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Fidel Bafilemba Fala Sobre os Minerais Sangrentos no Congo

O Suroosh Alvi conversou com Fidel Bafilemba, um pesquisador de campo do projeto Enough, dos Estados Unidos, sobre o mundo selvagem dos minerais sangrentos e dos rebeldes que os querem.

O Suroosh Alvi conversou com Fidel Bafilemba, um pesquisador de campo do projeto Enough, dos Estados Unidos, sobre o mundo selvagem dos minerais sangrentos e dos rebeldes que os querem. Eles se encontraram no Ihusi, um hotel pitoresco situado no Lago Kivu, fronteira entre a República Democrática do Congo e a Ruanda. O sereno estabelecimento — um ponto de encontro para trabalhadores da ONG, jornalistas e a elite empresarial da cidade de Goma — é um contraste gritante da violência e da desordem que estão logo ali, do lado de fora de seus portões.

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VICE: Fidel, você acha que a obsessão americana por tecnologia — especialmente a explosão tecnológica dos últimos 15 anos — afetou o Congo?
Fidel Bafilemba: É uma coisa triste que os EUA, o pai da democracia no mundo, ignore os direitos humanos enquanto escava atrás dos minerais congoleses. É muito triste. Cada conflito neste país está ligado de uma maneira ou de outra à mineração. Não há dúvidas sobre a ligação entre os minerais sangrentos e as lutas aqui — isso está claro como cristal.

Imagino que 99% da população norte americana não saiba que seus celulares e aparelhos eletrônicos estão cheios desses minerais. Eu mesmo me sinto culpado disso.
Cidadãos dos Estados Unidos precisam entender que o Congo tem sido essencial para seus avanços tecnológicos. Por exemplo, as bombas de Hiroshima e Nagasaki — o material delas saiu do Congo. E hoje, todos esses gadgets e eletrônicos na América só são possíveis em parte por causa dos minerais sangrentos. Se sentir culpado é bom, mas não é o suficiente. Ao invés de deixar o país, eles deveriam investir e criar unidades de transformação, porque essa é a única maneira pela qual conseguiremos que nossas estradas, hospitais e escolas sejam reconstruídos… Pelo menos o começo de uma infraestrutura. Se eles decidirem deixar o país por causa dessa culpa, estarão condenando as pessoas à morte.

Tenho certeza que as empresas mineradoras americanas adorariam vir ao Congo e instalar unidades de transformação, minas reais e investir em infraestrutura, mas eles têm medo, certo? Há rebeldes de Ruanda por toda parte, e eles têm medo que o Mai Mai, pessoas com “poderes especiais”, matem todo mundo. Provavelmente não é um lugar fácil para fazer negócio.
Você pode achar todo tipo de desculpa mas, por favor, me deixe ter essa crença, essa esperança, essa confiança de que ainda há alguns empresários éticos nos Estados Unidos que não inventarão desculpas. Há lugares seguros aqui onde eles podem fazer negócio. Você está ficando aqui em Ihusi, por exemplo. Posso ver que você está vivo. Estamos conversando aqui. Não acho que ter medo dos grupos armados seja uma boa desculpa.

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Tradicionalmente, que papel tem o Mai Mai no controle das minas deste país?
O FDLR (Forças Democráticas de Libertação da Ruanda) tem se unido ao Mai Mai para tomar o controle das minas de Lubero, eles também têm queimado casas, matado e estuprado pessoas. Na verdade isso aconteceu apenas três dias atrás. Acho que isso dá uma noção de quanto poder esses grupos armados ainda têm sobre as minas.

General Janvier

Quando entrevistamos o General Janvier, o líder do grupo Mai Mai APCLS (Aliança Para Um Congo Livre e Soberano), ele disse que a coisa mais importante que o Congo precisa fazer é se livrar dos ruandeses. Ele quer mandar todos de volta para Ruanda, até mesmo o FDLR. Basicamente, ele nega que eles estão trabalhando com os ruandeses. Eles não admitem essa colaboração publicamente, certo?
Isso mesmo. Há também vários casos em que o exército congolês se uniu ao FDLR para tomar o controle das minas.

O exército congolês e o FDLR?
Exatamente.

Mas que porra é essa? [Risos] Desculpe, quando você diz exército congolês você quer dizer o FARDC?
Sim.

Mas eu achei que você estava dizendo que o FDLR e o Mai Mai estava lutando juntos como uma coisa só contra o FARDC. Parece que o FDLR está fazendo jogo duplo.
Você está certo. Às vezes eles se juntam aos grupos armados, até mesmo com algum oficial da FARDC individualmente, e outras vezes estão totalmente contra os grupos armados e o exército congolês. É complicado, mas é tudo por causa dos minerais. Quando se trata dos minerais, se você tiver que fazer um pacto com o diabo, você faz. Essa é a situação aqui no Congo, infelizmente.

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Quão poderoso é o General Janvier individualmente?
Ele não é poderoso. Ele confia nos militares locais, caras sem treinamento. O fato do território que ele controla ficar na floresta é a única vantagem que ele tem. Isso torna muito difícil retirá-los a força quando não se pode retirá-los através de negociação.

Nós vimos como foi difícil chegar lá. Não é de se admirar que eles façam o que querem por lá. Mas ao mesmo tempo, todos com quem conversamos disseram que eles são a milícia mais feroz do país e que todo mundo tem medo deles.
Isso é apenas publicidade. OK, vou admitir que eles têm algum poder, mas muito disso é mito. Muitas pessoas acreditam que o Mai Mai — que significa “água água” — tem uma água especial que os torna à prova de balas. Bom, isso é uma piada. A alegação tem sido sempre de que eles lutam contra o que chamam de invasores ruandeses — as tropas ruandesas dentro do território — mas os rebeldes têm controlado mais de 60% do país por quase cinco anos.

Então quando as pessoas dizem que a guerra está oficialmente terminada e que vocês estão em tempos de paz, qual é sua resposta?
O governo só quer que acreditem nisso porque precisa ter credibilidade com a comunidade internacional. Essa é a explicação.

Eles não querem que a mídia ocidental saiba que o leste do Congo continua sendo uma zona de conflito mesmo com as tropas da ONU lá.
Temos 45 brigadas FARDC lutando contra o FDLR por quase dois anos agora. A FDLR não tem mais que 3500 combatentes, mas continuam lutando contra as brigadas da FARDC.

Você pode contar algumas de suas lembranças de crescer durante a guerra congolesa?
[Risos] Meu deus.

Se não for muito doloroso.
Uma vez trabalhei com o que se chamava de Autoridade Congolesa. Eu estava entre os primeiros a tentar criar um sistema para controlar o serviço de coleta de impostos. Infelizmente, acabou que todo o dinheiro estava indo para Ruanda no bolso das pessoas, então tive que me demitir. Fugi para Kinshasa porque estava sendo ameaçado de morte. Foi lá que conheci o primeiro movimento Mai Mai. Se chamava MCR. Me tatuei porque queria saber se essa água mágica realmente poderia me tornar à prova de balas. Quando voltei para o leste, participei de uma batalha fora de Masisi, e fiquei muito desapontado. Fiquei feliz, no entanto, de ter me juntado a esse movimento porque ao menos pude ver por mim mesmo se os rumores eram verdadeiros ou não. E não eram. O verdadeiro Mai Mai são as forças armadas americanas, as armas ocidentais — esse é o verdadeiro Mai Mai. Tive que rasgar todos os meus documentos que diziam que eu era um representante provincial do movimento Mai Mai. Eu disse: “Isso é bobagem e temos que fazer as coisas de outra maneira”. De qualquer forma, eu estava feliz por voltar à minha batalha anterior e defender o povo ao invés de me juntar a uma milícia.

Espera, então você era parte do Mai Mai.
Isso.

Por que você não disse isso antes? [Risos] OK, você é um homem que estudou, viajou e viveu em lugares diferentes, mas muitas pessoas acreditam que o Mai Mai tem super poderes. É real para eles.
É real para eles. Mas você deve entender que isso é o resultado de uma falha do nosso sistema educacional. Nunca fomos introduzidos a nenhum tipo de pensamento crítico. Acreditamos no que eles nos dizem. Por isso disse que estava feliz por ter me juntado ao Mai Mai e me tatuado como eles, pois fui capaz de ver por mim mesmo como realmente funcionava. Os caras ocidentais são diferentes. Quase nenhuma pessoa no Congo se aventuraria por um cemitério à noite, mas se vocês precisam fazer uma investigação ou pesquisa lá, vocês farão. Vocês têm esse tipo de pensamento que os leva a descobrirem as coisas. E é isso que nos falta.