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Quanto Medo eu Realmente Deveria Ter de Glúten?

Se você tem doença celíaca, corra bem longe.
Foto tirada pelo autor.

Numa cena de É o Fim, filme de terrir de 2013, Seth Rogen explica seu "detóx" dizendo "Sempre que você se sente uma merda, é por causa do glúten"; depois, ele admite sequer saber o que é isso e desiste da sua promessa de largar o glúten comendo um hambúrguer. Aqui, em Los Angeles, isso mostra bem a atitude geral para com os alimentos contendo essa substância: ela não vai te matar, mas, se você conseguir ficar longe dela, sua vida vai melhorar de algum jeito, mesmo que essa sensação venha de mera suposição.

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Glúten é realmente um contaminante? Não. É só uma proteína que a parte reprodutiva de uma planta de trigo cria para alimentar o embrião em brotamento – a parte do trigo que a gente come. Você pode extraí-lo lavando a farinha até que todo o amido saia e só fique um resíduo grudento. Esse resíduo pode formar grandes pedaços de glúten, que vêm em lata.jpg) e são usados em restaurante vietnamitas como substituto de carne de aves, o chamado de "mock duck" – e eu podia comer esse negócio o dia inteiro.

No entanto, se você tem doença celíaca, é bom fugir do mock duck como o diabo foge da cruz. Doença celíaca é um "transtorno autoimune que pode ocorrer em pessoas predispostas geneticamente, em que a ingestão de glúten leva a danos ao intestino delgado", me disse Talia Hassid, especialista em saúde pública e coordenadora da Celiac Disease Foundation.

A crença geral é que uma refeição cheia de glúten para uma pessoa com doença celíaca é a fórmula para alguns dias de cólicas e diarreia. Hassid me falou que isso acontece com crianças, embora menos em adultos. "Adultos têm um conjunto diferente de sintomas mais comuns, incluindo dores de cabeça, confusão mental e juntas inchadas", acrescentando que a natureza neurológica dos sintomas significa que adultos com doença celíaca são "ainda mais difíceis de diagnosticar, porque a maioria das pessoas não associa isso com a alimentação".

Eu tenho sintomas como dores de cabeça, confusão mental e juntas inchadas desde sempre – quem não tem? Pensando que eu poderia ter doença celíaca, decidi cortar glúten por uma semana e ver que efeitos isso teria na minha vida. No final das contas, segundo Hassid, "83% das pessoas com doença celíaca nunca foram diagnosticadas". Estima-se que a doença afete cerca de um em 100 norte-americanos. Para ter uma referência, mortes por armas de fogo afetam cerca de um em 365 norte-americanos. Estatisticamente, minhas chances de ter doença celíaca são muito maiores que as de levar um tiro. Ainda assim, quanto medo dela eu deveria ter?

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"A quantidade de glúten que cabe embaixo da unha do seu dedo mindinho. Isso já pode deixar uma pessoa com doença celíaca doente", ela informou.

Mas quão doente?

Depois de um ataque misterioso de uma doença que parecia poder matá-lo em março de 2013, Jeff Hurst, um lojista aposentado (e meu tio), descobriu que décadas de consumo de glúten vinham secretamente devastando sua saúde.

Ele chamou o que tinha de "celíaca silenciosa". Jeff não mostra sintomas externos quando come glúten acidentalmente hoje em dia, porém, pensando agora, ele tem certeza de que tinha alguma coisa errada com ele todos esses anos. "Vinte por cento das pessoas não têm sintomas; então, continuam comendo glúten", pontua Hassid. Enquanto isso, "sua dieta está causado o caos nos seus órgãos internos", acrescentando que, "mesmo que não esteja se sentindo mal, você não está indo bem".

"Vejo agora que eu estava piorando com os anos, mas, como não tinha nenhum desconforto óbvio, eu não sabia que isso era sério", comentou Jeff. Ele comeu muito pão, massas e outros alimentos lotados de glúten por mais de cinco décadas, só apresentando sintomas depois dos 50 anos.

Um dos problemas que impedem o diagnóstico é a falta de diarreia. Ainda que Jeff soubesse que era o glúten que estava lhe fazendo mal, ele ainda não tinha o sintoma que é a marca registrada da celíaca: diarreia. Isso foi em 2013, o ápice do pânico do glúten; assim, comentar que essa proteína era o que o estava deixando fraco o faria parecer uma dessas pessoas para quem você rola os olhos quando ela diz que é "sensível a glúten".

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A ideia da "sensibilidade a glúten" é o monstro do armário para muitos especialistas de sofá em saúde pública. Em maio de 2014, um estudo australiano descobriu que um carboidrato chamado FODMAP era provavelmente o responsável pelos sintomas atribuídos à sensibilidade a glúten. O site da Mayo Clinic diz que "não há um teste científico válido para diagnosticar sensibilidade a glúten não celíaco, e pesquisas estão em andamento para encontrar um".

Isso levou muitas pessoas a repudiar a ideia de sensibilidade a glúten não celíaco, embora, na verdade, os cientistas ainda não tenham uma resposta significativa para isso. Em qualquer caso, segundo Hassid, apesar dos sintomas, a diferença entre "sensibilidade" e doença celíaca é simples: "Alguém com sensibilidade a glúten não tem o gene".

Meu tio Jeff – que tem o gene – piorou no decorrer de 2013, e aí os sintomas ficaram estranhos. "Nada tinha um gosto bom", ele me contou. Ele também tinha de fazer pausas para fazer as coisas mais normais, como andar. Ele se tornou quieto e afastado nas reuniões de família.

Aí as coisas ficaram assustadoras.

"Disseram que eu tinha celulite bacteriana na perna", ele relatou. "A infecção subiu do meu pé para cima do joelho em apenas três ou quatro dias." Aí ele começou a desmaiar e finalmente foi internado. "Tive falência renal, febre, dor severa, tive de usar um cateter. Sabe, só diversão."

De acordo com o Dr. Daniel Leffler, diretor da Pesquisa Clínica do Centro de Celíaca do Beth Israel Deaconess Medical Center, isso não é algo desconhecido. "Hospitalização por doença celíaca severa é raro, mas ocorre em cerca de 1% dos pacientes diagnosticados", ele me disse.

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"O caso dele foi muito dramático, mas a maioria dos casos de celíaca é", aponta Hassid. "Muitas pessoas ficam doentes por anos antes de finalmente fazerem um teste sanguíneo simples e serem diagnosticadas."

Só que o problema renal e a infecção que coincidiram com o ataque celíaco de Jeff parecem ser comuns, segundo Leffler. "Qualquer desnutrição severa pode levar ao comprometimento do sistema imunológico, pois o corpo não tem recursos para manter o sistema ativo. Novamente, isso é raro em doença celíaca, porém pode acontecer."

Com a saúde de Jeff em declínio e seus sintomas ainda misteriosos, a família esperou, apreensiva como os coadjuvantes de um episódio de House, até que o diagnóstico saísse. Minha mãe era uma das pessoas na sala de espera. Ela me mandou uma série de mensagens de texto: "Ainda sem respostas sobre a condição de Jeff. Ele recebeu mais de três litros de sangue, mas continua a perder sangue. A infecção na perna parecer ter melhorado um pouco. Esperamos notícias melhores hoje. Continue rezando por ele".

Aí seu teste sanguíneo revelou doença celíaca, e os médicos finalmente tinham um culpado. Depois de mais algumas transfusões e de ficar longe do glúten, ele começou a melhorar. "É impressionante o que o oxigênio pode fazer por você!", ele destacou, apesar de dizer que as dores residuais duraram meses.

Hassid reiterou que o tempo de recuperação de pessoas que tiveram episódios assim varia muito. "Pode levar algumas semanas ou até dois anos."

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No entanto, com a doença sob controle, a pior parte sobre sensibilidade a glúten, fora ir parar no hospital, é ter de encher o saco do garçom e ver estranhos rolando os olhos quando você fala sobre seu problema. Mas, segundo Hassid, "Você tem de ser muito inquisitivo para conseguir uma refeição segura".

Perguntei a Hassid – diante das dores de cabeça e juntas inchadas – se eu devia fazer um teste para doença celíaca. "Isso pode ser qualquer coisa. Eu recomendaria um teste para celíaca, junto com um check-up completo."

Aí ela me deu uma instrução confusa: "Volte a comer glúten".

Quem acha que tem doença celíaca não deve parar de comer glúten totalmente, segundo os especialistas. Você tem de fazer um teste. Se você já largou o glúten e decide fazer o teste, isso não vai funcionar até você começar a comê-lo novamente.

O ponto aqui é que, se você tem doença celíaca, o curso de ação não tem nada a ver com a ausência dos sintomas ou com o aparecimento deles, como confusão metal, dores de cabeça ou cagar nas calças, continua Hassid. Na verdade, em 2013, pesquisadores descobriram que um terço dos americanos estavam "tentando reduzir o glúten", embora, segundo Hassid, não adiante nada, para aqueles nesse terço que realmente têm doença celíaca, reduzir o glúten. É preciso cortar isso totalmente.

"Mesmo se você não estiver experimentando nenhum sintoma, isso ainda está prejudicando seu intestino", alertou Hassid.

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Veredito Final: Quanto Medo Eu Realmente Deveria Ter de Glúten?

2/5: Tome precauções normais

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Tradução: Marina Schnoor.

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