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Migrantes Ameaçam se Autoimolar em Calais, França

O governo britânico enfrenta a perspectiva iminente de 25 homens em chamas em sua porta tudo devido ao modo como o país reforça suas fronteiras.

Numa placa de trânsito em Calais – a cidade francesa mais próxima da Inglaterra – bem ao lado do porto de ferry boats, uma luta por espaço se desenrola. “Combata a fronteira!”, “Foda-se o privilégio”, dizem as pichações em uma metade da placa. “Ame as fronteiras, nossos direitos, nosso país”, diz outra.

É uma disputa bem na fronteira da Europa, em que migrantes tentam, e na maioria das vezes sem sucesso, alcançar outros países do continente. Enquanto isso, do outro lado, movimentos políticos xenofóbicos, cada dia mais populares, movimentam-se para mantê-los longe. E na Rue de Moscou, a cinco minutos do terminal de ferry boats que vão da França para a Inglaterra, fica claro qual lado está ganhando.

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“Estamos cansados da vida”, disse John Abdullah, um migrante de 40 anos de Kunar, Afeganistão. “Queremos direitos humanos. Queremos que os governos inglês e francês pensem em nós, mas ninguém se importa.”

Se esses governos continuarem ignorando e perseguindo essas pessoas, elas juraram tirar as próprias vidas. “Decidimos – todos os 25 – que se eles não escutarem, vamos nos matar”, disse Abdullah. “Vamos até a rua principal, vamos jogar gasolina em nossos corpos e atear fogo.”

Abdullah estava sentado numa grande barraca com mais dez homens, migrantes da Síria, Egito, Afeganistão, Sudão e Paquistão. Um ativista finlandês estava medindo a pressão sanguínea deles. Desde 12 de junho eles só estão consumindo água, às vezes misturada com um pouco de sal. Muitos estão cansados demais para falar, mas ninguém parece querer desistir.

“Não vamos comer até que as autoridades da Inglaterra e da França ajudem com nossos problemas”, disse Ahmad Khan, ex-jornalista do Afeganistão e porta-voz dos migrantes em greve de fome. “Nos nos sentimos cansados, tontos e fracos; a maioria tem dor de estômago e nas costas. Mas vamos continuar até termos uma resposta positiva.”

John Abdullah, 40 anos, migrante do Afeganistão, à esquerda, sentado com outro migrante. 

Eles estão num limbo: não podem chegar à Inglaterra sem arriscar suas vidas, e têm até os direitos mais básicos negados na França. Mês passado, no dia 28 de maio, a tropa de choque francesa despejou de modo violento cerca de 700 migrantes de seu acampamento improvisado em Calais, citando um surto de sarna como justificativa para a dispersão. Desde então, centenas de homens se organizaram e ocuparam um pátio vazio, antes usado como centro de distribuição de alimentos pelo grupo de ajudar internacional Salam, e alguns deles estão se recusando a comer.

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A exigência deles é simples. Aqueles que desejam atravessar o canal querem status legal na Inglaterra. Aqueles que desejam permanecer na França querem status legal aqui. E, enquanto isso, as centenas de migrantes no limbo querem acomodações seguras e o fim da brutalidade policial.

“Não queremos benefícios, queremos ser cidadãos”, disse Khan. “Temos energia e educação, queremos poder trabalhar e contribuir para a sociedade. Deixei o Afeganistão em 2008 porque lá eu enfrentava muitos perigos. Eu esperava poder viver como um ser humano quando chegasse aqui, esperava reconstruir minha vida e meu futuro. Mas ainda estou lutando para sobreviver.”

Ocupações e greves de fome são parte da rotina dos migrantes em Calais desde o fechamento do Sangatte, um campo de refugiados da Cruz Vermelha Francesa, em 2002. Agora, além de não fornecer nenhuma acomodação de emergência para os migrantes, o governo francês se recusa a reconhecer como legítimo qualquer outro abrigo que venha a ser erguido.

Quando um acampamento ou invasão é dispersado, os migrantes em geral pegam suas coisas, deixam a área e vão para as ruas, brincando de gato e rato com a mais notória força policial francesa. Mas, atualmente, as coisas são diferentes.

“Mês passado, o despejo foi anunciado com antecedência”, disse Philippe Wannesson, blogueiro do Passeurs d'hospitalités e ativista local. “Então, o grupo pôde se organizar e decidir ocupar o espaço. Assembleias foram realizadas e as decisões foram tomadas em conjunto. Havia esperança de que, com um número tão grande de pessoas organizadas, outro despejo seria mais difícil.”

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E muitos mais se juntaram ao grupo desde que a ocupação começou. Barracas, malas esfarrapadas e sacos de dormir cobrem o pátio na área que antes fazia parte do porto. Alguns estão envolvidos na política da ocupação; outros só querem um lugar seguro para ficar. A maioria, como Assad Khan, um refugiado de Peshawar, Paquistão, espera uma chance de ir para a Inglaterra, onde acredita que poderá encontrar uma vida melhor.

“Estou aqui há dez dias, mas estou viajando há dois anos e meio”, ele disse. “Estamos tentando chegar à Inglaterra porque ouvimos dizer que lá é um país bom, onde você pode ter uma vida boa e arranjar trabalho. Vamos tentar chegar lá num caminhão em breve.”

Migrantes jogam críquete em Calais. 

Assad estava jogando críquete no lado de fora do acampamento. É uma tarde de domingo, não há caminhões na estrada e a atmosfera está relaxada.

Na segunda-feira, a luta recomeça. As leis de imigração do Reino Unido tornam uma viagem segura e legal quase impossível para Assad e outros migrantes. Sem um visto, eles não podem pedir asilo do exterior, então são forçados a entrar no país de forma ilegal, arriscando tudo dentro ou sobre os caminhões que cruzam o canal. Mas esse não é o único perigo que os migrantes enfrentam. Mesmo em grande número, a violência tanto da polícia como das pessoas é comum. Em fevereiro, um homem iraniano foi baleado e morto em um dos muitos estacionamentos vazios de Calais.

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No meio do pátio, Adam-Joseph Gabriel, um homem de 45 ano do Sudão do Sul, estava ocupado desenhando no chão com giz.

“À uma e meia da manhã da quinta-feira, levei um tiro enquanto voltava para cá com alguns amigos”, ele me contou. “Primeiro atiraram na minha mão, depois nas costas. Fiquei quatro dias no hospital. Graças a Deus ainda estou vivo, e fico grato aos amigos que foram me visitar quando estive mal.”

Desde que saiu do Sudão do Sul em 1996, Gabriel fez toda uma turnê pela Europa: dois anos na Turquia lavando carros, dois anos em Atenas procurando trabalho, depois em Milão e finalmente França.

“Este é meu destino final”, ele disse, com um boné West-Coast na cabeça e um inesperado sotaque americano. “Não vou para a Inglaterra, é muito perigoso atravessar. Um amigo morreu tentando, outros quebraram pernas e braços. Pedi asilo aqui, onde espero conseguir trabalho, ser um cidadão francês e ter uma vida melhor.”

A jornada de Gabriel, aparentemente, vai terminar bem. Semana passada, ele encontrou um apartamento para morar e a polícia francesa pegou o homem que atirou nele, um segurança de 20 e poucos anos. Antes de ir, ele queria deixar uma marca. “Não quero que minha história termine”, ele disse quando acabou o mural colorido e limpou o pó de giz das mãos. “Quero ser lembrado.”

De volta às barracas, há pouco espaço para otimismo. O Reino Unido não mostra sinais de que vai ouvir os migrantes, muito menos ajudá-los. Na quarta-feira, a prefeitura de Calais anunciou, numa entrevista coletiva, que os migrantes devem deixar a área ocupada. Desde então, nenhum contato foi feito.

Para Abdullah, Khan e os outros migrantes que se recusam a comer, e que agora ameaçam se autoimolar, o tempo está acabando.

O governo britânico enfrenta a perspectiva iminente de 25 homens em chamas em sua porta devido ao modo como o país reforça suas fronteiras. Ao mesmo tempo, uma discussão sobre a importância dos “valores britânicos”, respeito mútuo, tolerância, lei e liberdade individual está em progresso no país. Tente dizer isso aos migrantes de Calais.

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Tradução: Marina Schnoor