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Edição "Sai da Frente que Estou Passando"

Jaimie Warren: 'Autorretrato como o Palhaço Pennywise'

Nós pedimos ao performer Joseph Keckler, que posa como o Krueger para a foto, que nos fornecesse um pouco mais de contexto sobre o trabalho de Jaimie.

Jaimie Warren criou esse autorretrato para a Edição Fotográfica VICE 2014. Nós pedimos ao performer Joseph Keckler, que posa como o Krueger para a foto, que nos fornecesse um pouco mais de contexto sobre o trabalho de Jaimie.

A fotógrafa e performer Jaimie Warren já se transformou em muitas entidades, ícones que ela invoca do inconsciente coletivo e depois distorce: uma versão opulenta da deusa hindu Kali, que fuma um baseado com cada uma de suas oito mãos cobertas de joias; um gigantesco prato de lasanha que é também a cabeça da cantora Lana Del Rey; um Freddy Krueger faminto e a almôndega desesperada que ele impala, puxa de uma pizza e engole. Warren se deleita em visões do excesso enquanto retrata e se transforma marotamente nas coisas que nós devoramos e nas figuras que tememos que possam nos devorar.

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De maneira análoga, o trabalho de Warren possui diversas qualidades que são, neste momento, ao mesmo tempo sedutoras e um pouco assustadoras para o mundo da arte contemporânea. Seu trabalho é engraçado, prazeroso, teatral, festivo, abertamente colaborativo, bem executado sem ser careta, acessível e ainda assim estranho. Sua paixão por cultura pop não tem nada a ver com uma sensação de superioridade. Muito pelo contrário: como muitos artistas de sua geração, Warren sugere que a cultura pop a inspira mais do que a arte contemporânea. Em suas individuais mais recentes na galeria Hole, The WHOAS of Female Tragedy (Os absurdos da tragédia feminina, 2013) e That's What Friends Are For (É pra isso que servem os amigos, 2014), Warren exibiu trabalhos de diversas séries em andamento: Art History (História da Arte), Celebrities as Food (Celebridades enquanto comidas), Totally Looks Like (Parece muito) e Horror Movie GIFs (GIFS de filmes de terror). Na série História da arte, Warren fotografa sua própria versão de pinturas clássicas, uma estratégia que ficou famosa nos trabalhos da autoretratista Cindy Sherman - a artista com quem Warren é mais comumente comparada - e também nos trabalhos de John Kelly, Robert Wilson e alguns outros. Ressoando tanto com a obra de Mike Kelly quanto com a de Sherman, as séries de Warren incorporam números musicais, aspectos autobiográficos, ostentação religiosa, uma estética desconexa e um profundo senso do ridículo.

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Essa reinterpretação revigorante que Warren dá para a prática de parodiar pinturas clássicas pertence à era da internet. E isso se dá não por causa das ferramentas que ela emprega para realizar esses trabalhos - ela usa uma máquina digital e se recusa a tratar as fotos na pós produção - mas porque a maioria de seus tableaus tortos são baseados em JPEGs fotoshopados que ela encontra online. A maioria de suas fontes traz um personagem familiar e contemporâneo, como o Pinhead de Hellraiser, Mestre Yoda ou Papai Noel inserido em uma pintura famosa. O seu trabalho mais recente - e mais ambicioso - consiste numa instalação de vídeo composta de cinco telas em que ela repopulou o Altar de Fiesoli, de Fra Angelico, com uma gangue composta por seus amigos e outros interessados, todos vestidos de ícones americanos como Betty Boop, Willie Nelson e Miss Piggy. Warren recorreu às celebridades favoritas de sua mãe e de sua avó, além de algumas de seu próprio panteão. O resultado é uma espécie de coral gospel heterogêneo e inter geracional formado por 200 figuras tiradas do imaginário popular. A artista ocupa a posição de Cristo, só que vestida como Missy Elliot em seu icônico vestido de sacos de lixo. Ela sorri serena enquanto lidera o grupo durante a execução da música "That's what friends are for", de Dionne Warrick.

Na série Celebridades enquanto comidas, Warren também se volta para a internet, selecionando imagens de sites famosos que se dedicam a fazer essas colagens engraçadinhas - nas quais, por exemplo, é possível ver Fred Savage ser fundido digitalmente a um repolho (cabbage, em inglês) e assumir a alcunha de "Fred Cabbage" - e depois as modificando, inserindo panos de fundo, maquiagem, fantasias e seu próprio corpo. Ao traduzir essas colagens em 2-D para o espaço físico, Warren pratica um ritual desdigitalização. Os retratos finais transmitem uma sensação de textura que é prazerosa em muitos casos, e visceral em outros - a piscina de molho vermelho que vaza do queixo construído de miojo no Autorretrato enquanto Lasanha Del Rey serve também como sangue, lembrando a famosa pintura A cabeça de São João Batista, de Andrea Solario, só que filtrada pela memória de Pee Wee Herman.

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Ao tratar a cultura pop como uma mitologia fluida, Warrren brinca com a sua persona como uma criança brinca com suas bonecas em casa. Universos se misturam, o que significa que Comandos em Ação, Barbies, Furbies e bonecas de pano com olhos de vidro podem interagir - problema nenhum. Personagens podem adentrar novas situações e adotar diferentes dimensões, motivos, identidades. No vídeo que acompanha este artigo, que documenta a performance mais recente de Warren, a artista emerge como um Freddy Krueger atormentado, um dos grandes vilões da década de 1980, estrela de filmes como A hora do pesadelo, caçando as suas vítimas em seus sonhos e também no mundo real. Na versão de Warren, Freddy degola um indivíduo alegre e inofensivo que saltita em sua direção. Ele então joga um vaso de cerâmica no chão e grita de angústia, possivelmente horrorizado, enfim, por sua natureza cruel. Pouco depois junta-se a ele uma gangue de dançarinos animados - composta por mais três Freddy Kruegers e um par de Freddie Mercurys - e juntos eles cantam "Somebody to love" no karaokê. O indivíduo degolado volta para fazer um solo de guitarra. Sua súplica em forma de música logo é atendida, e a harmonia reconfortante de "That's what friends are for" ressoa pelo ambiente no momento em que Stevie Wonder entra em cena. Então várias lâmpadas de LED brilham, simbolizando a luz da redenção, enquanto Wonder ajuda Freddy a se transformar miraculosamente em… Michael Jackson! Freddy/Michael expressa sua gratidão a Stevie em meio a lágrimas, e então começa a dançar "Black or White" junto com a gangue.

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Tal metamorfose parece radical, mas ainda mais surpreendente são as semelhanças que Jackson e Krueger compartilham. Ambos vestem luvas em apenas uma das mãos e usam fedoras pretos, o que Warren destaca na performance. As faces de ambos foram bastante alteradas. Além disso, Wes Craven disse que quando concebeu o personagem Freddy Krueger, ele seria um molestador de crianças. E, no campo dos pesadelos, rumores e acusações de abuso sexual infantil atormentaram Jackson.

Eu só havia me encontrado com Jaimie Warren uma vez, rapidamente, quando ela me escreveu para perguntar se eu queria interpretar o Freddy Krueger em uma de suas instalações para a série História da arte, que seria fotografada para a Edição Fotográfica da VICE. Ela veio me cumprimentar do lado de fora de seu estúdio/apartamento em Bushwick vestindo uma camiseta da Copa do Mundo de 94 e uma peruca que parecia ser do Palhaço Bozo. Ela então me ofereceu uns petiscos e me dirigiu ao porão, onde os outros participantes da foto já estavam se arrumando. Nós iríamos recriar uma clássica cena da natividade de Cristo, pintada pelo Mestre de Hohenfurth em 1350, só que com vilões de filmes de terror.

Warren lambrecou o meu rosto com massa de vidraceiro e maquiagem vermelha para simular cicatrizes. Fechei meus olhos e fingi que estava em um spa recebendo um tratamento facial caríssimo. Uma vez completa a minha transformação, minha tarefa era ajoelhar na parte de baixo do tableau e fingir que estava ajudando o Jason a derramar uma jarra de água em uma bacia. Os corpos de outros antagonistas famosos, como o Duende, Chucky o Boneco Assassino e Basket Case foram pintados no pano de fundo em uma linha vertical, substituindo o anjo, o pastor e bispo que compunham a pintura original. Então as três pessoas que interpretaram esses personagens tiveram que se amontoar uma em cima da outra, equilibrando-se precariamente para poder enfiar a cabeça no cenário e completar a cena enquanto outro ajudante tirava as fotos. "Eu não sou uma boa carpinteira, então se alguém empurrar essa coisa eu sinto muito mas ela vai cair", Warren avisou. "Se você estiver se desequilibrando e quiser fazer uma pausa é só gritar."

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"Vamos escolher uma palavra de segurança", disse um dos três empilhados.

"Que tal O.B?" sugeriu o outro.

"Ótimo", disse Warren. Ela então assumiu sua posição ao centro da cena e continuou a dar ordens, que agora eram quase inaudíveis por causa das presas de mentira em sua boca. Fazendo o papel de Pennywise, o palhaço malvado do filme It, ela ocupava a posição da Virgem Maria, recostada numa cama com seu bebê recém-nascido. E quem ela estava segurando no lugar do menino Jesus? A Bolha Assassina, claro. Um ser extraterrestre sem olhos, orelhas ou esqueleto e que come todos os humanos que vê pela frente.

No mundo de Warren, o novo messias é uma gosma preta faminta: um apetite vivo.

Joseph Keckler é um artista interdisciplinar, escritor e cantor lírico que a Village Voice chamou de "Melhor Performer do Downtown" em 2013. Siga ele no twitter.

Tradução: Luiza Sposito Vilela