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Edição de Ficção - Três Contos Curtos do Rodrigo Naves

Enfim, além de ministrar um curso de história da arte cabuloso, o Rodrigo Naves tem sua literatura publicada por aí (procure que vale a pena demais) e nos mandou esses três contos curtos que são muito bonitos. Saca só

Pedi uma ajuda pro meu amigo e crítico de arte Tiago Mesquita pra escrever esse abre sobre o também crítico de arte Rodrigo Naves, afinal de contas, foi ele quem me apresentou o cara, que escreve benzão. Ele me sugeriu: “fala que ele é ais conhecido como crítico de arte, mas escreve ficção desde a década de 90, diga que ele se tornou conhecido por esse tipo de narrativa, e por tentar uma voz distanciada de eventos do dia a dia, aí menciona que ele usou seu modo de interpretar as obras de arte para falar de coisas mais cotidianas como as meninas ajeitando os seus tops, a beleza de Gisele Bündchen”. É, o Tiago tava falando da crônica Top Cintura Baixa e a Beleza Imperfeita (o link é um PDF com o texto) publicado na revista do Cebrap , que é fera demais e, na minha opinião nada idônea, cheia de argumentos contra a influência dos travestis nos padrões de beleza atuais – ele não fala isso hora nenhuma, eu é que ando obcecado com essa parada de tanto ver mulher de barriga tanquinho e braço musculoso e homem com peitorais bizarros por aí. Enfim, além de ministrar um curso de história da arte cabuloso, o Rodrigo Naves tem sua literatura publicada por aí (procure que vale a pena demais) e nos mandou esses três contos curtos que são muito bonitos. Saca só:

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"ADEUS ÀS ARMAS"

Lido com mulheres maduras. Irreversíveis. Não aprecio carnes rijas. Pedem um pau que já não tenho. Não é pouco o que fazemos. Carnes tenras permitem atos inesperados. Violências brandas, golpes surdos.
— Senti sua falta, seu puto!
— Seu marido esteve doente…
— Me come toda.
Comê-la toda. Mas como fazê-lo? A esta idade tenho mais vontade é de apertar o que sobra. Ela já não tem vergonha de nada. Faz o que eu peço. Eu é que não sei pedir. Na verdade, acho que gosto mesmo é de apertar o seu corpo, e sentir por fora o que em outros tempos sentia por dentro.

"QUEDA"

Cair assim sem peso
como um sabiá.

"AUTOCONTROLE"

Posso me controlar por fora ou por dentro. Ambas alternativas me proporcionam serenidade, paz, força ou comedimento. Posso tornar meu rosto compassivo ou esperançoso, e o que me vai por dentro se deixa levar pelo meu semblante. E assim assento. Consigo também induzir em mim sentimentos e estados de espírito. E aos poucos eles buscam expressão em meus gestos e movimentos, que gradualmente obedecem a sua cadência.
Por muito tempo fui um homem colérico, sem controle, de todo sujeito às pressões alheias. Hoje não reajo mais precipitadamente. Entre mim e os estímulos do mundo ergui um filtro. E decido a natureza dos meus comportamentos. Em certos dias, visto uma expressão serena. É o que faço com mais freqüência. Sinto aos poucos minhas energias alcançar um ponto de equilíbrio, como se sedimentassem. Esse movimento de decantação produz em mim um estado de repouso que pede continuidade e zelo.
Noto porém uma lacuna nesse método que conquistei com muita dedicação e de que me orgulho. A alegria: a ela não acedo. Não ignoro o que seja e não é por isso que resista aos meus arranjos. Houve mesmo em minha vida momentos em que me vi tomado por tamanha leveza, um tal desprendimento de mim que não saberia nomeá-los de outro modo. Curioso não poder voltar a eles quando novamente os desejo. Tenho algumas hipóteses sobre meu insucesso na matéria, ainda que resista em aceitá-las. Uma delas chega a pôr em xeque todos os meus esforços.
Haveria então grandeza no descontrole, sabedoria na aceitação desses estados de espírito que nos acometem inesperadamente, sem aviso ou esforço? Tenho pensado muito no assunto, em geral à noite, quando tenho mais tempo e o céu estrelado conduz à reflexão. E confesso que algumas vezes me peguei divagando de forma tão intensa que me senti parte da vastidão que me envolvia. Não sei se cheguei a um método de induzir o descontrole. Pode ser. Por vezes porém me vem a idéia de largar de vez esses exercícios.