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Uma Entrevista com o Misterioso Coletivo de Escritores Wu Ming

Entrevistamos o quarteto de escritores anti-establishment.

O coletivo Wu Ming. Todas as imagens cortesia de Wu Ming.

Wu Ming é o pseudônimo de um misterioso quarteto de escritores anti-establishment. Em mandarim, o nome significa “anônimo” ou “cinco pessoas” (um dos membros saiu em 2008), dependendo da pronúncia. O que é muito estranho. Mas o mais estranho é isso, quando os cinco membros do Wu Ming começaram sua “guerrilha contra a indústria cultural” — em 1994, juntamente com outros artistas fanfarrões politizados — eles fizeram isso sob a bandeira de “Luther Blissett”. Aí ficamos imaginando se o ex-atacante do Watford e do Milan alguma vez pensou que haveria um monte de gente por aí travando uma “guerrilha contra a indústria cultural” em seu nome até que eles matassem esse apelido coletivo em 1999. Seria Blissett, como o coletivo sugere, um futebolista sabotador anarquista, jogando mal de propósito como um ataque premeditado ao próprio espetáculo do futebol? Ou será que ele era só ruim de bola mesmo?

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São dilemas lúdicos como esse que ocupam até hoje as mentes dos membros remanescentes do Wu Ming. Depois do sucesso do best-seller de Luther Blissett Q em 1999, a diáspora de guerreiros culturais do Wu Ming tenta repetir o sucesso com Altai, seu romance de 2009.

Me encontrei com o Wu Ming 1 (Roberto Bui) para falar sobre a história do grupo, a recusa deles em ser fotografados, política italiana e utopias comunistas de ficção científica.

O “retrato oficial” do coletivo Wu Ming de 2001 até 2008.

VICE: Para começar, por que vocês escolheram o nome Luther Blissett — um jogador de futebol inglês medíocre — para a primeira incarnação do coletivo?
WM1: Ninguém sabe. É uma coisa completamente sem sentido — algo meio Monty Python. Houve muitas tentativas de explicar isso, mas são todas inventadas. Espalhamos alguns mitos para que as pessoas escolhessem sua explicação favorita. Algumas pessoas acham que o escolhemos como uma declaração antirracista, já que em 1983 Luther Blissett era um dos poucos jogadores negros na Série A italiana, o que o tornou alvo de abusos racistas. Mas isso foi inventado. Para outros, italianos radicais acreditavam que as más atuações dele em campo eram uma sabotagem deliberada ao espetáculo do futebol — que ele era algum tipo de infiltrado, jogando mal para arruinar o show; Luther Blisset, o jogador anarquista. Claro, tudo isso é besteira.

E vocês já eram ativos na internet desde dessa época, certo?
Sim, a internet que ainda viria a se tornar a rede mundial de computadores. Quando cheguei a Bolonha, conheci alguns caras que eram muito ativos nos bulletin boards systems – a rede de computadores anterior ao www. Quando o www apareceu, já usávamos computadores para espalhar nossa mensagem. Isso foi antes mesmo do projeto Luther Blissett. Era o movimento “Autonomia”, assim como o envolvimento com a contracultura, redes underground e o cyberpunk. O cyberpunk na Itália não foi apenas um fenômeno literário, também foi um fenômeno político – parte dos movimento de ocupações. Quando começamos o projeto Luther Blissett, já estávamos envolvidos em tudo isso, o que nos torna pioneiros em certo sentido, isso foi 25 anos atrás.

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E como a ideia desse “silêncio visual” que vocês mantêm se encaixa nisso? O blog de vocês é enorme e suas aparições públicas são muito envolventes — vocês respondem a todo mundo, vocês falam com as pessoas…
Sim, claro. Um dos nossos lemas é: “Opaco para a mídia, transparente para os leitores.” Acho que, desde que começamos, já fizemos cerca de 2 mil apresentações dos nossos livros. E continuamos nos movendo. Outro lema é: “Mantenha sua bunda na estrada.” Queremos conhecer os leitores pessoalmente. Mas nunca posamos para fotos. Não há fotos de “escritor” nossas – aquela pose típica de “Estou pensando, sou muito sensível, estou tendo ideias neste exato momento.”

Trabalho artístico do Wu Ming.

E qual é o tipo de recepção que vocês têm na Itália? Como funciona a escrita política e opinativa por aqui?
Temos reações radicalmente diferentes. Há uma grande comunidade de leitores ao nosso redor — interagindo conosco — e é uma relação horizontal; não há barreiras entre nós. É uma comunidade de artistas e ativistas, mas também pessoas comuns que simplesmente gostam de ler. Esse é o lado bom.

Mas há outra seção da indústria cultural que nos despreza. Por causa dessa escrita coletiva, vinda da classe trabalhadora, vinda de um meio radical — eles não conseguem entender isso. É algo tão estranho pra eles, algo que eles percebem como uma ameaça ao seus status, ao seu poder. Não importa o que escrevemos, estamos sempre errados. Mas não damos a mínima para eles. Não escrevemos para essas pessoas, não precisamos delas. Eles podem fazer e dizer o que quiserem. A sociedade literária é algo com o qual não queremos nos envolver.

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Fiquei interessado na sua ideia de misturar ficção e não-ficção no que vocês chamam de “objetos narrativos não identificados”. A ideia de misturar ficção e não-ficção como abordagem de escrita é algo bem popular hoje em dia, mas – sobre Altai, o último livro de vocês — li que vocês disseram que a técnica é uma maneira de tocar num tipo de utopia que estamos todos buscando.
Sim, isso mesmo. Se nos prendermos à diferença entre impulso utópico e programa utópico, como definimos num artigo para o Guardian recentemente, o impulso utópico não é imaginar uma sociedade utópica nos mínimos detalhes. É ter um desejo por um outro mundo em tudo que você faz todos os dias. Há pessoas que escalam montanhas porque só podem se libertar quando fazem isso — porque não gostam do que fazem todos os dias.

E é também transmitir certas mensagens colocando sua história em pequenas lacunas da história mundial para provocar esse impulso utópico no leitor. Em Q, por exemplo, havia uma personagem principal que mudava continuamente de nome. Esses nomes são todos reais — são nomes de radicais cujas vidas são quase completamente desconhecidas, mas seus nomes apareciam aqui e ali em relação a revoltas, levantes, etc. Nossa intervenção ficcional foi fingir que esses nomes todos pertenciam a um homem que sempre aparecia aqui e ali na história. O entrelaçamento desses eventos é ficcional, mas os eventos são reais. Em Altai, os otomanos conquistaram o Chipre — todos nós sabemos disso.

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E é nas fendas da história que construímos nossas histórias, onde trazemos nossas mensagens. Achamos que, no Q, por exemplo, conseguímos transmitir um sentimento de rebelião, de insurreição, que era comum em muitas partes da Europa na época – às vezes essas fontes históricas não transmitem isso porque são sobre eventos distintos, elas são muito díspares.

A capa de Altai, o último livro do Wu Ming traduzido para o inglês.

Para um de seus próximos trabalhos, vocês disseram que vão escrever sobre comunismo de ficção científica nos anos 70. Como isso vai funcionar?
Havia esse cara que também mencionamos na nossa lista de dez melhores contos utópicos: Peter Kolosimo. Ele era um personagem muito peculiar. Ele era claramente stalinista, mas de um jeito visionário. Ele tinha contato com cientistas estranhos da Rússia, Alemanha, no Bloco Oriental. E ele gostava muito de OVNIs. Ele estava convencido de que, durante tempos pré-históricos, aconteceram encontros de terceiro grau entre humanos e extraterrestres.

Ele também acreditava que esses extraterrestres eram comunistas. Se eles tinham a tecnologia para viajar de uma galáxia para a outra, é claro que deviam estar num nível de economia mais avançado, e claro que tinham uma economia planetária, e claro que não havia propriedade privada ou divisão de classes na sociedade deles, etc, etc. Ele escreveu best-sellers — que venderam centenas de milhares de cópias na Itália — e então tentou rastrear esses extraterrestres na história antiga e na pré-história.

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Entendo por que vocês querem escrever sobre ele.
Sua filha, que vive na Suécia e é fã do nosso trabalho, entrou em contato conosco depois que escrevemos um perfil sobre Peter Kolosimo na GQ italiana, sem saber que queríamos escrever um livro sobre o pai dela. E ela disse: “Pela primeira vez alguém entendeu o lado político do trabalho do meu pai.” Eu queria entrevistar ela e a mãe dela para escrever a biografia dele, mas elas não se sentiram confortáveis com isso, então resolvemos fazer um romance que usasse o trabalho de Kolosimo como base para escrever sobre esse meio social de pessoas loucas por trás da Cortina de Ferro. E também na Itália, especulando sobre o papel dos alienígenas na construção da nossa civilização, sobre socialismo no espaço sideral e coisas assim.

Beppe Grillo, líder do Movimento Cinco Estrelas. (Foto via)

Vamos nos voltar para a situação política na Itália. O Movimento Cinco Estrelas (M5S em italiano) do comediante Beppe Grillo fundou uma filial grega. Como isso está se saindo na Itália? Qual o papel deles na formação de um novo status quo?
Beppe Grillo sempre diz que se eles não estivessem por aqui — se o M5S não existisse — teríamos um Aurora Dourada italiana em nossas mãos. O que é altamente degradante para seus eleitores, porque ele está admitindo que muitas pessoas que votaram nele teriam votado em nazistas em outra situação. Ele os chama da eleitores cripto-fascistas.

O M5S é na verdade muito racista. Eles tentam esconder esse aspecto da sua retórica sob camadas e distinções. Mas se você chegar ao centro da política deles, vai ver isso. O que eles fizeram foi estabilizar a situação política. Eles evitaram que um movimento radical propriamente dito emergisse. Eles sequestraram a energia das pessoas através de um discurso simplista de “Pessoas boas contra políticos corruptos”. E isso é simplista porque eles nunca analisam as causas da corrupção política – não há uma crítica ao capitalismo. Eles nunca criticam os chefes, só criticam os políticos. É diferente do que está acontecendo na Espanha, por exemplo. Mesmo a situação sendo confusa por lá, eles pelo menos entendem que o problema é o próprio sistema.

Você quer dizer que Grillo é apenas um espetáculo — uma fachada para o radicalismo?
Exatamente. É por isso que chamamos isso de um “movimento confusionista”. Esse cara é — se você reparar bem na linguagem corporal dele, na sua retórica, o modo como ele grita no palco, a relação entre ele e as massas — absolutamente fascista, num sentido mais amplo. Ele não é um fã do fascismo histórico, claro. É mais um fascismo antropológico. Ele estabelece uma relação muito vertical entre o líder e a multidão. Ele nadou da Calábria até a Sicília para as eleições regionais, cercado por câmeras. Esse é o tipo de coisa que o Mussolini costumava fazer. Há essas fotos do Mussolini sem camisa, colhendo grãos com uma foice, durante a Batalha do Grão.

O líder mostrando o corpo é algo tradicionalmente fascista na tradição italiana. É algo meio fetichista. É uma distorção do impulso utópico. As pessoas que votam nesses palhaços fazem isso porque querem viver de maneira diferente — impulsos sequestrados e distorcidos que se tornam monstruosos no processo. E o Pepe Grillo é isso. Seu sucesso é inteiramente devido a isso. Muitas pessoas da esquerda votaram nele, mas ele está dizendo coisas de esquerda num contexto completamente diferente, e isso o torna vazio de qualquer conteúdo real.

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