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Tecnologia

Uma Marca Poderia Financiar o Próximo ‘Mad Men’?

As marcas querem controlar a mídia. Mas falta muito para elas criarem obras de alto nível.

Na última segunda-feira, a HBO Brasil transmitiu o último episódio de Mad Men e deu fim a uma série que, durante oito anos, narrou a história de uma indústria que está morta ou em vias de bater as botas — muito distante da "revolução criativa" vivida por Don Draper nos anos 60.

Embora as grandes marcas ainda gastem fortunas para vender seus produtos, a nova tendência da área de marketing são as propagandas que não são, de fato, propagandas. São o que chamam de "marketing de conteúdo" ou "conteúdo patrocinado".

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Esse conteúdo patrocinado pode ser uma matéria ou um vídeo engraçadinho, algo que poderia ter sido criado por qualquer empresa de comunicação. A diferença é que, em vez de ser criado por jornalistas, esse tipo de conteúdo é criado ou pela própria marca ou pela empresa de comunicação contratada pela mesma.

Você já deve ter visto alguns exemplos boiando na sua linha do tempo do Facebook — aqueles vídeos horríveis e condescendentes da Dove que revelam como as mulheres não se acham bonitas ou uma lista de corretora de imóveis que mostra os 10 melhores lugares para se viver na Califórnia.

Em ambos os casos, as marcas estão se infiltrando no seu cérebro (e bem provável que no seu bolso) ao criar algo que você se dispõe a ler ou assistir de boa vontade. É uma estratégia muito diferente da tradicional ideia de pagar um canal de TV ou um site para interromper o que você está vendo com uma propaganda.

De acordo com o Content Marketing Institute, uma instituição de pesquisa privada, quase 70% das marcas pretendem gastar mais com conteúdo patrocinado em 2015 do que no ano anterior. Segundo outra empresa de pesquisa, a eMarketer, as grandes marcas irão gastar US$4.3 bilhões em publicidade nativa, uma categoria que inclui o marketing de conteúdo. Enquanto isso, as buscas no Google sobre "marketing de conteúdo" dispararam nos últimos três anos.

Observação: Devo acrescentar que faço parte desse processo: há quatro meses ganho minha vida escrevendo para várias empresas de propaganda e tecnologia. Grande parte desse trabalho envolve escrever matérias técnicas sobre marketing digital e a indústria de publicações, mas também já escrevi matérias sobre executivos da indústria, um post patrocinado que mostrava como homens podem comprar ternos feitos sob medida na internet, e uma lista de livros sobre produtividade.

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Não é de se surpreender que essas marcas queiram entrar no ramo de marketing de conteúdo, visto que essa estratégia oferece o controle total da mensagem da empresa e tempo de exposição gratuito e ilimitado.

O que surpreende, na verdade, é como alguns consumidores estão abraçando o que é uma propaganda. Isso porque "revolução criativa" dos anos 60 foi impulsionada em parte pela desconfiança em torno dos "manipuladores ocultos", o que deu origem a uma era de publicidade consciente que em alguns casos chegava a se desculpar por ter incomodado os consumidores.

É possível que estejamos calejados. De acordo com estimativa feita pela empresa de pesquisa Yankelovich, um morador de uma cidade grande em 2007 teria visto 5.000 propagandas a cada dia. Desde então, a onipresença da publicidade só tem aumentado: a cada dia ficamos mais dependentes de serviços como o Facebook e o Google, que vasculham nossos dados pessoais para nos bombardear com propagandas.

Embora seja um tanto deprimente, é correto afirmar que a publicidade se tornou uma parte tão essencial de nosso cotidiano que é difícil imaginar qualquer interação que não a envolva. Nós já nos acostumamos com essa realidade. Ou pelo menos nos resignamos.

Vejamos o exemplo de Francisco Arceo, um analista de dados de 25 anos que trabalha em um banco de Nova Iorque e que me disse não se importar em assistir a um vídeo patrocinado desde que fosse divertido.

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"É possível que eu tenha uma visão de mundo um pouco mais cínica, já que acredito que tudo na vida é a imposição de um ponto de vista sobre outro", disse Arceo. "Por isso acho que a pergunta que importa é: 'isso foi um jeito interessante de passar meu tempo?'"

Uma série de alto nível como Mad Men não poderia ter sido criada pela Mercedes-Benz

É bom acrescentar que ainda existem muitos céticos no mundo. Para cada vídeo viral da Dove, existem inúmeros vídeos e ações que não dão em nada. De acordo com um estudo conduzido pela Yahoo e mais duas agências no ano passado, 45% dos millenials interrogados responderam que não costumam achar esse tipo de propaganda interessante o suficiente para ser compartilhada. Outra pesquisa da Contently revelou que dois terços dos leitores hesitam antes de clicar em uma matéria patrocinada.

Mesmo assim, Arceo não é o único a acreditar no valor do conteúdo patrocinado. Basta olhar para a Red Bull, que construiu um império midiático que inclui uma revista física com 2 milhões de assinantes, ou a Purina, que já atraiu 38 milhões de usuários do Facebook para seu site em apenas um mês.

Quando ouvimos Joe Pulizzi, fundador do Content Marketing Institute, narrando essas histórias de sucesso, percebemos que elas são um prelúdio de um futuro dominado por empresas que enriquecem vendendo energéticos ou quartos de hotel em vez de notícias ou entretenimento.

"Os próximos dois ou quatro anos serão marcados por fusões gigantescas, e muitas dessas grandes marcas irão comprar empresas de comunicação", disse Pulizzi. "Vai ser uma grande surpresa, mas eu tenho certeza de que isso vai acontecer."

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Apesar das empresas ainda precisarem de bons redatores, gigantes como a General Electric, a Intel e o Uber ganham tanto dinheiro com a venda de turbinas, chips e viagens de táxi que elas teriam mais recursos para investir na produção de conteúdo e em talentos jornalísticos do que as empresas de comunicação tradicionais.

Recentemente, Elizabeth Spiers, ex-editora da New York Observer, anunciou que irá comandar um site financiado pelo fabricante de colchões Casper. O tema do site é o sono, e o sucesso já é mais do que garantido (os viciados em internet amam ler sobre duas coisas: café e dormir).

"Acho que existe muito conteúdo por aí, e grande parte dele é ruim, mesmo quando vem de uma empresa de comunicação famosa", disse John Miller, um ex-jornalista que é hoje presidente da empresa de marketing de conteúdo Scribewise. "As pessoas se interessam por boas histórias e, cada vez mais, essas marcas tem fornecido isso."

Talvez isso seja verdade em alguns casos, mas como aponta Choire Sicha, co-fundador do site de notícias The Awl, existe um motivo para uma série de alto nível como Mad Men não ter sido criada pela Mercedes-Benz.

A razão é simples: toda marca tem que manter uma boa reputação — é por isso que elas existem, na verdade — e Sicha afirma que tudo que elas criam passa por uma série de revisões que no final resultam em um produto sem-graça e inofensivo.

A visão de Pulizzi de um futuro dominado por gigantes da comunicação, portanto, implicaria na substituição de todo entretenimento e jornalismo por produtos insípidos e "adequados".

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"O maior pesadelo de uma marca é a fama ruim", disse Sicha. "A marca diria que a cena é completamente inapropriada, tiraria várias passagens do roteiro e aí adeus para as séries de qualidade."

Além do problema da qualidade, existe ainda a questão da autenticidade: uma obra patrocinada poderia ser prejudicada pelo fato dela ser, no fim, uma propaganda.

No ano passado, a Verizon fechou as portas de seu site de tecnologia apenas um mês depois de sua criação. A decisão precedeu denúncias de que a empresa estaria proibindo seus escritores de abordar temas polêmicos como neutralidade de rede.

Pulizzi, talvez de forma previsível, afirma que não vê problemas em obras criadas por uma marca, desde que a obra em questão não seja uma matéria jornalística séria.

"Na maioria das vezes não vejo muita diferença", disse Pulizzi. "Ninguém é completamente imparcial, e além disso, o modelo de sites como o BuzzFeed, a Vice e o Wall Street Journal é igual ao de sites patrocinados pela General Electrics ou pela Red Bull; a única diferença é a origem do dinheiro."

O pequeno detalhe da origem do dinheiro é crucial, sobretudo quando as marcas não deixam claro logo de cara que são elas que estão financiando determinada obra. Mesmo que o produto seja um editorial ou outra forma de entretenimento, as marcas têm objetivos próprios e costumam envolver a ideia de que todos deveriam comprar seus produtos.

Vejamos o exemplo de um vídeo muito popular financiado pelo empresa de cartões American Greetings. O objetivo do vídeo era fazer as pessoas se emocionarem com o tempo e energia que suas mães gastam com elas. É só no final do vídeo, depois de arrancar muitas lágrimas de alguns espectadores, que a American Greetings se revela como patrocinadora e implora para que todos demonstrem seu amor com um cartão de Dias das Mães.

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Resumindo, seria ingenuidade esperar que uma indústria de comunicação dominada por marcas mostrasse que é possível demonstrar seu amor por sua mãe de outra forma que não incluísse um cartão da American Greetings.

"Existe definitivamente uma agenda por trás da criação desse tipo de conteúdo", afirma Sicha. "Mesmo que isso se limite a uma ideia de como o mundo deveria ser. Mesmo que eles não estejam descaradamente preocupados em vender um produto. Há sempre um ponto de vista muito específico nessas obras."

No fim, resta aos consumidores determinar se o conteúdo patrocinado é algo que estão dispostos a aceitar e, caso a resposta seja positiva, quanto desse conteúdo eles querem em suas vidas.

Embora uma mídia controlada por marcas seja uma ideia aterrorizante, o marketing de conteúdo oferece um benefício que não encontramos nos posts patrocinados do Facebook ou nos outdoors que vemos todos os dias: apesar de tudo, ele é mais fácil de evitar.

Observação: A Contently, cuja pesquisa é citada nessa matéria, é um dos clientes do autor.

Tradução: Ananda Pieratti