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A nova escravatura ou aquela treta dos estágios com ajudas de custo

Mais coisas que me tiram do sério e que me lixam o sistema.

Na última aula da minha pós-graduação no estrangeiro, o meu sábio professor, do alto da sua sabedoria, olhou para uma sala cheia de miúdas em pulgas para sairem dali e colher os tão benditos frutos (leia-se empregos) que a tal afamada instituição prometia, e disse a alto e bom som: “O mercado da comunicação social está difícil. Não vão sair daqui e começar logo a fazer rios de dinheiro. Mas façam o que fizerem, só não se tornem prostitutas… isso é cliché.” Em bom português: ouvimos, comemos e calámos. Até porque o tipo, que anda há anos no meio da indústria e é amigo de meio mundo conhecido, tinha razão! Quem nunca flirtou com o tipo da porta daquela discoteca cool ou se fingiu interessada em alguém só para ter bebidas grátis num bar que atire a primeira pedra (o som que se segue é o do silêncio vergonhoso). Por isso, nada como começar a aprender e a aplicar estas técnicas no mundo do emprego. Uma rapariga, hoje em dia, tem de se fazer valer dos seus atributos e quem pode, pode. Quem não pode, não… (a expressão fica ao critério pessoal de cada um.) Todas estas deambulações vêm a propósito dos chamados “estágios remunerados com ajudas de custo” (aka estágios em que te atiram umas migalhas no final do mês e te exploram na mesma, como se fosses trabalhador dos quadros da empresa ou burro-de-carga-e-pau-para-toda-a-obra), coisa que ainda prolifera e muito no nosso país. A carneirada de estudantes universitários que vejo rejubilarem pelas ruas de Lisboa em praxes — e a quem só me apetece citar Fernando Pessoa, quando este disse “come chocolates pequena, come chocolates, que não há mais metafísica no mundo que chocolates” — segue de olhos vendados para a matança sem ter noção do que os espera. A treta dos “estágios remunerados com ajudas de custo” é que são todos um embuste. Em nenhuma das empresas onde estagiei assim, fiquei. E se a lei diz que só podes trabalhar seis horas por dia, enganas-te: vais trabalhar até à meia-noite se for preciso, porque acreditas que, se te esforçares, o chefe lá em cima, que nem o teu nome sabe, vai reparar em ti e contratar-te. Vais sorrir a todas as pessoas, aguentar com patrões que se riem na tua cara quando respondes que querias ganhar o salário minímo por mês durante o estágio (afinal, o tipo até é rico e até te fez a pergunta!), vais esforçar-te ao máximo e dar todo o teu sangue, suor e lágrimas para, no final, te darem uma palmadinha nas costas e te mandarem porta fora, porque, afinal, malta a querer fazer o primeiro estágio há aos pontapés. Recentemente, vi um desses anúncios que dizia o seguinte: “E oferecemos um certificado e muito carinho. Só para estudantes, finalistas ou pessoas que queiram ser altruístas com micro-empresas nacionais.” Ah… mas assim sim, dinheiro, contas para pagar, renda da casa?! Quem é que quer saber disso, quando tudo o que precisamos no mundo é um certificado para pendurar em cima do móvel da televisão e carinho, muito carinho?! Serve o presente texto para incentivar todos os jovens presentemente a sairem da faculdade a dizerem basta à exploração. Sem mão-de-obra, as empresas não trabalham e a força está claramente do lado dos explorados. Por isso, façam lá os estágios curriculares, que esses são necessários para terminar o curso, e depois comecem a impor-se, mas todos juntos! Sem nada de ovelhas tresmalhadas a sair do grupo (ai e tal, só porque “o papá ainda me paga mesada e eu posso estagiar sem me pagarem”): a esses… cortem-lhes o pêlo!