os corpos até o necrotério de um dos hospitais locais, para que as famílias pudessem reclamá-los. A equipe médica fez questão que os jornalistas e fotógrafos tivessem a melhor visão possível da imagem sinistra.

Esperamos por alguns momentos enquanto homens exaustos de jaqueta amarela, muitos ainda com luvas cirúrgicas, ajudavam a manter o canal aberto. Depois de um tempo, uma procissão de corpos embalados em lençóis ensanguentados chegou rapidamente às ambulâncias que os esperavam, seguidos por gritos de “Fora Sisi”, “Sisi assassino” e “Allahu akbar”.

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Enquanto os padioleiros iam e voltavam, homens se abraçavam chorando e mulheres limpavam os olhos através dos nicabs manchados de lágrimas. Lá fora, enquanto os corpos eram colocados nas ambulâncias, o sangue manchava o concreto.

Um memorial para um simpatizante de Morsi morto.

Os médicos do hospital de campanha relataram 120 mortes, a contagem oficial ficou em 72 e o Human Rights Watch estimou pelo menos 74. De qualquer maneira, foi a maior matança desde que Hosni Mubarak foi deposto em janeiro de 2011, ainda pior do que o tiroteio no Clube da Guarda Republicana, no qual 51 simpatizantes da Irmandade Muçulmana morreram no começo deste mês.

Na sequência, o ministro do interior, Mohammed Ibrahim, disse que as forças de segurança usaram apenas gás lacrimogêneo contra os manifestantes. Baseado no número de ferimentos de balas e mortes, parece extremamente improvável.

De volta a Rabaa, o clima era de desafio; o massacre pareceu apenas fortalecer a resolução dos manifestantes em ficar, particularmente, porque muitos sentiam que essa é a única maneira de evitar uma perseguição futura. Sob o sol da tarde, um grupo construía outra barricada de tijolos na entrada de uma das ruas de acesso.

Manifestante pró-Morsi sentado em frente a uma barricada onde os enfrentamentos aconteceram.

“Não temos escolha. Se sairmos agora, pagaremos com nossos pescoços. Se eles continuarem nos matando, nunca mais iremos para casa”, disse Abdul Abraham, um jornalista dos Emirados Árabes. “Você pode voltar daqui a uma hora, um dia ou uma semana, e podemos estar mortos”, gritou outro homem. “Mas vamos continuar lutando.”

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Do lado dos militares, a resolução também se mantém forte. Ibrahim deixou clara sua intenção de dispersar as manifestações o quanto antes, e muitos esperam que as forças armadas façam valer essa ameaça muito em breve. Enquanto isso, ontem, o Conselho de Defesa Nacional disse que manifestações não pacíficas serão recebidas com ações “firmes e decisivas”.

Há tentativas de mediação; a chefe de política estrangeira da União Europeia, Catherine Ashton, está no Cairo agora para falar com os líderes dos dois lados. No entanto, como é de se esperar, ninguém parece disposto a ceder. E com o Egito dividido de uma maneira sem precedentes, futuros derramamentos de sangue parecem inevitáveis.

Siga o John no Twitter: @JM_Beck

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