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Pensando... Paranoia Vai Fundo

Nunca confie em ninguém com menos de 30 anos. Essa é a minha corruptela da frase original "nunca confie em ninguém com mais de 30 anos", que é atribuída a todo mundo, do Bob Dylan aos Beatles.

Cartaz de protesto em Barcelona. Foto por Bruce LaBruce.

Nunca confie em ninguém com menos de 30 anos. Essa é a minha corruptela da frase original “nunca confie em ninguém com mais de 30 anos”, que é atribuída a todo mundo, do Bob Dylan aos Beatles, mas na verdade foi cunhada na década de 60 pelo ativista do Free Speech Movement Jack Weinberger. Hoje minha preocupação não é bem com a galera com mais de 30 anos (ou digamos de 40); eles geralmente são bem transparentes em relação ao seu weltanschauung e, portanto, podem ser adotados ou dispensados sem muito debate. São os millennials que me preocupam, esse grupo demográfico indefinido que pode parecer um skatista, ou um membro duma banda indie, mas que na verdade é um fiscal conservador fazendo street art filantrópica para alguma franquia corporativa ou um mega-banco. É isso aí, colaboracionistas. Sei que é difícil quando a governança corporativa é o programa default, e a única alternativa é, digamos, viver embaixo duma ponte. Te faço essa concessão. Pô, o Godard dirigiu comerciais.

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É emocionante testemunhar a onda de protestos a favor da ordem democrática que começou na última Primavera Árabe se espalhando pelo oeste. As recentes manifestações na Grécia, na Espanha, e na Inglaterra deixam um cara com aquela nostalgia do movimento de Maio de 68 na França, ou as Manifestações do Poll Tax no Reino Unido em 1990, ou as Manifestações de Los Angeles de 1992, essa última provavelmente representando a última tentativa realmente honesta de desalojar a classe dominante na sociedade ocidental. Mas com a militarização da polícia e as novas técnicas para controle de multidões, para não falar nos gastos astronômicos em segurança e na aplicação de exceções-marotas-nas-leis para limitar o direito de reunião, os protestos de rua hoje em dia são como mijar contra o vento, especialmente se o vento estiver cheio de gás lacrimogêneo. Apenas observe as táticas policiais e governamentais usadas no encontro do G20 ano passado em Toronto. Meio tipo o Amanhecer Violento, exceto que o país que está te invadindo é o seu. (Mas você tem que admitir isso, usar os antigos Estúdios de Cinema de Toronto como locação para manter os manifestantes presos foi um toque de gênio. Fico imaginando se foi uma referência irônica ao cinema de drive-in como um centro de reeducação comunista usado em Amanhecer Violento? Ou isso é dar crédito demais a eles? Ainda estou esperando o remake abandonado, aliás, com uma ansiedade violenta).

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O que me deixou irritado com esse esquema foi um comercial que vi semana passada usando o discurso “Eu Tenho um Sonho” do MLK para vender um carro. A propaganda parecia ser bem sincera (elas sempre parecem), com muitas pessoas de todas as raças e credos se unindo para comer em uma mesa de jantar de quilômetros de largura, mas quando, no final, ela me informou que o patrocinador era um conglomerado de carros, confesso que fiquei um pouco decepcionado. (Porque quando penso em movimentos de direitos civis, não necessariamente penso na Chevrolet). Fiquei levemente aliviado quando entrei online e descobri que a propaganda havia sido dirigida por ninguém menos que o Spike Lee; afinal de contas, ele não apenas sorveu da fonte corporativa há muito tempos, mas também a ajudou a construí-la! (Mas eu amo seu documentário sobre o Katrina). Claro, é difícil de acreditar hoje que as raízes do ativismo negro (além dos ativismos feminista e gay, aliás) eram amplamente baseados em Marx, apesar de que o MLK soa hoje, especialmente se comparado ao Presidente Obama – ou até Spike Lee – como um comuna.

Se eu dirigiria uma comercial? Claro, e por mais que seja estranho, nunca me convidaram. Mas se dirigisse, evitaria, digamos, usar A canção de protesto da década de 60, “For What It’s Worth” do Buffalo Springfield, pra vender carnes de café da manhã, como fez recentemente a empresa canadense Maple Leaf (Império do Mal!). (“Paranoia é funda/No seu bacon vai se esconder”) O canadense Neil Young, que fazia parte do Buffalo Springfield, é um dos músicos famosos que sempre se recusaram a vender suas músicas para comerciais, mas infelizmente disse que a musica foi escrita pelo antigo colega de banda Stephen Stills, que a havia vendido antes para um comercial da cerveja Miller nos EUA. Se o Neil Young estivesse morto, ele estaria rolando em sua cova.

Mas isso não é novidade. O Bob Dylan, o vô de toda música de protesto, já vendeu suas músicas para bancos e cadeias de supermercados. (O Bank of Montreal, por exemplo, recentemente usou “The Times They Are A-Changin’”, uma música cuja letra é amplamente baseada nos movimentos de Direitos Civis dos EUA, em uma campanha). O que me irrita é que parece que as corporações estão deliberadamente esfregando isso me nossas caras. Eles realmente precisem eviscerar músicas de protesto de esquerda famosas explorando-as por interesses comerciais enquanto os músicos, já ricos além da imaginação, literalmente riem quando põem a mão no bolso? Bunheteiros! (Aliás, esse é meu novo neologismo favorito).

Mas tudo bem, aguardo ansiosamente o dia em que a “Holiday in Cambodia” do The Dead Kennedys seja usada para promover o turismo no sudeste asiático. Quando a “We Are The Pigs” do Suede seja usada em propagandas do setor de relações públicas da polícia. Quando a “1234”, da Feist, for usada para anunciar iPods… opa, esquece essa aí. Como a música da Feist diz: “Dinheiro não pode comprar de volta o amor que você tinha antes”.

TEXTO POR BRUCE LABRUCE
TRADUÇÃO POR EQUIPE VICE BR