FYI.

This story is over 5 years old.

Tecnologia

Como as Autoridades Ucranianas Estão Usando os Celulares Contra Manifestantes

Na semana retrasada, o governo ucraniano mandou uma mensagem de texto para todos os manifestantes portadores de celular, considerando-os “participantes de um distúrbio em massa” e os alertando sobre a possibilidade de prisão sob a nova lei...

No começo da semana retrasada, o governo ucraniano mandou uma mensagem de texto para todos os manifestantes portadores de celular, considerando-os, a partir dali, “participantes de um distúrbio em massa” e os alertando da possibilidade de prisão sob a draconiana nova lei antiprotestos. De repente, todo ucraniano portador de celular que estiver no lugar errado, na hora errada, ficou vulnerável – o governo está explorando os celulares e seu sinal para tentar acabar com a dissidência.

Publicidade

Agora, as mesmas autoridades estão novamente usando os celulares contra os manifestantes, mas, dessa vez, é a própria polícia quem está empunhando a tecnologia móvel. Esse vídeo perturbador, filmado com um celular, mostra a polícia brutalizando um manifestante nu. A filmagem já tem mais de um milhão de visualizações.

Esse é outro exemplo da popularidade da tecnologia móvel, pensada como uma ferramenta para lutar contra a opressão – nesse caso, como meio de compartilhar imagens e informar – sendo abraçada pelos opressores. Estamos acostumados a ver os celulares usados pelos manifestantes para capturar casos de abuso, não com as autoridades filmando suas próprias ações violentas.

A filmagem sádica, que mostra um policial espancando, zombando e forçando o manifestante detido a posar para fotos, relembra as atrocidades de Abu Ghraib. Lá, soldados americanos usaram câmeras digitais para capturar ações similares – e até mais chocantes – perpetradas contra prisioneiros da guerra iraquiana.

Aqui, como no Iraque, as autoridades estão usando os celulares como uma arma para humilhar e ameaçar com a propagação dessa humilhação na mídia. Ainda não está claro se Fari Ahad, o usuário que postou o vídeo no YouTube, era um policial ou outro manifestante. De qualquer maneira, a filmagem capturou os policiais claramente gravando a tortura – a temperatura era de -10º Celsius naquele momento.

Em seu livro Sobre Fotografia, Susan Sontag escreveu que “há algo de predatório em tirar uma foto”, já que “isso transforma as pessoas em objetos que podem ser simbolicamente possuídos”. Nesse caso, o manifestante está sendo reivindicado como um objeto pelas autoridades, um objeto pensado para demonstrar o que acontece quando as pessoas se opõe ao governo. A submissão forçada faz o prognóstico de Sontag duplamente verdade; seu corpo é propriedade e está à mercê do Estado. Aparentemente, a força policial ucraniana está tentando usar as fotos de celular para propagar imagens vergonhosas, da mesma maneira como os manifestantes fariam.

Publicidade

Tais fotos também podem servir para catalizar a oposição, claro – o Occupy Wall Street, por exemplo, só deslanchou quando imagens de abuso policial foram compartilhadas na internet e isso pode servir para atiçar as chamas do levante ucraniano. O golpe da polícia pode ser um tiro pela culatra. Mas isso também pode servir para desgraçar os retratados.

No ensaio Valuing the Photographs of Abu Ghraib: The Power of Evidentiary Display, Lauren Kahn, da Universidade de Duke, mostra pontos convincentes sobre a natureza de comunicar essas imagens e aponta como fazer isso pode transformar algo mundano como uma câmera numa arma.

Kahn nota que “mostrar um prisioneiro iraquiano numa posição comprometedora é violar sua privacidade e redefinir sua identidade. Ele não é uma pessoa, mas 'o prisioneiro com um saco na cabeça e arames nos braços' ou 'o cara na base da pilha'”. E é isso que o manifestante é aqui, e é isso precisamente que está acontecendo: “Ficar nu na presença de estranhos é desumanizante, até mesmo tortura. A disseminação das fotografias perpetuam a violação da dignidade humana”. Agora imagine a profundidade dessa desumanização quando essa violação se torna um viral.

Não há provas de que essa prática está sendo institucionalizada, ou mesmo que haja mais de uma ocorrência desse comportamento deplorável. O Ministério do Interior ucraniano se desculpou oficialmente e iniciou uma investigação sobre o incidente de acordo com o site Kyiv Post.

Mas há uma ironia sombria na noção de que, apenas alguns dias depois de explorar os celulares dos manifestantes, a polícia ucraniana esteja os atacando com os celulares dela. As autoridades estão se mostrando assustadoramente adeptas da tecnologia disponível para desencorajar a oposição – e, juntamente com a terrível mensagem de texto, fica fácil ver que a tecnologia usada em campo pode facilmente se transformar num veículo da opressão em vez de uma ferramenta de libertação.